terça-feira, 29 de dezembro de 2009

MARVADO ATRASO, por João Ubaldo Ribeiro (O Globo, 27/12/2009)

Às vezes eu acho que nós, brasileiros, temos razão em manter nosso tradicional complexo de inferioridade, achando que tudo do famoso Primeiro Mundo é melhor do que aqui, a começar pela aparência e a terminar pela língua. É quando constato que somos atrasados mesmo, triste verdade. Somente um povo atrasado é que ia dedicar, como dedicou, espaço e tempo a comentar indignadamente e rechaçar com veemência uma piada que o ator Robin Williams fez num programa de tevê americano. Deve ser o único lugar do mundo onde isso acontece em relação a algo dito por Robin Williams, que os próprios americanos nem ouviram — dá uma vergonhazinha.

Lembro agora, a propósito, o que aconteceu, faz algum tempo, quando o então correspondente do “New York Times” no Brasil escreveu sobre a relação do presidente Lula com as bebidas alcoólicas. O presidente quis expulsar do país o sacrílego jornalista e também lembro que o ministro Gushiken, aquele com cara de Fu-Man-Chu que na época nos assombrava, justificou tal reação dizendo que a matéria contendo o crime de lesa-majestade era equivalente a, em se estando no Japão, difamar o imperador. Em comparação, conta-se que, quando o presidente Kennedy se julgou ofendido pelo mesmo “New York Times”, apenas murmurou um palavrão e cancelou sua assinatura.

Agora, notadamente aqui pela América do Sul, cria-se novamente um clima anti-imprensa, a começar pelo nosso presidente, que se esquece do muito que deve a uma imprensa livre e agora a considera incômoda e quer ditar seu comportamento. Como não lê nada, a realidade lhe é narrada pelos puxa-sacos que o rondam, como rondam qualquer governante, e que não querem ser portadores de novas desagradáveis. A imprensa, assim, só pode refletir uma realidade que ele desconhece. Liberdade de imprensa, sim, contanto que a favor do poder. Tudo atraso, aqui neste triste continente agora ostentando cá e lá o que poderia ser uma caricatura, mas é retrato. Populismo barato, gritos de muerte a isso e muerte aquilo, viva la revolución aqui e viva la revolución ali, peitos ataviados com medalhas do tamanho de bolachões, provavelmente ganhas pela promoção ou repressão de alguma arruaça de meia-pataca.

Mais atrasado que isso — e, ai de nós, não de todo incogitável num futuro tenebroso — só na Etiópia do tempo de Haile Selassie, quando qualquer coisa a ser impressa, até mesmo convites de casamento, tinha de passar pela censura oficial. Não duvido nada, mas nada mesmo, que alguém queira adotar práticas semelhantes para o Brasil de hoje e daqui a pouco proponham a padronização dos convites de casamento, para os quais sugiro logo a proibição dos dizeres “os noivos receberão os cumprimentos na igreja” para os casais cujo pai da noiva ganhe mais de vinte salários mínimos, pois nessa faixa será obrigatória a realização de uma recepção a convidados, com uma quota de trinta por cento para negros, vinte por cento para pardos e quinze por cento para moradores de comunidades carentes.

Não esqueçamos a tentativa que se fez em Brasília, de regulamentar a maneira pela qual deveríamos falar, o politicamente correto da nossa linguagem de todo dia. Na ocasião, seus elaboradores e proponentes alegaram que a cartilha não era normativa, mas apenas sugestão, como se, no mar da macaquice e da indigência mental de tantos de nós, todo mundo em breve não fosse falar e escrever conforme ela. E daí a pouco, os comunicadores e porta-vozes estariam falando como o presidente do Lions Club de Wichita na presença dos leões e suas domadoras.

Age-se aqui como se as liberdades de pensamento, expressão e imprensa, que não podem ser dissociadas, como se uma fizesse sentido sem as outras, fossem uma outorga do Estado, ou, pior ainda, do governo. É comum entre nós a mentalidade de que o governo ou o Estado nos dá isso ou aquilo. Nem um nem outro nos dão nada, não somente porque pagamos os impostos que os sustentam, mas principalmente porque legitimamos o poder que é exercido sobre nós. Essas liberdades não são um dom do Estado ou do governo, são parte da dignidade e dos direitos básicos do cidadão e da sociedade. E não podemos, como também fazemos habitualmente, confundir Estado com governo. O funcionário público não é servidor do governo, mas do Estado.

A tevê pública, ou o que lá seja isso no Brasil, não é do governo, mas do Estado. Contudo, não só encaramos como do governo tudo o que é estatal, como o governo de fato mete o bedelho a seu bel-prazer em áreas que deviam ser escrupulosa e rigorosamente defendidas, como as próprias tevês públicas, onde nunca é aconselhável falar mal do governo e o mesmo governo nomeia e demite como lhe apraz.

Agora mesmo acaba de se encerrar uma tal Conferência Nacional de Comunicação, onde, segundo me contam, houve um festival de asnices e intenções duvidosas digno da ala de extrema esquerda de um grêmio infanto-juvenil norte-coreano. Tentaram de novo criar um Conselho Federal de Jornalismo, para dar palpite na imprensa e, provavelmente, involuir para o ponto em que eu receberia uma lista de assuntos que deveria abordar neste espaço, bem como a opinião a ser adotada.

Também propuseram a volta da exigência de diploma em comunicação para o exercício da profissão de jornalista. Isso não é pela liberdade de imprensa, porque qualquer cidadão deve ter o direito de publicar um jornal em que defenda legitimamente suas opiniões, sem precisar recorrer a um diplomado, que, em certos casos, só fará emprestar, ou vender, sua assinatura. Enfim, quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas. Com uma exceção: sem imprensa livre, elas piorariam bastante.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

SOPRO DE AR

Denis Lerrer Rosenfeld – O Globo – 7/12/2009

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi, durante décadas, controlado por grupos mais à esquerda da comunidade estudantil, com destaque para o PSOL, PSTU, PT e PCdoB. Era como um jogo de cartas marcadas, onde esses grupos, entre si, disputavam o Poder. O ambiente vigente era o de partidos orientados por ideias anteriores à queda do muro de Berlim, como se, para eles, o mundo não tivesse mudado nem mostrado as vicissitudes da democracia totalitária. O mundo estudantil era um mundo de ideias bolorentas.

Temos presenciado, em particular, recentemente, no Estado de São Paulo, como estudantes cada vez mais radicalizados invadem prédios da reitoria, impedem a entrada de professores e funcionários e procuram, de todas as maneiras, impedir o livre desenvolvimento do trabalho acadêmico e da pesquisa. A liberdade é fortemente cerceada.

Sua preocupação não é a vida universitária, mas a política, servindo a primeira como uma mera correia de transmissão da segunda. O conhecimento e o mérito são simplesmente relegados. Falta um ar renovador neste ambiente asfixiante.
Eis que, na UFRGS, conhecida como preponderantemente de esquerda, ocorre algo totalmente inusitado. Um grupo de estudantes, não partidário, portanto não vinculado a nenhum partido político, se diz de “direita”, enfrenta esses diferentes grupos/partidos de esquerda e ganha as eleições para o DCE. Trinta e cinco votos foram a diferença matemática que garantiu à Chapa 3 derrotar outras três chapas esquerdistas, uma delas formada por militantes do PSOL, outra por radicais do PSTU e a última por filiados do PT e PCdoB.

O curioso aqui reside em que esse grupo não é apenas dito de “direita” por seus opositores esquerdistas, mas se assume enquanto tal. Sabemos que essas distinções não deixam de ser relativas, pois, por exemplo, o PT para o PSTU (e para o PSOL) é um partido que abandonou a “esquerda”, por ter “traído” as suas posições doutrinárias. O PT teria, nesta perspectiva, se tornado “neoliberal”. Contudo, convém analisarmos quais são as bandeiras desse grupo de “direita”, para que tenhamos uma visão mais precisa de sua concepção.

Em seu material de propaganda, eles estampam como preocupação central a excelência acadêmica. Suas demandas consistem em melhores laboratórios, mais verbas para a compra de livros e melhores condições gerais de ensino e pesquisa. Se essa é reconhecidamente uma bandeira de “direita”, isto significaria dizer que os grupos de esquerda são contra a excelência acadêmica, melhores laboratórios e bibliotecas mais bem equipadas. O contraste, aqui, é particularmente evidente no que diz respeito a uma concepção de universidade e, por extensão, de sociedade.

Sabemos que esses grupos de esquerda têm uma especial ojeriza pelo mérito, que, no entanto, é próprio do desenvolvimento do conhecimento e da ciência. Alguns se destacam, outros não. Alguns progridem, outros não. Há uma diferenciação própria do avanço do conhecimento e da pesquisa, mostrando o quão simplórias ideias de igualdade são para dar conta de tal tipo de situação.

Uma sociedade desenvolvida não aposta numa equalização por baixo do conhecimento e da ciência, mas numa diferenciação por cima. E é o conjunto da sociedade que ganha com isto, dos menos aos mais bem aquinhoados.

Outro anátema para a esquerda reside numa proposta de incentivar o empreendedorismo. A finalidade consiste numa maior integração universidade/ empresa, com o lucro sendo revertido na formação dos estudantes e na pesquisa. Para eles, a universidade deve voltar-se para fora, não ficando fechada em si mesma, seguindo ideias conforme as quais qualquer envolvimento com empresas significaria uma perda de sua “pureza”, uma queda no “mal”. Caberia mesmo a pergunta: de qual “pureza” se trata? Só pode ser a “pureza ideológica” de ideias que vicejam no mofo. O novo programa estudantil está centrado no mercado de trabalho, com o após universidade, com a criatividade, com a inovação, com a interação com a sociedade.

Outra bandeira ostentada pela chapa vencedora foi a da segurança. Normalmente, é esta, também, considerada uma bandeira de “direita”. Com efeito, o novo DCE pensa que maior segurança é necessária nos campi universitários. Propugna, inclusive, por um convênio com a Brigada (Polícia) Militar. Para a esquerda, é algo intolerável. Qual é, porém, a situação real, para além da demagogia? O que os estudantes — e os professores e funcionários — vivem na universidade é uma situação de insegurança, com roubos, assaltos e, mesmo, estupros. Alguns campi não podem ter, normalmente, cursos noturnos. Isto quer dizer que a “esquerda” pensa manter essa condição de insegurança sob o pretexto de que a Brigada Militar não deve entrar na universidade? Quem responde, então, pela segurança, bem maior de todo cidadão? Os militantes esquerdistas?

