Pedro Lastra, jornalista chileno
4 de setembro de 2008
La bella izquierda hollywoodense contra los duros de la América profunda. La sonrisa de blancos dientes inmaculados alineándose junto al último invento mediático – siempre in, siempre en la nota, siempre en el lado aparentemente bueno de Sunset Boulevard – de llevar un afroamerican a la Casa Blanca. Era la hora de Denzel Washington. Contra los que aprietan los dientes ante el peligro y jalan del gatillo. Tiffanys contra Brooklyn. La Quinta Avenida contra los caños oscuros de la América del corazón de piedra.
Nadie podrá explicarse las razones que han llevado al bienpensante imperio mediático de la Costa Este a sacarse del sombrero a un afro elegante, fácil de lengua, desenfadado y gentil como un personaje de Truman Capote recién ingresado al jet set de la high society WASP. Mientras los asediados norteamericanos de braga y viandita, defendidos a capa y espada desde los torreones de sus fortines por los duros de matar, insisten en desempolvar de sus baúles más de dos siglos de lucha por el bien y la familia, contra el Estado y la maldad. Y first at all: por la libertad de Occidente y el american way of life.
Clásico de la mitología cinematográfica que empapa la cultura política de los Estados Unidos. Faltó la pretty woman y el seductor multimillonario en la convención de los demócratas. Y Harry el sucio en la de los republicanos. Por primera vez, la historia se adelanta a la ficción y el sueño americano saca sus mejores galas. Qué duda cabe: la primera nación del mundo escarba entre sus mejores dones para enfrentar los difíciles tiempos que se le avecinan.
El fantasma de Jimmy Carter más que el de los Kennedy sombreó en la convención demócrata. Ese lado de la América Imperial que carga con todo el peso de la mala conciencia y se siente humillada por ejercer el único papel posible de esta historia posible en estos tiempos unipolares: ser el gendarme de un planeta al que provoca reclamarle la famosa consigna de Mafalda: ¡paren el mundo que quiero bajarme! Es la America Light que hace el encargo al que está obligada, pero no quisiera asumir las consecuencias de tener que romper los huevos para hacer la tortilla. ¿O creen que los atentados de Al Qaida se esfumaron por obra del espíritu santo?
Del otro lado, en el lado republicano, la América que siente su responsabilidad y la asume a plenitud. Allí estaban los mutilados de guerras que no provocaron, en defensa de quienes no supieron defenderse por sus propios medios, en territorios dejados a la mano del demonio por sus propios nacionales. ¿Son culpables los Estados Unidos del subdesarrollo, los delirios mesiánicos y la irresponsabilidad de pueblos que no se enfrentan a sus propios demonios? ¿Fueron ellos quienes parieron a Chávez o fue nuestra clase media golpista e irresponsable?
Confieso, sin que me quede nada por dentro, que ya he probado demasiado de la medicina demócrata. Cargo sangre en el ojo con Jimmy Carter por su traición a la democracia venezolana. Y no siento la menor simpatía por los chulos hollywoodenses que de la mano de Izarrita escarban en nuestras reservas internacionales. Así tengan cara de abuelitos de los ángeles negros.
Ya debo haberlo aclarado suficientemente: estoy con McCain.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
George Clooney vs. Clint Eastwood
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Lula manda vender Galeão e Viracopos
Claudio Humberto
3 de setembro de 2008
O presidente Lula decidiu deflagrar a privatização da área sob gestão da estatal Infraero, e sua ordem é começar o processo pela venda dos aeroportos internacionais do Galeão, no Rio, e de Viracopos,
A PEDIDOS
A privatização do Galeão atende a um pedido do governador do Rio, Sérgio Cabral, e o de Campinas atende a empresários do setor logístico.
Negócio da China
A Infraero investe R$ 216,6 milhões na reforma e modernização do Galeão e R$ 40 milhões
Está decidido
Lula nem quis saber quanto seu governo investe nas reformas do Galeão e de Viracopos: sua decisão de privatizá-los foi citada como “irrecorrível”.
