Presidente da Venezuela decreta feriado para celebrar seus dez anos no poder; até clínicas e farmácias fecharam as portas
O Globo, 3 de fevereiro de 2009.
CARACAS. A decisão de última hora do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de decretar o dia de ontem feriado nacional em homenagem aos dez anos de sua chegada ao poder pegou dezenas de milhares de pessoas de surpresa. O governo chegou a enviar militares da Guarda Nacional para forçar os comerciantes a fecharem as portas.
Alheio às reclamações que partiam tanto de trabalhadores que foram a seus locais de trabalho apenas para encontrar as portas fechadas, de pais que levaram à toa seus filhos para escolas e de lojistas que perderam produtos perecíveis, Chávez participou de uma cerimônia no Panteão Nacional, onde está a sepultura do libertador do país, Simon Bolívar.
— Dez anos atrás, Bolívar, incorporado na vontade do povo, voltou à vida — disse o presidente, que à noite foi o anfitrião de um encontro extraordinário da Alternativa Bolivariana para as Américas, a Alba, com presidentes de países como Equador, Bolívia e Nicarágua.
Lei permitiria que comércio ficasse aberto
Enquanto isso, o país tentava se acostumar com um feriado decretado apenas horas antes, na tarde de domingo. Num desdobramento inusitado, a Guarda Nacional e policiais de diversos estados comandados por aliados de Chávez foram para as ruas obrigar comerciantes a fechar as portas de suas lojas. Ações dos militares foram registradas na capital, Caracas, e em estados como Maturín, Nova Esparta, Zulia e Carabobo. Na cidade de Maracaibo, a segunda maior do país, o maior shopping center foi fechado à força.
José Manuel González, presidente da Fedecámaras, que reúne os empresários venezuelanos, afirmou que a decisão de última hora provocou um “caos generalizado”.
— Um país não se governa com caprichos. Um país não se governa irresponsavelmente. As consequências econômicas, as consequências para patrões, trabalhadores, para o país como um todo, são pagas absolutamente por todos os venezuelanos — disse González.
Ele afirmou que os lojistas não tiveram tempo de se preparar, o que acabou sendo prejudicial, principalmente para aqueles que trabalham com produtos perecíveis:
— As empresas atuam com planejamento, e isso é fundamental. Se os feriados estão no calendário, como de fato estão, as pessoas se preparam, alteram os turnos de trabalhadores, evitam o colapso que se generalizou em todos os níveis. Isso é sumamente grave para a economia do país.
Segundo a Fedecámaras, vários empresários receberam multas, apesar de a lei venezuelana permitir que lojas sejam abertas em feriados e fins de semana, desde que os trabalhadores recebam o dobro ou o triplo, dependendo da atividade.
Para governo, um dia de júbilo para a população
Em casos ainda mais graves, militares chegaram a entrar em clínicas hospitalares particulares e farmácias para assegurar que somente setores de atendimento de emergência permanecessem abertos.
— Até farmácias foram fechadas pela Guarda Nacional, que está percorrendo empresas que abriram e ameaçando com sanções que não sabemos sequer em que lei serão baseadas — disse González.
A confusão começou a se desenhar no sábado à noite, quando o vice-presidente do país, Ramón Carrizález, falou que o governo poderia decretar a segunda-feira feriado.
Apenas na tarde de domingo, menos de dez horas antes da segunda-feira, o Gabinete venezuelano decidiu que ontem seria feriado.
— O decreto de um dia como feriado é uma competência exclusiva, indubitável, do presidente da República e do vice-presidente. É um dia de júbilo, um dia de encontro dos trabalhadores com suas famílias, celebrando os dez anos de missões e êxitos — disse o vice-ministro do Trabalho, Abraham Mussa.
Chávez tentará aprovar através de um referendo no próximo dia 15 uma mudança na Constituição que permitiria que ele se reelegesse indefinidamente.