Uma outra ousadia do programa “direitista” consiste em proclamar o seu engajamento por eleições transparentes. Até agora, as eleições foram feitas por urnas, aleatoriamente dispostas em determinadas unidades, em horários igualmente arbitrários. Por exemplo, em unidades onde a “direita” era forte, as urnas funcionavam num exíguo período de tempo, dificultando, portanto, a participação, sobretudo de estudantes não engajados partidariamente. Em unidades onde a “esquerda” era forte, as urnas funcionavam durante todo o dia, num horário elástico. A nova proposta visa a ampliar a participação para todos os estudantes, através de meios eletrônicos, como o portal da universidade mediante o uso de senhas. Logo, segundo a “direita”, as eleições devem ser eletrônicas, transparentes, evitando a fraude, e propiciando uma ampla participação. A “esquerda” é contra, exibindo, aliás, o seu perfil “democrático”! O mofo de certas ideias foi arejado por um sopro de ar!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Plugue deles, tomada nossa

João Ubaldo Ribeiro - O Globo - 1 de novembro de 2009.

Dá gosto ver como velam e zelam por nós. Faz uns dias, de passagem pelo aeroporto de Congonhas, pude observar como um policiamento atentíssimo garantia inteira proteção contra os males do tabaco. Os infelizes que ainda persistiam no feio vício eram obrigados a sair para o ar livre. Se achassem que já estavam ao ar livre e não notavam que um pedaço de marquise os cobria a vários metros de altura, um policial os repreendia com polidez e fazia ver que debaixo de marquise não era ar livre, pelo menos juridicamente.

E, assim, não deixava de ser objeto de uma boa foto a visão de uma porção de gente olhando para cima para checar a marquise, e se postando a um passo de sua margem exterior, para só então acender os cigarros.

Claro, não tenho nada com isso e muito menos entendo de questões policiais. Mas, diante da aplicação com que essa lei tem sido posta em prática, não posso evitar uma sugestão, que modestamente passo adiante. Seriam necessários estudos adicionais, mas tenho certeza de que funcionaria. A ideia é induzir os assaltantes a fumar. Uma propaganda cientificamente elaborada e dirigida poderia conseguir isso, a par com iniciativas dos próprios cidadãos, tais como sempre carregar no bolso o cigarrinho do assaltante, assim como muita gente faz com dinheiro.

Não há a menor dúvida de que é tamanho o aparelhamento, do ostensivo ao secreto, das brigadas paulistas antitabaco que os fumantes meliantes seriam capturados em ritmo vertiginoso. É só ter um pouco de imaginação e os problemas mais rebeldes se resolvem.

De algum tempo para cá, havemos testemunhado muitos exemplos de como, seja em nome de nossa proteção, seja por conta de nossa maior comodidade e felicidade, nos regulam a conduta ou nos obrigam a alguma coisa. Já me esqueci dos detalhes, mas a Anvisa andou tomando diversas medidas de vasto alcance, dispondo sobre as mercadorias que serão expostas nas farmácias e assim resolvendo a grave questão da automedicação. Soube também, não sei se é fato, que a venda de cânfora está proibida nas farmácias, bem como a importação de cola de aeromodelismo foi banida.

Força para ela, cobertura completa, não se pode querer mais.

Aproveito a oportunidade para não perder o hábito e mencionar o que muitos já esqueceram, mas não vocês e eu. Trata-se do famoso kit de primeiros socorros para motoristas, vocês se lembram. Tornou-se compulsório, da noite para o dia, levar em cada carro o tal kit, sob pena de multas severas e sabe-se lá mais o quê. Claro, já havia kits à venda, quando saiu a medida. Mais ainda, não se podia montar o kit, comprando seus itens individualmente. A tipoia, ou que outro nome se dava a uma tira de pano que compunha o kit, só era fabricada por uma empresa, por coincidência a mesma que produzia o kit. Se não foi assim, foi quase assim. Depois se descobriu que o kit não servia para nada e, ao contrário, podia até matar mais gente. Aí ele foi banido. Todo mundo já tinha morrido nos quinze reais do kit, o fabricante recebeu o seu e nunca mais se falou nisso. O dinheiro deve ter ido para a conservação de nossas estradas.

Há uns dois anos, tentaram também nos ensinar a falar e escrever com propriedade. Oficialmente não era bem isso, mas ia acabar redundando em todo mundo se ver, de uma maneira ou de outra, coagido a usar a politicamente correta nova linguagem, definida numa cartilha.

Acabou não dando em nada, mas o mesmo destino não teve o acordo ortográfico a que hoje estamos submetidos.

Não conheço quem seja a favor dessas mudanças bestas e, no caso, por exemplo, do hífen, meio sem pé nem cabeça. No Brasil, a obediência foi imediata, mas os portugueses não aceitam que lhes digam mais uma vez o que está certo ou errado e continuam a ignorar o acordo. E, sim, minto ao dizer que não conheço ninguém que seja a favor dele. Quem ganha dinheiro com ele é a favor.

A última novidade já deve ser do conhecimento de todos, embora sem muitos pormenores. O Brasil mostra mais uma vez sua originalidade e independência e adota um tipo de tomada elétrica existente somente aqui. Nenhum aparelho elétrico brasileiro, que eu saiba, poderá ser ligado numa tomada estrangeira. Viceversa, nenhum aparelho estrangeiro poderá ser ligado em tomada brasileira.

No começo, vai haver alguns pequenos transtornos, como, por exemplo, o aumento do número de notebooks jogados pelas janelas de hotéis, mas isso passa depressa e não é por ninharias que o progresso e a afirmação nacionais serão detidos.

É evidente que não iríamos nunca aprovar modelos estrangeiros, temos personalidade. Além disso, os governantes são previdentes e a venda de adaptadores para as tomadas antigas estará limitada a três anos.

Depois, quem quiser tomada elétrica que mude as velhas que tem em casa, mande fazer nova fiação e tome outras providências que acabarão por tornar-se necessárias. Como no caso do kit de primeiros socorros, deve haver alguém, no momento, esfregando as mãos na antecipação de vendas às nossas expensas, pois não só quem baixa e fiscaliza essas medidas é pago com nosso dinheiro, como todos os custos nos serão repassados, inclusive os que terão os fabricantes de eletrodomésticos exportados, com a produção de vários tipos de plugue para o mesmo aparelho.

Não sei onde será dado o próximo passo, mas creio que uma área ainda não visada poderá vir a tornar-se objeto de legislação protetora e reguladora.

O homem é o que ele come e sabe-se que talvez a maior parte dos problemas de saúde pode ser evitada ou minorada por uma alimentação natural e sadia. Meu único receio é que, baseados em nossa índole, eles nos prescrevam grama

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Excesso ou regra?

Denis Lerrer Rosenfeld - O Globo - 26/10/2009

É de estarrecer a reação de nossas autoridades frente à destruição operada pelo MST quando da invasão do laranjal da Cutrale. Aparentemente, as nossas autoridades condenaram o ocorrido, utilizando expressões do seguinte tipo: “Não vou admitir vandalismos”, “excessos” são condenados, “a lei” deve ser respeitada. Alguns defensores mais afoitos chegaram a dizer que o MST jamais utiliza “violência” em suas ações. É como se tudo estivesse normal, tratando-se de um acidente de percurso. É como se o rio tivesse saído momentaneamente de seu curso, tendo, depois, voltado ao seu normal. Na verdade, vivenciamos um inacreditável surto de hipocrisia.

Esse movimento dito social, na verdade uma organização política de corte leninista, teve de recuar, dada a repercussão midiática de seus atos, transmitida pelo “Jornal Nacional” da Rede Globo. Ficaram imobilizados pela condenação recebida. Procuraram, então, responsabilizar a “direita”, o “governo estadual” (leia-se Serra), os “meios de comunicação”, os “ruralistas”, os “policiais” e assim por diante. Chegaram a falar de indivíduos infiltrados. Só faltou inventar uma invasão de marcianos tendo como objetivo “criminalizar os movimentos sociais”.

A questão central reside em que se trata do modo de atuação “normal” do MST. Ele não cometeu nenhum excesso, fez meramente aquilo que sempre faz. Essa é a regra mesma de sua atuação. A única diferença consiste na filmagem, no eco imediato e em uma opinião pública que já não mais compactua com invasões. As invasões estão mostrando a sua verdadeira cara, que é não pacífica.

Refresquemos a nossa memória ou tomemos conhecimento de alguns fatos, embora tardiamente.

O importante, em todo caso, é que comecemos a ver o que se escancara diante de nossos olhos.

A Fazenda Coqueiros, no Rio Grande do Sul, altamente produtiva, tendo sido esse fato reconhecido pelo próprio Incra e pela Ouvidoria Agrária Nacional, de 2004 a 2008, foi objeto de ataques sistemáticos.

Para se ter uma ideia do que lá aconteceu, apresento uma lista dos danos causados: dois caminhões incendiados, 200 bovinos abatidos a tiros, cem desaparecidos, uma serraria totalmente queimada e destruída, uma usina hidrelétrica, no valor de 1 milhão de reais, completamente depredada, 11 casas incendiadas, 150 hectares de soja queimados, 50 hectares de milho queimados, plantadoras depredadas, dois tratores danificados com dinamite, máquinas colheitadeiras sabotadas com espigões de ferro, 1.200.000 de cercas depredadas, funcionários ameaçados, pontilhões queimados. Não há uma semelhança com a Cutrale? Trata-se, certamente, de uma amostra de “invasões pacíficas” do MST! Dá vontade de rir, não fosse trágico.

Segundo documento do Ministério Público do Rio Grande do Sul, em abril de 2008, a Fazenda Southall, em São Gabriel, foi invadida por 850 integrantes do MST. Eis o resultado de mais uma ação “pacífica” dessa organização política em nome da “reforma agrária”: cercas arrancadas, corte de mata nativa, a área invadida foi cercada com lanças infectadas de fezes humanas (uso, portanto, de uma tática de guerrilha), trincheiras, destruição da sede. Continuo: os bretes da propriedade foram inutilizados, impedindo o banho e a vacinação dos animais, morte de 46 bovinos de aprimoramento genético, crueldade com animais, privando-os de alimentos e água.