Reunião ampliada
Lula ordenou a privatização dos aeroportos durante reunião com o ministro Nelson Jobim (Defesa) e demais autoridades do setor.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
O Bem
Denis Lerrer Rosenfield
O Globo
1 de setembro de 2008
Você quer que o Estado determine o que você deve fazer? Você pensa que o Estado sabe melhor do que você o que é o seu próprio bem? Você acha que o Estado sabe escolher melhor do que você o que são os seus valores morais e pessoais? Assim colocadas, essas perguntas remetem a questões centrais de filosofia moral, que acarretam conseqüências políticas das mais relevantes. No entanto, poderia também aflorar uma outra questão, relativa à sua atualidade, como se fosse um mero problema teórico, sem importância para a vida de cada um.
Engana-se quem pensa assim.
Gradativamente, o Estado brasileiro, em suas várias esferas, está se impondo cada vez mais em detrimento das escolhas individuais e, sobretudo, de considerações morais, que deveriam nortear a subjetividade de cada um. Trata-se da autonomia que cada um possui de decidir por si mesmo, exercendo uma discriminação racional daquilo que é melhor para si. Tem ocorrido freqüentemente uma suposta coincidência entre o que o indivíduo considera para si o bem e o que o Estado lhe apresenta enquanto tal, como se o politicamente correto fosse o caminho que permitiria essa identificação.
Há aqui uma armadilha.
O Poder Executivo, em particular, interfere progressivamente na vida de cada um, seja por atos administrativos como decretos, portarias, resoluções e instruções normativas dos mais diferentes tipos, seja por medidas provisórias, seja ainda por projetos de lei que vão na mesma direção.
Por exemplo, uma alteração, via administrativa, de uma alíquota do Imposto de Renda, tem uma incidência direta nos rendimentos individuais e familiares, como se o Estado soubesse fazer um melhor uso dos bens particulares.
Ocorre uma transferência de bens materiais, de propriedades, que surge travestida de uma justificativa de ordem moral, ancorada na concepção de que o Estado sabe moralmente melhor do que qualquer um o que é o seu bem próprio.
O Incra, por sua vez, determina em lugar dos assentados o que é melhor para eles, interferindo diretamente no seu cultivo, em última instância, em sua capacidade individual de escolha, como se um assentado fosse um tolo que deveria apenas seguir as diretrizes do Incra e dos movimentos ditos sociais. Assim, o cultivo de eucaliptos é proibido por esse órgão estatal, porque contraria as suas orientações, independentemente de que ofereça um melhor rendimento aos assentados do que outros cultivos ou lavouras. Por que não poderia um assentado escolher o cultivo que lhe dê maior renda e usufruir dos seus resultados? Tal “normalidade” não surge como uma tsunami, mas em volumes crescentes que vão ganhando consistência e poder. O caso da saúde é particularmente revelador. Em nome dela, há propostas de aumentos de contribuições, restrições quanto ao fumo mesmo em recintos que afetam somente os que usufruem desses atos, quanto à ingestão de bebidas alcoólicas ou quanto à publicidade de medicamentos. O Estado se apresenta como o grande patrocinador da saúde, quando está patrocinando somente a si mesmo. E o faz em nome do bem de cada um.
Quem lhe confere esse poder? Observe-se que, em nome da saúde, há projeto em curso para reviver a CPMF, fortemente rechaçada por toda a população brasileira. Como os brasileiros são, hoje, contrários ao aumento de impostos, este aparece disfarçado da figura moral do bem de todos. A moral surge como justificativa de um simples acréscimo da arrecadação tributária! Da mesma maneira, por que deveria uma autoridade governamental banir o fumo em locais especialmente destinados para isto, sem afetar os não-fumantes? Não sabe cada um discriminar o que é melhor para si, sem o auxílio da bengala estatal? Por que deveria o Estado determinar a “lei seca” graças a uma nova regulamentação apresentada com estardalhaço, como se fosse a salvação da saúde nacional? Por que o Estado deveria regulamentar a publicidade de medicamentos de livre compra em farmácias? Se a compra pode ser feita sem receitas, onde estaria o seu dano para a saúde? Amanhã, vai o Estado legislar ainda mais no lar de cada um, como já começa a fazer? Onde reside o limite, se o solar da casa já foi transgredido? Cabe ao Estado informar sobre os efeitos nocivos de determinados hábitos para a saúde pessoal. Não lhe cabe tomar o lugar da escolha individual.