Foram apreendidos os seguintes “objetos”: nove coquetéis Molotov, 81 foices, 16 facões, 32 facas, 20 estilingues, quatro machados, 70 bastões de madeira, 28 taquaras “tipo lanças” e 15 foguetes.

Claro que se trata, segundo o MST, de “instrumentos” de trabalho! A pergunta é: de qual tipo de trabalho? O das invasões? O Horto da Aracruz, em Barra do Ribeiro (RS), foi invadido em 2006, tendo obtido ampla repercussão — e condenação — nacional. As invasoras foram 2 mil mulheres encapuzadas, apresentandose como militantes da Via Campesina, braço internacional do MST. Encapuzadas como bandidos que agem fora da lei. Também se falava de “vandalismo”, embora, como sempre, o MST tenha “justificado” sua ação em supostos termos “ambientais” e “sociais”. Relembremos a “regra” das invasões: 1 milhão de mudas prontas para o plantio de eucaliptos foram destruídas, 20 anos de pesquisas prejudicados, um laboratório foi depredado, empregados foram ameaçados, instalações destruídas, material genético perdido. Isto é chamado, na língua emessista, “ocupação pacífica”! E há quem acredite! Agora mesmo, mulheres do MST e da Via Campesina, dos dias 18 a 25 de outubro, estão reunidas em Buenos Aires, no Congresso Mundial de Florestas, tendo como objetivo a “repulsa à expansão de projetos de monoculturas de árvores, celulose e papel”. É novamente esse setor que se torna alvo dessas organizações políticas, procurando fazer passar a mensagem do politicamente correto com o intuito de estabelecer seus propósitos “socialistas”, de “solidariedade humana”, esse novo nome que serve como máscara de seus verdadeiros fins. O capitalismo é o alvo: “Em nome do lucro, esse tipo de desenvolvimento mantido pelo sistema capitalista patriarcal destrói a vida de homens e mulheres, assim como a vida dos demais seres.” Novas invasões já estão sendo, portanto, anunciadas. Não deu certo midiaticamente com a Cutrale? Tentemos novamente com o setor de florestas plantadas, papel e celulose! Parece que não aprendem. Ou melhor, não querem aprender, pois o seu objetivo consiste em inviabilizar o agronegócio e, de modo mais abrangente, o estado de direito. A lei, para esse tipo de organização política, nada vale, sendo apenas um instrumento descartável. A democracia apenas lhes convém, porque lhes permite um amplo leque de ações. Contam com a leniência das autoridades e com a impunidade para continuarem o seu caminho de abolição de uma sociedade baseada nas liberdades e na igualdade de oportunidades. Em boa hora foi aprovada, pelo Congresso, a CPI do MST.

sábado, 17 de outubro de 2009

Diga-me com quem andas

João Luiz Mauad - O Globo - 26/09/2009

O Banco Mundial divulgou recentemente o relatório “doing business” 2010 , sobre a qualidade do ambiente de negócios no mundo, e o Brasil, para não perder o hábito, ficou perto das últimas colocações, mais precisamente na 129ª, de 183. Esse levantamento é baseado na análise quantitativa e qualitativa de 10 tópicos, com destaque para a burocracia envolvida na abertura e fechamento de empresas, licenciamentos governamentais, custos relacionados com a contratação e demissão de pessoal, registro de propriedades, acesso ao crédito, proteção aos investidores, sistema tributário (carga e burocracia), comércio exterior e respeito aos contratos.

De cara, o que mais me chamou a atenção foram as inusitadas companhias do Brasil nas diversas tabelas que compõem o relatório. No ranking geral, por exemplo, somos precedidos por Micronésia e Marrocos e seguidos de perto por Lesotho e Tanzânia.

No que concerne à abertura de empresas e novos negócios, ocupamos a 126ª posição, ladeados por Kenya, Jordânia, Costa Rica e Malawi. Segundo o trabalho, seriam necessários, em média, 16 procedimentos - 120 dias - a um custo aproximado equivalente a 6,9% da renda per capta nacional para se abrir uma empresa no Brasil, enquanto na Austrália a única exigência é o preenchimento de um formulário, disponível na internet.

Já na questão do licenciamento para construção e operação, obtivemos a briosa 113ª posição, numa acirrada disputa com Filipinas (112ª) e Guiné-Bissau (114ª). De acordo com o relatório, são precisos exatos 18 diferentes processos, que consomem nada menos que 411 dias, para se obter todas as permissões determinadas pela burocracia pátria para se construir um depósito, por exemplo.

Já no quesito referente aos custos (financeiros, burocráticos e jurídicos) de contratação e demissão de mão-de-obra, somos quase imbatíveis: nossa fabulosa CLT e todos os seus penduricalhos burocráticos e assistencialistas, nos alçaram ao portentoso 138º lugar, exatamente entre Irã e Benin.

Digno de menção honrosa está o labirinto burocrático a ser vencido para registrar uma propriedade em Pindorama. O brasileiro (ou estrangeiro que inadvertidamente se aventure nessas paragens) necessita cumprir uma via crucis de nada menos que 14 diferentes passos (42 dias em média), além de arcar com um custo aproximado de 2,7% do valor da coisa, para obter um registro. Nossa posição nesse ranking é a 120ª, flanqueada por paquistaneses e tongalenses.

No quesito “acesso ao crédito” conseguimos uma pontuação, digamos, literalmente medíocre: aparecemos na 87ª posição, juntinho de Marrocos e Tanzânia. Nada mal!

No tocante à proteção dos investidores, que engloba a transparência de dados contábeis, responsabilidade civil (possibilidade de acionar dirigentes e funcionários por fraudes e má gestão), entre outros, obtivemos a alvissareira 73ª posição, porém, ainda assim, atrás da pujante economia do Nepal, embora à frente do Malawi.

Quando o assunto são impostos, conseguimos ficar quase na lanterna. Somos o 150º colocado, vinte posições atrás do socialista Zimbabwe, do inefável Robert Mugabe. Essa invejável posição é resultado de uma carga tributária equivalente a 69,2% do lucro bruto e de uma carga horária de trabalho estimada em 2.600 horas por ano gasta em atividades tributárias acessórias (processamento, contabilização, etc.). Para que se possa ter uma idéia do que isso significa, na Nova Zelândia uma empresa consome somente 70 horas por ano para pôr em dia os seus impostos.

No âmbito da burocracia no comércio exterior estamos na 100ª colocação, precedidos por Nicarágua, mas levando ligeira vantagem sobre potências do naipe de Suriname e Armênia. 100ª também é a nossa posição quando o assunto é fazer cumprir contratos. De acordo com o BM, são precisos 45 diferentes procedimentos, equivalentes a 616 dias e 16.5% do valor do débito, para se conseguir executar um contrato.

Para ver resolvido um processo de falência, estima-se que são necessários 4 anos.  A expectativa de recuperação de créditos de empresas insolventes é de parcos 17 centavos por cada dólar de crédito. Esses números nos colocam na 131ª posição da tabela, atrás de baluartes da livre empresa como Guiana e Malawi (de novo!), porém à frente de Egito e Benin.

Mesmo diante das evidências acima, ainda há quem tenha o despautério de chamar esse ambiente econômico, verdadeiro pandemônio burocrático, legiferante e intervencionista, de neoliberalismo. Eu, que me satisfaço com pouco, ficarei contente no dia em que o país alcançar o estágio de economia de mercado. Liberalismo?  Bem, com sorte podemos chegar lá daqui uns 100 anos.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Rio 2016: Urbanista sugere que vilas olímpica e de imprensa fiquem na Zona Portuária

Publicada em 05/10/2009 às 23h31m

Selma Schmidt

Sérgio Magalhães: 'Se os recursos forem dirigidos prioritariamente para a Barra, a cidade vai sofrer muito' / Foto: William Moura - Arquivo

RIO - O arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, professor da UFRJ, defende mudanças no projeto da Rio 2016. Para ele, a maioria dos equipamentos, inclusive as vilas olímpica e de imprensa, deveriam ficar na Zona Portuária e não na Barra da Tijuca. Com isso, acredita ele, a cidade como um todo, inclusive os bairros mais carentes do subúrbio, seriam beneficiados. Sérgio Magalhães acha indispensável a transformação dos trens suburbanos em metrô. E diz que as alterações no planejamento original seriam facilitadas pelo acordo assinado entre os três níveis de governo sobre os terrenos da área portuária.

Pelo projeto Rio 2016, a Barra concentrará a maior parte dos equipamentos esportivos e a própria Vila Olímpica. Isso pode significar que o restante da cidade, especialmente os bairros do subúrbio, onde estão os maiores problemas de infraestrutura, poderão continuar como os grandes esquecidos pelo poder público, apesar das Olimpíadas?

MAGALHÃES: Os recursos serão muito importantes. Mas, se forem dirigidos prioritariamente para a Barra, a cidade vai sofrer muito. E a grande mudança que uma Olimpíada pode trazer vai ser minimizada porque o conjunto da população terá menos oportunidades do que teria, por exemplo, se os Jogos Olímpicos se concentrassem na área portuária. O porto, agora, está disponível. Quando as Olimpíadas foram programadas, não havia o acordo entre os três níveis de governo. Os terrenos do porto estavam impossíveis. Isso mudou.

O que poderia ser construído na área portuária? A Vila Olímpica?

MAGALHÃES: A Vila Olímpica e um grande número de equipamentos. A própria vila de imprensa. O prefeito Eduardo Paes disse que a construção da vila de imprensa deveria ser antecipada para poder ser útil durante a Copa de 2014. A Copa será no Maracanã. Se a Vila de Imprensa for na Barra, ficará mal localizada. Já, se ficar no porto, seria perfeito.

Ainda há tempo de mudar, mesmo o projeto já tendo sido apresentado ao COI?

MAGALHÃES: Claro. Inclusive porque vamos economizar tempo e dinheiro. O aproveitamento do porto é mais barato. A área é central e haverá a valorização de toda a Região Metropolitana, porque o sistema de transportes melhora. A construção da Vila Olímpica também vai estimular a habitação e novos edifícios de serviços e escritórios no Centro. O que Barcelona fez foi pegar a área degradada e investir. A cidade toda se beneficiou. Nós pegamos a área que o setor imobiliário está querendo (Barra) e, neste caso, os investimentos ficarão só lá.

Por que os subúrbios e a Zona Norte como um todo seriam beneficiados se o porto fosse o local com mais equipamentos olímpicos?

MAGALHÃES: Os subúrbios e a Zona Norte têm equipamentos que serão usados. O Maracanã fica na Zona Norte. O Engenhão, no Engenho de Dentro. E tem Deodoro. Em todo esse corredor, o trem tem de virar metrô de qualidade (de superfície). Essa conexão passa a ser mais privilegiada, do que a da Zona Sul para a Barra. O metrô para a Barra vai ter pouca gente e muita obra. É do interesse da construtora e não da população. Ao passo que o metrô nas linhas do subúrbio é a redenção da Zona Norte.

Então, se tivéssemos a maioria dos equipamentos no porto em vez de na Barra, a melhoria da infraestrutura seria irradiada para a Zona Norte?

MAGALHÃES: Além de ser muito mais barato e efetivo no tempo para resolver tudo. Ganha a cidade como um todo, em termos de investimento. Vamos ter a Olimpíada que transformará para melhor o conjunto da cidade. E não tem nenhuma contradição em relação ao que foi proposto ao COI, porque, na ocasião em que o projeto foi apresentado, isso não seria viável. Seria difícil prever que haveria um acordo tão efetivo entre os governo federal, estadual e municipal. A tal ponto que o prefeito Eduardo Paes, o governador Cabral e o presidente Lula já assinaram um acordo em relação as terras da área portuária. No porto tem terreno suficiente para tudo o que se quiser. Deixamos alguns equipamentos na Barra, porque já estão construídos. Mas não se constrói mais. O núcleo fica na área portuária. Mas tem ainda o gasômetro, um terreno enorme junto à antiga Leopoldina e a área do complexo penitenciário da Frei Caneca.

Como ficaria o projeto de levar o metrô até a Barra?

MAGALHÃES: É um investimento sem pé nem cabeça em termos de prioridade, por causa do custo-benefício. Será um investimento para obra. Não é para passageiros. Depois, a Linha 4 foi licitada para ser concessão. Não faz sentido botar dinheiro público naquilo que foi licitado para ser concessão.

Na área de transportes, além de transformar o trem suburbano em metrô de superfície, o que mais deveria ser feito e ficar de legado das Olimpíadas?

MAGALHÃES: Transformar o trem em metrô deve ser a grande prioridade. As outras coisas que forem feitas, ótimo. Se tivermos as duas linhas de metrô existentes articuladas com as três linhas de trem, transformadas em metrô, toda a parte olímpica fica com excelente padrão de qualidade de transporte. A Vila Olímpica fica no vértice de dois vetores. Uma linha é Centro, Aterro, Copacabana e Lagoa, onde estão previstas competições. A outra linha é Centro, Maracanã, Engenhão e Deodoro. As vilas olímpica e de imprensa nesse vértice, voltadas para o mar, serão show de bola.

E, na área ambiental, que legados não podem deixar de ficar para a cidade?

MAGALHÃES: A despoluição da Baía de Guanabara é vital. Depois, é melhorar muito o saneamento. Temos ainda que continuar com a urbanização das favelas. Se oferecermos um transporte de qualidade para o subúrbio, chegando até a Baixada Fluminense, aliviaremos a pressão em relação à moradia e permitiremos que novas construções sejam feitas com um bom sistema de transporte coletivo. Isso vai enfraquecer a pressão sobre as favelas. Hoje, pelo que está programado, a área a ser beneficiada é exageradamente grande. Do Centro à Barra são 40 quilômetros. Não tem nenhuma cidade olímpica do mundo que tenha chegado a esse exagero. Barcelona, por exemplo, é uma área que cabe no Centro e na Zona Sul.

O prefeito Eduardo Paes já tinha dito que a Zona Norte seria prioritária para 2016...

MAGALHÃES: Quando ele fez o plano de desenvolvimento da área portuária ele estava em acordo com essa nova perspectiva. Porque, no governo anterior não tinha nenhuma perspectiva. Agora, tem.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O fundamento legal omitido

Por Dalmo de Abreu Dallari em 30/9/2009

Quando a imprensa afirma que um ato de autoridade foi inconstitucional ou ilegal deve apontar qual o artigo da Constituição ou da lei que foi desrespeitado, para permitir aos destinatários da notícia sua própria avaliação e uma possível reação bem fundamentada. De modo geral a ofensa à Constituição e às leis é sempre grave, num Estado Democrático de Direito. A par disso, toda a cidadania tem o direito de controlar a legalidade dos atos das autoridades públicas e para tanto precisa estar bem informada.

Um caso atual e patente de imprecisão nas informações está dificultando ou distorcendo a avaliação dos acontecimentos de Honduras. Grande parte da imprensa brasileira apresenta o presidente deposto Manuel Zelaya como vítima inocente de golpistas, mas quase nada tem sido informado sobre os aspectos jurídicos do caso.

Uma omissão importante, que vem impedindo uma avaliação bem fundamentada dos acontecimentos, é o fato de não ter sido publicada pela imprensa a fundamentação constitucional precisa da deposição de Zelaya, falando-se genericamente em "golpistas" sem informar quem decidiu tirá-lo da presidência, por que motivo e com qual fundamento jurídico. Esses elementos são indispensáveis para a correta avaliação dos fatos.

Alternância obrigatória

Com efeito, noticiou a imprensa que a Suprema Corte de Honduras ordenou que o Exército destituísse o presidente da República. É surpreendente e suscita muitas indagações a notícia de que ele foi deposto pelo Exército por ordem da Suprema Corte. Pode parecer estranha a obediência do Exército ao Judiciário para a execução de tarefa que afeta gravemente a ordem política, o que, desde logo, recomenda um exame mais cuidadoso das circunstâncias, para constatar se o que ocorreu em Honduras foi mais um caso de golpe de Estado.

É necessária uma análise atenta, para saber de onde vem a força da Suprema Corte para ordenar a deposição de um presidente eleito e ser obedecida pelo Exército. A par disso, é importante procurar saber por que motivo e com que base jurídica a Suprema Corte tomou sua decisão e ordenou ao Exército que a executasse.

Segundo o noticiário dos jornais, o presidente deposto havia organizado um plebiscito, consultando o povo sobre sua pretensão de mudar a Constituição para que fosse possível a reeleição do presidente da República, sendo oportuno observar que este seria o último ano do mandato presidencial de Zelaya.

Ora, está em vigor em Honduras uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, proibindo consultas populares 180 dias antes e depois das eleições – e estas estão convocadas para o mês de novembro. Foi com base nessa proibição que a consulta montada por Zelaya foi declarada ilegal pelo Poder Judiciário.

Um dado que deve ser ressaltado é que a Constituição de Honduras estabelece expressamente, no artigo 4º, que a alternância no exercício da Presidência da República é obrigatória. Pelo artigo 237 o mandato presidencial é de quatro anos, dispondo o artigo 239 que o cidadão que tiver desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente no período imediato.

Informações incompletas

Outro ponto de extrema relevância é que a Constituição hondurenha não se limita a estabelecer a proibição de reeleição, mas vai mais longe. No mesmo artigo 239, que proíbe a reeleição, está expresso que quem contrariar essa disposição ou propuser sua reforma, assim como aqueles que o apóiem direta ou indiretamente, cessarão imediatamente o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de qualquer função pública.

Reforçando essa proibição, dispõe ainda a Constituição, no artigo 374, que não poderão ser reformados, em caso algum, os artigos constitucionais que se referem à proibição de ser novamente presidente. Essa é uma cláusula pétrea da Constituição.

Foi com base nesses dispositivos expressos da Constituição que a Suprema Corte considerou inconstitucional a consulta convocada pelo presidente da República e fez aplicação do disposto no artigo 239, afastando-o do cargo.

Note-se que a Constituição é omissa quanto ao processo formal para esse afastamento, o que deve ter contribuído para um procedimento desastrado na hora da execução. Tendo em conta que o respeito à Constituição é fundamental para a existência do Estado Democrático de Direito, não há dúvida de que Zelaya estava atentando contra a normalidade jurídica e a democracia em Honduras. A falta de informações completas e precisas sobre a configuração jurídica está contribuindo para conclusões apressadas que desfiguram a realidade.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Indefesos

ALFREDO SIRKIS - O Globo, 21 de setembro de 2009

A fuga do bandido Polegar colocado em “regime aberto” e a provável libertação, em breve, do último dos assassinos presos do jornalista Tim Lopes, o traficante Elias Maluco, também pela “progressão de pena”, são intoleráveis. Aquele crime, horrendo — a vítima foi esquartejada e queimada — foi cometido em 2002. Sete anos depois, todos os outros facínoras envolvidos já estão na rua. Quando matou Tim Lopes, Elias Maluco já se beneficiara da “progressão de pena” de uma condenação anterior. Polegar também.

Não há país que trate criminosos de alta periculosidade com tamanha leniência. Há uma filosofia sociojurídica por trás disso: o criminoso é visto primordialmente como “vítima” de uma sociedade injusta. Esta, por culpa — e masoquismo! — deve garantir-lhe todas as chances para, supostamente, se recuperar, em detrimento da própria proteção. A prisão não existe para proteger a sociedade dos violentos mas para “recuperá-los”, embora raramente o faça.

Segue lógica análoga a decisão do STF que dá aos condenados condições de liberdade até o longínquo advento do seu julgamento em última instância e sentença transitada em julgado. Na prática, isso abriu imenso campo para que facínoras perigosos com advogados competentes desfrutem de virtual impunidade. Soma-se à leniência a baixa capacidade de apuração de crimes da polícia de “bico” que temos: um investigador da Polícia Civil trabalha em escala de serviço de 24 horas por 72 dedicadas a outra ocupação. A autoria de mais de 90% dos homicídios nunca é descoberta no Estado do Rio. Para os bandidos que têm o incomum azar de serem presos e condenados perfila-se no horizonte a “progressão de pena”...