Levemos esse argumento ao seu extremo.
Consideremos que a ingestão de colesterol e a de gorduras saturadas fazem mal à saúde. Pesquisas científicas referendariam essa avaliação.
Seguir-se-ia daí que seria função do Estado decidir o que cada pessoa deveria, por dia, tomar de sorvete ou comer de carne? Os indivíduos não poderiam tomar sorvete ou comer carne além de uma determinada quantidade? Haveria punição para os transgressores? Assim apresentada, a questão parece absurda, porém ela é, em seus efeitos, terrivelmente verdadeira.
Não faltam, inclusive, pseudopesquisas, que procuram justificar “cientificamente” essas medidas. Na verdade, a sua justificação reside numa determinada noção do bem de natureza propriamente política, estatal, que se reveste de uma vestimenta científica. Séries estatísticas, por definição, podem ser feitas de quaisquer coisas, bastando relacioná-las, sem que daí siga necessariamente uma relação causal. Tomemos o caso da proibição de ingestão de bebidas alcoólicas para condutores de veículos.
A redução da mortalidade nas ruas e estradas tem sido atribuída a essa lei. A correlação estabelecida se faz entre a nova lei e a redução da mortalidade. Por que não uma outra correlação, entre a fiscalização rigorosa da aplicação da lei, que poderia ser perfeitamente a anterior, e a redução da mortalidade? Se afrouxar a fiscalização, haverá provavelmente um aumento de acidentes automobilísticos, apesar da nova lei. No entanto, quando isto vier a ser comprovado, o efeito midiático buscado já terá sido atingido: o Estado sempre sabe o que é melhor para o indivíduo!
domingo, 31 de agosto de 2008
Paraná: Descendentes de ucranianos relembram as vítimas do holodomor
JORNAL GAZETA DO POVO - 13 DE JUNHO DE 2008 - p. 24
Os 250 mil descendentes de ucranianos do Paraná relembram hoje e amanhã os 75 anos de uma página triste da história do país de seus antepassados, ao mesmo tempo em que fazem uma cobrança à comunidade internacional.
Uma cerimônia cívico-religiosa - hoje em Curitiba, e amanhã, em Prudentópolis - homenageia as vítimas do "holodomor", a fome que matou entre 7 e 10 milhões de ucranianos de 1932 a 1933. Os eventos têm como símbolo uma tocha que está correndo o mundo até novembro.
Com a maior parte de seu território anexada à União Soviética, a Ucrânia se viu privada, no início da década de 30, dos cereais produzidos em suas terras férteis, como castigo à resistência contra a coletivização da propriedade privada. A crise teve raízes na quebra de safras na Sibéria em 1931, que levou o governo russo a requerer mais alimentos da Ucrânia. Em 1932, os camponeses ucranianos passaram a esconder suas colheitas, e o ditador russo Josef Stalin ordenou a lei das "cinco espigas", pela qual autorizou o roubo das propriedades.
"Tiravam a comida até da panela. Se uma criança tivesse uma batatinha na mão, tiravam e pisavam em cima", conta Marta Bega, de Ponta Grossa. Ela guardou na memória tudo o que a mãe lhe contou. "A avó da minha mãe morreu de fome... meus tios e primos também", lamenta. Aos 74 anos, ela é uma das sobreviventes do genocídio. Nascida em plena crise da fome, viveu graças à perseverança da mãe. "Ela foi uma heroína. Tinha 22 anos e andava 12 quilômetros para vender o que tivesse em ouro. Meu irmão tinha quase só barriga e cabeça", conta.
"Os soviéticos acreditavam que retirando o trigo ucraniano e exportando a preços baixos, conseguiriam quebrar a nação pela espinha", diz a professora de história eslava aposentada Oksana Boruszenko.