Esse padrão contrasta com o tratamento dado aos criminosos violentos em outros paises. Não me refiro apenas ao chamado Primeiro Mundo, mas também a países latino-americanos. Os EUA, a França, o Reino Unido, o Chile, a Colômbia, que tratam o crime violento com severidade e penas longas, seriam menos democráticos? Será o Brasil uma ilha de democracia e dos direitos individuais cercada por fascismo por todos os lados? Ou, ao contrário, há algo de profundamente anormal na forma absurdamente condescendente com que criminosos violentos aqui são tratados? Pior: na vida real essa liberalidade escandalosa em nada assegura uma defesa eficaz dos direitos humanos. Apenas caracteriza o país do faz de conta: uma teoria jurídica escandinava para um dia a dia iraquiano. A outra face (nada oculta) dessa moeda é a prática disseminada da pena de morte, via execuções sumárias, o inferno sub-humano das prisões — para os detentos fora dos “esquemões”, naturalmente —, a persistência da tortura, o despreparo e a violência policiais. Já me acostumei ao olhar de espanto de muitos de meus amigos estrangeiros, jornalistas, gestores locais, intelectuais — em geral “de esquerda” — quando lhes revelo que no Brasil um assassino perigoso e reincidente pode livrar-se da prisão em três ou quatro anos, ou que um galalau de 17 anos, “de menor”, que já matou cinco pessoas, não pode ser penalmente responsabilizado. Ou quando lhes menciono que no Rio os bandidos exercem controle territorial com armas de guerra e policiais arriscam a vida pelo mísero salário de US$ 450 (quatrocentos e cinquenta dólares) trabalhando um dia sim, dois ou três dias, não. Nos transformamos numa sociedade institucionalmente indefesa e acovardada.

domingo, 2 de agosto de 2009

Nova lei daria mais deputados a Chávez

Janaína Figueiredo - O Globo

CARACAS. A Assembleia Nacional da Venezuela, dominada por aliados do presidente Hugo Chávez, aprovou ontem uma lei que enfraquece o sistema de representação proporcional no país, o que, segundo críticos, prejudicará os partidos de oposição nas eleições do ano que vem.

A Lei de Processos Eleitorais, que entrará em vigor assim que for publicada no diário oficial, permite ao partido ganhador receber um número de cadeiras acima do total do percentual de votos obtidos, o que acaba com a representatividade proporcional dos partidos minoritários.

A lei foi aprovada no mesmo dia em que o órgão regulador das telecomunicações do país (Conatel) anunciou a cassação das licenças de 34 transmissoras de rádio. O Conatel realizou no mês passado um censo das emissoras e exigiu uma série de documentos para a manutenção das concessões.

— Terão de desligar os transmissores assim que forem notificados pelo Conatel. Alguns já estão se escondendo, então vamos notificá-los pela imprensa — disse o chefe da agência e ministro de Obras Públicas, Diosdado Cabello. — Estas são as primeiras 34 (de um total de 240 emissoras) e a aplicação é imediata.

Também ontem, representantes dos principais meios de comunicação do país rechaçaram o projeto de lei do governo sobre “delitos midiáticos”. A lei prevê até quatro anos de prisão para funcionários ou donos de empresas que o governo considerar estarem manipulando informações ou incitando ódio e hostilidade. David Natera, presidente do chamado Bloco da Imprensa, disse que o projeto de lei limita a liberdade de expressão, viola a Constituição e, se aprovado, “fecha a última janela democrática” da Venezuela.

Chávez articula para governar por decreto

Presidente venezuelano pede que Parlamento aprove nova Lei Habilitante

Janaína Figueiredo Correspondente • BUENOS AIRES

Com a firme decisão de acelerar os tempos de sua revolução bolivariana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, solicitou à Assembleia Nacional (o congresso venezuelano) a aprovação de uma nova Lei Habilitante, que permitirá ao chefe de Estado governar por decreto. O polêmico instrumento legislativo já foi utilizado quatro vezes por Chávez, a última entre fevereiro de 2007 e agosto do ano passado.

Com a nova Lei Habilitante, ontem defendida por importantes dirigentes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o governo bolivariano pretende implementar medidas em diversos setores do país, entre eles educação, trabalho e economia. Um dos projetos que integraria a lista de iniciativas chavistas seria o que prevê a criação da chamada propriedade social, que, de acordo com documentos que há várias semanas circulam em Caracas, estabelece a “utilidade pública e interesse social de bens materiais e infraestruturas que possam ser declarados propriedade social, para garantir, por meio da produção socialista, a satisfação das necessidades sociais e materiais da população”.

— Se vocês consideram que são necessários reforços, então me habilitem novamente e vamos acelerar o trabalho — declarou Chávez no fim de semana passado, no Congresso.

O presidente venezuelano pediu, ainda, que sua ampla maioria parlamentar anule todas as leis “contrarrevolucionárias” antes de 2010, ano em que seu governo deverá disputar novas eleições legislativas e poderia perder o controle da Assembleia Nacional.

— Peço que acelerem a discussão e aprovem as leis revolucionárias em todos os âmbitos da atividade nacional — afirmou Chávez.

A atitude do presidente foi questionada pela oposição, que em 2004 optou por não participar da última eleição legislativa e desde então tem uma presença simbólica no Congresso do país (apenas oito deputados). O líder do partido Podemos, Ismael Garcia, ex-aliado do governo chavista, acusou Chávez de buscar impor um sistema personalista e dar uma fachada democrática a seu governo.

— A farsa está chegando ao fim — disse Garcia, que lembrou a derrota sofrida pelo chavismo no referendo sobre o projeto de reforma constitucional, em 2007.

Oposição teme mudanças nas eleições de 2010

O projeto do governo incluía várias iniciativas que o presidente acabou adotando por decreto ou com o apoio de sua folgada maioria parlamentar, por exemplo, a Lei de Distrito Federal. A norma criou a figura de chefe de governo do Distrito Capital, autoridade designada pelo presidente do país, que assumiu funções que antes eram exclusivas da Prefeitura Metropolitana de Caracas, hoje em mãos da oposição.

— Esta Carta Magna que é participativa, descentralizada e democrática não é mais útil para o projeto autoritário e militarista encarnado pelo presidente — enfatizou Garcia.

Para o deputado opositor, o governo pede uma nova Lei Habilitante “porque esta Constituição (aprovada em 1999, pelo governo chavista) já não lhes serve”. Garcia acredita que com uma Lei Habilitante, o presidente venezuelano avançará na aplicação de uma Lei de Educação, de Propriedade Social e, também, numa nova Lei Eleitoral:

— Para continuar com seu projeto, Chávez deve recorrer a um conjunto de leis que não estão amparadas pela Constituição.

O principal temor da oposição é que uma eventual nova Lei Eleitoral favoreça os candidatos do governo nas eleições legislativas do ano que vem.

— Em 2010 teremos duas opções: ou não haverá eleições ou elas serão realizadas, mas aplicando uma norma que beneficie o chavismo, mesmo quando ele não conte com o favoritismo da sociedade — assegurou Garcia.

Já representantes da bancada chavista disseram estar preparados para votar uma nova Lei Habilitante.

— Consideramos positivo o pedido do presidente — disse o deputado Alberto Castelar.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Cuba: Painel eletrônico pró-democracia é desativado

 

VEJA - 28 de julho de 2009

Sinal ocupava 25 janelas de prédio oficial (Foto: Reuters)

Já não existe mais o painel eletrônico que trazia mensagens contrárias à ditadura cubana na fachada do prédio dos interesses americanos em Havana. Os Estados Unidos anunciaram na segunda-feira que o sinal, instalado durante o governo do presidente George W. Bush em 2006 com o claro objetido de irritar Fidel Castro, foi desativado há um mês. A medida representa um esforço da parte de Washington em melhorar as relações com a ilha comunista.

Por três anos, o painel virou atração turística por emitir, em grandes letras vermelhas, mensagens pró-democracia e de direitos humanos ao longo de 25 janelas do edifício oficial. Entre os dizeres, havia frases como "Eu tenho um sonho de que um dia essa nação se levantará", do líder pacifista Martin Luther King, e "Nenhum homem é bom o bastante para governar os outros sem o seu consentimento", do ex-presidente americano Abraham Lincoln.

De acordo com o governo dos Estados Unidos, o quadro eletrônico já havia perdido o sentido. "Acreditamos que o painel não era eficiente como um meio de transmitir informação ao povo cubano", disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ian Kelly. "Ficou evidente que os cubanos não eram capazes de ler o painel por causa de algumas obstruções que eram colocadas na frente dele", justificou.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Cativeiro chavista


Barinas, bastião da família do presidente, sofre com sequestros

Simon Romero 

Do New York Times

BARINAS, Venezuela. Em uma região repleta de fazendas de criação de gado, Barinas é conhecida por dois motivos: por ser o bastião da família do presidente Hugo Chávez e pela assustadora onda de sequestros, que faz da região a de maior índice deste tipo de crime na América Latina.

Uma onda de crimes que se intensificou em âmbito nacional na última década fez com que a taxa de sequestros na Venezuela ultrapassasse as da Colômbia e do México, com aproximadamente 2 sequestros para cada grupo de 100 mil habitantes, de acordo com o Ministério do Interior.

Mas nenhum lugar da Venezuela chega perto do número de sequestros de Barinas, com 7,2 casos para cada grupo de 100 mil habitantes, com as gangues armadas prosperando dentro da desordem local enquanto a família Chávez amplia seu poder no estado.

A desapropriação de fazendas de gado e a decadência da infraestrutura local também contribuem para a sensação de caos.

Barinas oferece um microcosmo único do governo de Chávez. Muitos moradores pobres ainda veneram o presidente, nascido na pobreza nesta região em 1954. Mas a polarização está aumentando em Barinas, com muitas pessoas irritadas com a recente prosperidade dos pais e irmãos do presidente, que governam o estado desde os anos 1990.

Enquanto Barinas é um laboratório para projetos como a reforma agrária, problemas urgentes como os crimes violentos passam despercebidos nos muitos outdoors que exaltam o predomínio da família Chávez.

— Isto é anarquia. Pelo menos o tipo de anarquia na qual a família de Chávez acumula riqueza e poder, enquanto nós tememos por nossas vidas — disse Angel Santamaria, 57, pecuarista da cidade de Nueva Bolívia cujo o filho, Kusto, de 8 anos, foi sequestrado quando entrava na escola em maio. O menino foi mantido em cativeiro 29 dias, até que seu resgate fosse pago.

O governador de Barinas, Adán Chávez, irmão mais velho do presidente e antigo embaixador em Cuba, disse que muitos dos sequestros resultam dos esforços da oposição para desestabilizar o governo, e também dos chamados autossequestros: sequestros orquestrados por pessoas para extorquir dinheiro de sua própria família.

Em uma eleição no ano passado, permeada por acusações de fraude, Adán Chávez sucedeu ao seu próprio pai, Hugo de los Reyes Chávez, que governou Barinas durante uma década com o irmão do presidente, Argenis, antigo secretário de Estado de Barinas.

— A cada dia que passa, Barinas é mais segura do que antes — afirmou o governador recentemente.

Através de um porta-voz, Adán Chávez recusou pedidos para uma entrevista.

As patrulhas de ideias de Chávez

Presidente da Venezuela aumenta controle sobre partido para anular opiniões contrárias

Janaína Figueiredo 
Correspondente • BUENOS AIRES

Depois de ter sido derrotado em distritos importantes tanto nas eleições regionais de novembro de 2008 como no referendo sobre seu projeto de reeleição indefinida, em fevereiro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, decidiu reestruturar o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), na tentativa de construir uma base política forte para os próximos anos de seu governo, hoje sustentado pelo carisma do chefe de Estado. Ontem, o líder venezuelano confirmou sua decisão de eliminar os atuais batalhões do PSUV, compostos por 300 pessoas, e criar patrulhas de 30 membros, reforçando o controle direto dos cerca de sete milhões de filiados do partido fundado e comandado por Chávez.

Segundo explicou ao GLOBO o general reformado Alberto Müller Rojas, um dos principais integrantes do birô político do PSUV, “as derrotas sofridas foram consequência das falhas de nosso partido, de uma burocracia herdada de outros tempos, do clientelismo político e também da ineficiência de governos regionais anteriores”. O general, um dos principais assessores do presidente, assegurou que Chávez precisa ter um partido forte, que garanta a eficiência de seu governo.

— Precisamos de um partido eficaz, com capacidade de ação a longo prazo, e que não dependa exclusivamente da liderança carismática do presidente — disse Müller Rojas, que também revelou a intenção do governo de realizar uma reestruturação ministerial nos próximos meses. — Nossa meta neste momento é criar um verdadeiro poder popular, uma consciência social de mudança, e, nesse sentido, o PSUV precisa ajudar a resolver problemas.

Intenção é criar 200 mil patrulhas

Segundo o presidente, serão instalados 15 mil “pontos vermelhos” em todos os estados venezuelanos, que funcionarão como células do PSUV. Na verdade, Chávez espera a chegada de 200 mil patrulhas. A ideia é incentivar uma maior participação popular num momento em que a liderança de Chávez continua forte, mas o entusiasmo dos chavistas em relação ao governo diminui. O presidente assegurou na TV que as patrulhas deverão realizar um trabalho diário para “desmontar matrizes” de opinião contrárias ao “processo revolucionário”.

— Não se trata somente de vencer eleições, temos de formar uma consciência social, e para isso é necessário estar em contato direto e constante com nossos militantes — argumentou Müller Rojas.

Na visão de analistas políticos críticos do governo, a reestruturação do PSUV reforçará o perfil militarista do partido e aumentará o clima de temor entre os chavistas.

— Ninguém sabe se é verdade que o PSUV tem sete milhões de militantes, mas, se esse é o número, estimamos que 80% dos militantes são chantageados políticos, pessoas que não podem dizer não, porque temem ser punidos — disse Nicolás Toledo, da Consultores XXI.

Para ele, “o PSUV funciona com base no clientelismo político e o controle rigoroso da vida de seus militantes”.

Para Luis Vicente León, da Datanálisis, “a estrutura cada vez mais militarista do PSUV se deve à necessidade do governo de mobilizar gente, num clima de decepção cada vez maior”.

— O partido é uma máquina eleitoral que cumpre ordens. Além de mobilizar os militantes em eleições, sua segunda função mais importante é distribuir a renda petroleira de forma eficiente — afirmou Vicente León.

Segundo analistas, com a queda do preço do petróleo, o governo tem menos recursos para destinar aos programas sociais, e não quer que falhas do PSUV prejudiquem a imagem do governo nos setores mais humildes. Nas duas votações passadas, o chavismo foi derrotado em municípios pobres de Caracas por suspeitas de corrupção das autoridades locais do PSUV.

Juíza acusa Chávez e é substituída

CARACAS. Alicia Torres, juíza responsável pelo processo contra Guillermo Zuloaga, presidente da TV Globovisión, foi afastada ontem do cargo, após denunciar que foi pressionada a proibir a saída do empresário do país. A Globovisión é opositora ao governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e Zuloaga, que está sendo processado por ocultar veículos de uma concessionária para supostamente fazer especulação de preços, acusa o governo de perseguição.

— Vou exercer meu direito, entrarei com uma denúncia na Promotoria contra esta medida ilegal — disse a juíza.

Alicia enfureceu o governo venezuelano ao denunciar, na sexta-feira, que foi pressionada pela presidente do Tribunal de Justiça de Caracas, Veneci Blanco, para proibir a saída de Zuloaga do país. A juíza negou ter assinado a proibição.

O governo venezuelano também move cinco processos contra a Globovisión e já ameaçou várias vezes retirar a concessão pública da TV, como fez com a RCTV. Pelo menos 240 emissoras de rádio também estão ameaçadas.

A passos largos para o socialismo

O Globo, 19/07/2008

ESTATIZAÇÕES: O projeto prevê “declarar a utilidade pública e interesse social de bens materiais e infraestruturas que possam ser declarados propriedade social, para garantir, por meio da produção socialista, a satisfação das necessidades sociais e materiais da população”.

Com isso, o Estado poderá decretar a aquisição forçada, por meio da justa indenização e pagamento oportuno da totalidade de um bem ou de vários bens declarados propriedade social, para fortalecer os programas de desenvolvimento do país.

ECONOMIA CENTRALIZADA: Será criado um Conselho Central para a Planificação da Economia Socialista, controlado pelo Executivo.

ALÍVIO FISCAL: As empresas socialistas terão acesso a programas de reestruturação de suas dívidas e serão exoneradas de pagar impostos em caso de necessidade.

INCENTIVO FINANCEIRO: O Executivo poderá pôr em andamento programas de assistência financeira preferencial às empresas socialistas.

FUNDO DE INVESTIMENTO: Será criado um Fundo Intergovernamental para a Economia Socialista, financiado em partes iguais (50%) pelo Executivo Nacional e pelos governos estaduais e prefeituras.

Acuados na trincheira antichavista

Governadores oposicionistas venezuelanos têm ação cada vez mais restrita por Chávez

Janaína Figueiredo Correspondente 
• BUENOS AIRES -O GLOBO, 19/07/2009

Depois de vencer a eleição para governador do estado venezuelano de Táchira, em novembro do ano passado, o líder do tradicional partido social-cristão Copei, César Pérez Vivas, foi impedido de utilizar o palácio de governo da capital estadual. Segundo contou o próprio governador em entrevista ao GLOBO, o palácio “foi invadido por deputados regionais do chavismo, a primeira de uma série de violações constitucionais que representam um golpe de Estado progressivo contra os governos opositores”. Na próxima semana, o governador de Táchira integrará uma missão de opositores da “revolução bolivariana” que embarcará rumo a Washington, onde pretende reunir-se com autoridades da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Departamento de Estado, para denunciar o que considera violações constitucionais cometidas pelo governo.

— Todos os dias enfrentamos ameaças, boicotes, atropelos. Não contamos com os recursos necessários e nossa autoridade não é reconhecida pelo governo central — declarou Pérez Vivas, de San Cristóbal, capital de Táchira.

Segundo o governador antichavista, algumas regiões de Táchira estão sofrendo problemas de abastecimento de combustíveis e alimentos.

— Estão fazendo um bloqueio econômico contra os estados governados pela oposição — assegurou Pérez Vivas, denunciando, ainda, a ocupação militar de aeroportos, colégios, clubes esportivos e organismos estaduais. — As Forças Armadas adotaram uma atitude muito agressiva e são usadas pelo governo central para controlar tudo que for possível. Isso é um golpe de Estado interno.

Diálogo é inexistente entre os dois lados

As eleições regionais de novembro foram um duro golpe político para o presidente Hugo Chávez. O Partido Socialista Unido da Venezuela, fundado e liderado pelo presidente, elegeu governadores em 17 dos 22 estados venezuelanos, mas a oposição venceu nos estados e cidades mais importantes do país, que juntos representam 45% do eleitorado e 70% do PIB (conjunto de riquezas produzidas pelo país). Além de Táchira, a oposição passou a governar os estados de Miranda, Zulia, Carabobo, Nova Esparta e a Prefeitura Maior de Caracas, onde venceu Antonio Ledezma, da Aliança Bravo Povo. Após o revés eleitoral, Chávez reconheceu a vitória opositora, em tom irônico:

— Reconheço seu triunfo e espero que eles reconheçam o chefe de Estado e a Constituição. Ao prefeito maior (de Caracas), reconheço seu triunfo. Espero que não volte ao velho caminho do golpismo.

Como era esperado, o relacionamento entre Chávez e os governos opositores se transformou numa queda-de-braço. Hoje não existe diálogo, apenas trocas de acusações e ataques pessoais. O prefeito de Caracas realizou este mês uma greve de fome, para exigir o pagamento de recursos necessários aos salários de seus servidores.

Durante o protesto, Ledezma, que também integrará a missão aos EUA, exigiu a intervenção da OEA.

— O governo Chávez está buscando limitar os governos opositores, impedir que sejamos eficientes em nossas gestões — assegurou.