Wolodymyr Galat, que mora em Curitiba, tinha 7 anos quando a fome foi imposta ao seu país, mas escapou porque a familia morava na Ucrânia Ocidental, pertencente à Polônia. "Houve tentativas de mandar ajuda por meio da Cruz Vermelha, mas o regime soviético não aceitou", conta.
O cônsul da Ucrânia em Curitiba, Oleksandr Markov, conhece o horror da fome pelos relatos do pai. "Os corpos eram amontoados na rua. Quando uma carroça passava recolhendo, jogava todos em minas de carvão", diz.
A mágoa do povo ucraniano foi ampliada pela recusa da Rússia em reconhecer o holodomor. "O assunto é bastante obscuro", diz Rogério Ivano, professor de história da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Foi nos anos 80, e principalmente após a dissolução da União Soviética, em 1991, que começou o processo de reconhecimento do genocídio.
Só em 2006 o Parlamento ucraniano aprovou uma lei sobre o tema. Muitos países fizeram o mesmo. No ano passado, a Assembléia Legislativa do Paraná reconheceu o genocídio, mas o governo federal, ainda não.
"Queremos uma resolução da ONU sobre o tema" , diz Markov. Para ele, ucranianos que emigraram antes da fome acabaram salvando gerações sem saber, e trouxeram junto o dever de testemunhar. Foi assim com Wira Kloczak, de 83 anos, que chegou a Apucarana, norte do Paraná, com o marido, em 1947.
"Eu tinha 7 anos ( em 1932) e não tinha forças para subir na cama", recorda. Ela sobreviveu porque o pai escondeu sacos de milho em uma mina de carvão e buscava alguns quilos quando nevava, para não deixar rastros.
A filha dela, Ludmila Kloczak, doutora em psicologia, passou a vida ouvindo histórias trágicas. "Analisei a dificuldade dos sobreviventes de conviver com a memória dramática, que traumatiza até os descendentes", conta. "O mundo deveria obrigar o governo russo a pedir perdão", pede Wira.
Fragmentos do socialismo
Estadão
31 de agosto de 2008
Do topo dos 33 andares do edifício Focsa, o mais alto da cidade, que serviu nos anos gloriosos de residência de trânsito para os soviéticos, sob o jato de um sol aplastante, a paisagem desvenda os quatro tempos de Havana. A leste, além das antigas fachadas imponentes do Malecón, estende-se Havana Velha, o núcleo colonial, circundado pela baía em meia lua e vigiado pelas fortalezas espanholas. Ao redor, bem abaixo, divisa-se o plano ortogonal do Vedado, o bairro de mansões ocupado desde meados do século 19 por uma elite que se separava fisicamente dos pobres. A oeste, espraia-se Miramar, o “novo Vedado” da década de 20 do século passado, cujas mansões abrigam agora as embaixadas e os hotéis de praia. Entre o núcleo colonial e o Vedado, a partir do grande bulevar do Prado, está incrustada Havana Central, a larga seqüência de quarteirões erguidos no início do século 19. De longe, é como se essa faixa intermediária da cidade tivesse sido extensamente bombardeada. Nas suas habitações arruinadas, vivem quase todos os “cubanos comuns” de Havana que escaparam de uma transferência compulsória para os conjuntos habitacionais dos arcos periféricos.
“Cubanos comuns”, ou “cubanos a pé”, são expressões que se ouvem vezes sem conta nas ruas de Havana. É assim que as pessoas destituídas de privilégios descrevem a si próprias. Os demais são os “hijos de papá”, uma categoria que abrange todos os que, em virtude de relações especiais próximas ou distantes com o partido único, têm acesso regular e legal ao CUC. Peso cubano convertible, CUC, é o pote de ouro no fim do arco-íris. A caça ao CUC converteu-se no esporte nacional cubano. Tê-los significa um pouco de cidadania, expressa sob as formas de sabonete, desodorante, perfume, tênis, carne de vaca, gasolina, um celular “pai-de-santo”, a oportunidade fugaz de navegar na internet. Não tê-los significa vegetar no limbo do peso cubano, a moeda oficial regular, que é a moeda de mentira.