A situação de Ledezma é um pouco mais complicada que a de seus colegas opositores, já que este ano a Assembleia Nacional (controlada pelo chavismo) aprovou a Lei de Distrito Federal, que criou a figura de chefe de governo do Distrito Capital, autoridade designada pelo presidente do país.

Antes da votação da polêmica lei, o prefeito maior de Caracas tinha um poder similar ao dos governadores estaduais, atuando como principal autoridade nos cinco municípios da área metropolitana da capital. Com a nova lei, o chefe de governo do Distrito Capital assumiu quase todas as suas funções e bens públicos.

— O governo aprovou um projeto já rechaçado nas urnas, no referendo sobre o projeto de reforma constitucional chavista, em dezembro de 2007 — acusa o prefeito maior.

Segundo ele, que entrou na Justiça para tentar anular a nova lei, “o governo montou um esquema perverso para boicotar as autoridades opositoras, eleitas legitimamente”.

— Ocupam escritórios, assumem o controle de áreas que deveriam ser controladas pela oposição e violam constantemente as normas internas do país — dispara Ledezma.

O governador do estado de Miranda, Henrique Capriles Radonski, do partido Primeiro Justiça, acusou semana passada o governo chavista de provocar incidentes violentos em seu estado. O governador se referia à ocupação por parte da Guarda Nacional de uma sede do comando policial de Curiepe. Houve vários feridos.

— É um plano premeditado. Existe a intenção de fazer algo que ainda não sabemos o que é — declarou Capriles Radonski.

Para os governadores opositores, o objetivo de Chávez é criar um clima de ingovernabilidade, que os obrigue a renunciar.

— Estamos sofrendo uma escalada autoritária e não podemos denunciar porque os juízes têm medo do governo — lamentou Pérez Vivas. — O que diremos em Washington é que presidentes eleitos também podem ferir a democracia e a comunidade internacional deve estar atenta.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Farsa

DENIS LERRER ROSENFIELD

Não deixam de causar estupefação as supostas declarações “democráticas” de nossa diplomacia, de nosso presidente e de um número significativo de dignitários, por assim dizer, latino-americanos (Chávez, Morales, Correa etc) condenando o golpe militar em Honduras. O golpe é certamente condenável, pois teria sido uma solução propriamente democrática seguir uma via institucional de resolução de conflitos, sem o recurso ao uso da força. No entanto, o problema não é apenas este, pois boa parte dos que condenaram o golpe militar não possui nenhuma credencial democrática. Pelo contrário, eles tudo fazem para desfigurá-la. Usam-na conforme as suas conveniências.

Há, no entanto, uma questão preliminar, relativa à natureza deste golpe militar. Ele foi feito sob injunção do Supremo Tribunal daquele país e com pleno apoio do Poder Legislativo, pelo fato de o presidente não mais respeitar as decisões do Judiciário, nem as do Congresso. Ele se colocou, progressivamente, fora da lei, abrindo um vácuo jurídico que foi aproveitado pelos seus adversários. Tentou convocar por decreto, por um ato administrativo, um referendo, que poderia desembocar em uma reeleição sua, o que a Constituição daquele país proíbe.

Não obedeceu ao Supremo, que proibia essa consulta, e agiu à revelia de um Congresso já atento a essa tentativa de circuitá-lo. Tentou usar os militares neste seu processo de referendo, tarefa essa que foi recusada por eles. O problema reside, portanto, na natureza dessa iniciativa governamental, que considerou não mais ser necessário seguir a lei. É como se, para a democracia, bastasse um referendo popular, com um completo menosprezo pelo estado de direito. Pode-se, neste sentido, dizer que ele estava criando as condições de um golpe civil, na esteira do proto-ditador Hugo Chávez.

O que é um golpe civil? Um golpe civil é a subversão da democracia por meios democráticos, ou seja, o solapamento das instituições republicanas por intermédio de eleições. Tal prática corresponde à iniciativa dita bolivariana de instaurar, na América Latina, o “socialismo do século XXI”. Trocando em miúdos, trata-se de criar em nosso continente as condições de repetição das experiências cubana, soviética, cambojana, albanesa e outras, que povoaram com o horror o imaginário do século XX. Quando o continente europeu diz adeus a essas bandeiras, pelos malefícios e desastres causados, a América Latina começa a adotar um modelo cuja falência humana, econômica, social e política foi sem proporções.

Apenas algumas palavras mudaram, como se essa máscara expressasse uma realidade de novo tipo. É o velho com aparências do novo. Engana-se quem quer se deixar enganar.

O que faz Chávez na Venezuela, sendo imitado por seus esbirros Evo Morales e Rafael Correa? Ele utiliza processos eleitorais, com uso intensivo de referendos, para estabelecer para si um poder autocrático, que não precisa ser contrabalanceado pelo Judiciário e pelo Legislativo. As leis são o que ele próprio determina que sejam, como se ele fosse a fonte mesma do direito. O Supremo está aos seus pés e o Poder Legislativo é por ele totalmente controlado. Os meios de comunicação são progressivamente silenciados, seja por fechamento de emissoras, seja por asfixia econômica, seja por ameaças puras e simples. O direito de propriedade é violado sistematicamente, com o Estado tomando conta dos meios de produção. Segue ele simplesmente a cartilha esquerdista, empregando os meios democráticos para destruir a própria democracia.

Ora, são esses autocratas que condenam veementemente o golpe militar em Honduras em nome da democracia. Os liberticidas, os democraticidas, posam de libertários e democratas. A Assembleia Geral da ONU condena o golpe militar, quando é ela presidida por um adepto da Teologia da Libertação, ala esquerdizante da Igreja Católica, e cujos membros, em sua ampla maioria, são ditadores e déspotas que, em seus países, menosprezam sistematicamente os direitos humanos.

São, aliás, os “companheiros” de nossa diplomacia, os parceiros da cooperação Sul/Sul. Talvez se trate de uma cooperação pela democracia e pelos direitos humanos! Como não poderia deixar de ser, os mais fervorosos adeptos brasileiros do chavismo e do castrismo são os mais ardorosos críticos do golpe militar em Honduras. Ou seja, menosprezam a democracia e o estado de direito aqui e condenam os que resistem ao seu projeto acolá. O MST, a Via Campesina e os ditos movimentos sociais se arvoram em cruzados da democracia, quando a sua prática — e o seu discurso — é o de desprezo pelas instituições democráticas, a invasão de propriedades, o desrespeito ao estado de direito e as odes dirigidas a ditadores como Fidel Castro. Este é, de fato, o verdadeiro exemplo de “democrata”.

O Presidente da República e o Itamaraty não perderam a ocasião de manifestarem as suas parcas convicções democráticas nesses últimos anos. Silêncio total sobre o genocídio de Darfur, em nome da suposta soberania daquele país. Silêncio sobre mais de 200.000 mortos? Em nome do quê mesmo? O Presidente Lula não cessa de se fazer acompanhar por ditadores africanos, agora mesmo na Líbia, com o déspota Kadafi, que já foi de tudo, inclusive terrorista. Numa de suas ações mais espetaculares, explodiu um avião cheio de passageiros nos céus da Escócia, o que implicou o seu banimento da comunidade internacional por décadas. Eis aí outro companheiro “democrático”. Em relação ao Irã, numa fraude eleitoral realizada pelo setor mais integrista do regime dos aiatolás, frente a manifestações maciças de cidadãos iranianos, nosso presidente se limitou a dizer, numa espécie de gracejo, que se tratava de um mero descontentamento, próprio de um time de futebol que perdeu a partida.

Agora, em relação a Honduras, temos uma veemente condenação. Dá para acreditar? Será que falam sério ou se trata apenas de uma pantomima, ou melhor, de uma farsa dos que desprezam a democracia?

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Venezuela aprova lei que autoriza grampos

O Globo

RIO - A Assembleia Nacional da Venezuela aprovou na quinta-feira, em primeira discussão, uma polêmica reforma do Código de Processo Penal que obriga órgãos públicos e empresas privadas de telecomunicações a montarem unidades 24 horas de gravações de ligações telefônicas, e a repassarem essas gravações ao Ministério Público "no prazo requerido ou em tempo real". Segundo reportagem publicada na edição de sexta-feira do jornal O Globo, a medida foi considerada pela oposição como inconstitucional por ferir o princípio da inviolabilidade das comunicações privadas.

- O que essa medida pretende é fazer com que o governo tenha acesso a qualquer tipo de comunicação, pelo motivo que achar conveniente. Vamos lutar contra isso - disse o deputado Juan José Molina, do opositor Podemos.

O texto da reforma ainda precisa ser aprovado numa segunda votação, mas o governo tem maioria. Segundo os críticos, a medida dá margem para que o governo, por meio do Ministério Público, consiga obter sem processo gravações telefônicas de quem quiser, no prazo que determinar.

Nesta quinta, manifestantes em Caracas protestaram contra as ameaças de fechamento de TVs, principalmente a Globovisión. Os jornalistas farão uma passeata exigindo liberdade de expressão na sexta-feira. A manifestação chegou a ser proibida pelas autoridades, mas foi autorizada no fim da tarde.

Leia a íntegra na edição digital do jornal O GLOBO (só para assinantes).

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Uso de crianças-soldados choca os peruanos

Meninos são doutrinados por grupos que se originaram no Sendero Luminoso e hoje estão ligados ao narcotráfico

Cristina Azevedo - O Globo

Numa clareira, um grupo de 17 meninos entra em formação. Punho cerrado ao lado da cabeça numa estranha continência, repetem com suas vozes infantis:

— Viva o marxismo, leninismo, maoísmo, principalmente maoísmo, para a revolução proletária e socialista mundial.

São meninos de 10 a 12 anos, mas muitos parecem não ter mais de 8. Em outra cena, manejam fuzis com a mesma naturalidade com que jogam futebol.

As cenas são do programa “Punto Final”, que vai ao ar hoje, na emissora Frecuencia Latina, mas as imagens antecipadas durante a semana sacudiram os peruanos. Elas mostram crianças recrutadas por grupos armados, resquícios do movimento Sendero Luminoso, hoje associados ao tráfico de drogas: — Os meninos de 11 a 13 anos são encarregados de matar os militares agonizantes e recolher as armas — conta de Lima, por telefone, o antropólogo Jaime Antezana, especialista em Sendero e narcotráfico. — São crianças crescidas no sangue.

Abimael Guzmán chama grupo de mercenário

As primeiras informações sobre a existência das novas criançassoldados peruanas surgiram em abril. Num ataque que deixou 15 soldados mortos, sobreviventes contaram ter visto meninos entre os guerrilheiros. Mas agora, em vez de relatos, os peruanos estão vendo na TV e na internet uma prática da época do Sendero que parecia já ter acabado: o sequestro e doutrinamento de crianças.

As cenas do programa foram gravadas na zona do Valle del Río Apurímac-Ene, conhecida como Vrae, 350 quilômetros a sudeste de Lima. Uma terra ocupada por migrantes nos anos 50, que levaram o hábito de mascar a folha de coca, dando início ao cultivo. Depois, vieram os cartéis mexicanos e colombianos. Hoje, 60% da cocaína produzida no Peru vêm dessa região, onde o Sendero teve forte presença.

— Ali não existe o Estado — conta Eduardo Tocht, pesquisador do Centro de Estudo e Promoção do Desenvolvimento.

Dando cobertura às rotas do tráfico, os grupos que sobraram após a desarticulação do Sendero, nos anos 90, conseguiram sobreviver e crescer. Hoje, há quem diga que eles não apenas controlam as rotas da droga, como têm seu próprio cultivo. Nessa cadeia, crianças transformamse em soldados, outras ajudam as famílias a cultivar a coca e há as que fazem o transporte da droga, a pé, com mochilas.

— O Sendero como conhecíamos não existe mais — conta Tocht. — Há grupos que se autodenominam Sendero e que pertenceram a ele, mas que hoje estão ligados ao narcotráfico.

Foi apenas em 2006 que um desses grupos lançou um manifesto e adotou um novo nome: Partido Comunista do Peru Marxista Leninista Maoísta. Liderado por Víctor Quispe Palomino, o Camarada José, eles apresentam um discurso anti-imperialista, em busca de legitimidade. As declarações causaram tanta polêmica que Abimael Guzmán, o líder do Sendero capturado em 1992, disse que “os terroristas do Vrae são mercenários”.

Um modelo ao estilo da guerrilha colombiana

O recrutamento de crianças levou a Coordenação Nacional de Direitos Humanos, que reúne 67 entidades, a comunicar a situação à ONU.

— Isso é inaceitável. Também o Exército recrutou menores de idade, e os militares nos disseram que fizeram mil jovens com menos de 18 anos darem baixa — explica Ronald Gamarra, secretárioexecutivo do grupo.

As crianças no grupo foram sequestradas em povoados pobres ou são filhas da antiga “massa cativa” do Sendero — cerca de 250 pessoas que estavam sob poder do grupo na época de sua derrocada.

— O que acontece agora é uma reprodução de antigas práticas pelo que chamo de narcosenderismo — diz Antezana. — Recrutam crianças e passam frases ideológicas que elas repetem sem saber o significado.

Para Antezana, o grande choque veio do fato de ver que a organização cresceu, tem logística militar sofisticada e faz um trabalho ideológico, mesmo que seu núcleo seja o tráfico. Hoje, o grupo tem uma postura mais ao estilo das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, diz.

— Eles representam um perigo maior do que o Sendero representou — afirma.

Um caminho manchado de sangue

O nome, que significa caminho iluminado, em espanhol, foi inspirado no marxista peruano José Carlos Mariátegui, que disse que “o marxismo-leninismo abrirá o caminho luminoso até a revolução”. Mas esse foi um caminho sangrento, que em três décadas deixou cerca de 70 mil mortos.

O Sendero Luminoso surgiu em meados dos anos 60, a partir de uma dissidência do Partido Comunista do Peru, e se tornou um dos maiores movimentos revolucionários da América Latina. De linha maoísta e sob o comando de Abimael Guzmán, tinha como base estudantes e professores universitários. Em 1977, passou da guerrilha rural para a urbana. E nas eleições de 1980 promoveu ataques às seções eleitorais.

A prisão de Guzmán, em 1992, marcou o fim da primeira fase do grupo e deu origem a seu período de decadência. A segunda fase teve fim com a queda do líder Oscar Ramírez Durand, conhecido como Feliciano.

Fontes militares calculam que os remanescentes do Sendero seriam cerca de 300, refugiados na região conhecida como Vrae, e que teriam se ligado ao tráfico de drogas. Víctor Quispe Palomino, fundador do Partido Comunista do Peru Marxista Leninista Maoísta, considera-se o líder da terceira fase do movimento — mas é renegado por Guzmán.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Estatuto da Diferença Racial

ALI KAMEL

A Câmara está para votar uma lei cujos efeitos são os opostos do que anuncia seu nome: “Estatuto da Igualdade Racial”. O que seus autores estabelecem no projeto é um “Estatuto da Diferença Racial”, pois dividem, autocraticamente, os brasileiros em duas “raças” estanques: negros e brancos.

O estatuto, na sua essência, é muito similar às leis segregacionistas em vigor nos Estados Unidos antes da vitória da luta pelos direitos civis e às leis sul-africanas ao tempo do Apartheid.

Não importa que o objetivo explícito aqui seja “promover” a “raça” negra; importa que, para fazê-lo, o estatuto olha os brasileiros, vê dois grupos estanques, impõe-lhes a afiliação a uma de duas “raças”, separa-os, conta-os e concede privilégios a um e não ao outro. Não há igualdade nisso, apenas discriminação.

Os Estados Unidos sempre estiveram sob o comando da Constituição, e esta sempre declarou que todos os homens são iguais. Como explicar, então, que, por tantos anos, tenham estado em vigor leis segregacionistas? Porque, lá, construíram-se leis como as que querem construir aqui: cidadãos iguais, sim, mas separados, cada um do seu lado “para o seu próprio bem”. A mistura era vista com horror, como algo que enfraqueceria tanto os negros quanto os brancos, daí a segregação.

No Apartheid da África do Sul, o discurso era o mesmo. O mestiço era considerado um pária, algo que já começam a repetir no Brasil, segundo denúncia de Demétrio Magnoli aqui mesmo nesta página. Esse estatuto, em que pesem as intenções em direção oposta, tem exatamente a mesma essência. O resultado será sempre o pior possível.

Vou dar apenas dois, de muitos exemplos. O projeto determina que todas as informações do SUS sejam desagregadas por “raça, cor, etnia e gênero” (vejam a obsessão, “raça, cor e etnia”), para que as doenças da população negra sejam mais bem entendidas e combatidas. Ocorre que a ciência já provou que não existem doenças vinculadas à cor da pele da pessoa: não existe doença de branco, de negro, de moreno.

Existem doenças que, geneticamente, estão mais presentes em grupamentos humanos, especialmente entre aqueles que não se misturam. É só pensar na África: ali, a imensa maioria é negra, mas a incidência de certas doenças varia de região para região. Algumas tribos, que não se casam com gente de fora, perpetuam certa doença que não ocorre em outras tribos, igualmente negras. Da mesma forma e pelos mesmos motivos, num país onde a segregação foi muito severa, talvez seja possível encontrar incidência maior de uma doença entre negros. Mas, em países abençoadamente miscigenados, como o nosso, isso simplesmente não existe.

Como todos sabem, o SUS é procurado mais que preponderantemente por pessoas pobres, brancas ou negras ou morenas, ou amarelas. Qualquer estatística produzida pelo SUS, hoje, mostrará quais as doenças que afetam mais os pobres, e essa incidência será relacionada corretamente à pobreza. Se o estatuto for aprovado, haverá uma distorção enorme: como os negros são a maioria entre os pobres, as doenças que acometem mais os pobres em geral, pelas péssimas condições em que vivem, serão vistas como doenças dos negros, de qualquer renda. A crença dos que defendem o estatuto é que, com esse dado na mão, os negros poderão se beneficiar de políticas de prevenção.

Não tardarão a aparecer, contudo, racistas em algumas empresas evitando, disfarçadamente, a contratação de negros porque, supostamente, eles são mais vulneráveis a tais e tais doenças. Será o efeito oposto do que prevê o estatuto.

Outro exemplo: o projeto também impõe que toda criança declare a sua cor e a sua “raça” em todos os instrumentos de coleta do Censo Escolar (válido para escolas públicas e privadas). A ciência já mais do que provou que todos os seres humanos, independentemente da cor da pele, têm o mesmo potencial de aprendizado, ou, dito de uma maneira mais clara, são igualmente inteligentes.

Com essa medida, o que os proponentes do estatuto desejam é, ao final de um período, mostrar o desempenho de alunos negros e brancos.

Como, novamente, os negros são a maioria entre os pobres e como os pobres estudam nas piores escolas, é provável que os negros apresentem um desempenho pior, o que será exibido, não como resultado da penúria por que passam os pobres em geral (negros ou brancos), mas do racismo.

A crença dos proponentes é que os dados tornarão possível uma ajuda maior aos negros, mas o efeito prático é que os negros, de todas as faixas de renda, ganharão mais um rótulo, a ser explorado pelos racistas abjetos que existem em toda parte.

Estão criando um monstro.

Aos deputados que vão votar o projeto, especialmente àqueles que ainda não se decidiram, eu lembro: a ciência já provou que raças não existem, nós seres humanos somos incrivelmente iguais, apesar da diferença de nossos tons de pele; reforçar a noção de “raça” só aumenta o racismo; todas as políticas devem ser voltadas à promoção dos pobres em geral, negros, brancos, pardos, amarelos, qualquer um; nossa maior contribuição ao mundo, até aqui, foi a exaltação da nossa miscigenação, algo realmente inédito na história dos povos.

Mudar isso é mudar a essência de nossa nação. Para pior, muito pior.

No século XXI, nossa visão de mundo tem de ser pós-racial: lutar com todas as forças contra o racismo, não para enaltecer as “raças”, que não existem. Mas para que todos possam ser vistos apenas pelo que são: homens e mulheres. Alguém não deve ser ajudado porque é dessa ou daquela cor ou “raça”, mas simplesmente porque precisa.

Não há igualdade racial no estatuto proposto; apenas discriminação

ALI KAMEL é jornalista. E-mail: ali.kamel@oglobo.com.br