Juan e Clara, como os batizo agora, abordaram-me numa rua da zona limítrofe entre Havana Velha e Havana Central. Conversamos, caminhando rápido, transgredindo a regra que proíbe “cubanos comuns” de interagir com estrangeiros. Minutos depois, dois rapazes de azul, policiais adolescentes com salários bem superiores aos de médicos, restabeleceram a ordem. O casal de cubanos teve que apresentar documentos e Juan foi convidado a acompanhá-los à delegacia próxima. Fui junto, apresentei-me como um amigo de anos, inscreveram nossos nomes num livro velho de ocorrências. Democracias administram as coisas. Ditaduras totalitárias só administram os espíritos. Havana Central verga sob a sujeira e um odor entranhado de urina.
Solís é professora primária e dá aulas particulares - ilegalmente. É essa sua forma de acesso precário ao CUC. O CUC vale cerca de 20% mais que o dólar e funciona como ponte entre Cuba e a economia internacional. A presença da moeda almejada aumenta com o crescimento do turismo e das remessas de cubano-americanos para seus familiares na ilha. Um CUC vale 24 pesos cubanos, a moeda interna, desprezada. Um professor primário ganha algo em torno de 15 CUCs mensais. Um médico, cerca de 20. Tudo que ultrapassa o limite estrito da sobrevivência é vendido apenas em pesos convertibles. Na África do Sul da minoria branca, o sistema do apartheid separava as pessoas segundo a “raça”. Na Cuba do desmantelamento do socialismo real, estabeleceu-se um apartheid monetário.
A palavra apartheid chegou às ruas de Havana. Talvez tenha sido difundida pelos corajosos blogueiros que desenham pátios virtuais de debates num país acostumado há meio século a ouvir apenas as vozes de Fidel Castro e seus bonecos de ventríloquo do partido comunista. O portal desdecuba.com abriga a revista web Contodos e uma série de blogs pessoais, dos editores da revista, que residem na ilha e se apresentam com seus nomes próprios. Entre eles, a blogueira célebre é Yoani Sánchez, que ganhou o prêmio espanhol Ortega y Gasset de jornalismo digital mas foi impedida de viajar para recebê-lo.
Fidel Castro, pela primeira vez na história, referiu-se a um dissidente ao acusar Yoani, no prefácio de um livro, de “jogar água no moinho do imperialismo”. Uma resposta desmoralizante saiu no blog do jornalista Reinaldo Escobar, da equipe da Contodos. Ele escreveu: “A responsabilidade que implica receber um prêmio nunca será comparável à de outorgá-lo e Yoani, ao menos, nunca colocou uma condecoração no peito de nenhum corrupto, traidor, ditador ou assassino”. E concluiu: “Faço esse esclarecimento porque recordo perfeitamente que foi o autor dessas reprimendas quem colocou (ou mandou colocar) a Ordem de José Martí nas mais nefastas e imerecedoras figuras possíveis: Leonid Ilich Brejnev, Nicolae Ceausescu, Todor Jukov, Gustav Husak, Janos Kadar, Mengistu Haile Mariam, Robert Mugabe, Heng Samrin, Erich Honecker e outros que esqueci”.
A crítica não está apenas nos novos blogs, mas nas ruas, nas conversas cotidianas, e naquilo que dizem os cubanos que, por força da função, estão autorizados a falar com estrangeiros. A reforma da previdência, anunciada numa primeira página de uma edição de julho do Granma, o jornal do partido único, elevará a idade de aposentadoria. Na justificativa oficial, Cuba acompanha as tendências mundiais, que decorrem da dinâmica de envelhecimento da população. “Passamos décadas dizendo que não reproduziríamos as reformas previdenciárias dos outros países. Agora, fazemos exatamente isso. É como tudo mais: perdemos meio século falando mal dos outros e ficamos para trás. Aqui não se produz nada, só se fala.” O motorista de táxi, que batizo Pérez, opera nos circuitos de hotéis e tem algum acesso ao CUC. Não é, nem de longe, um dissidente. Mas ele aponta os campos abandonados do interior, onde se cultivava cana antes do colapso da indústria açucareira cubana, e ironiza a “reforma agrária” anunciada junto com as mudanças na previdência. “As pessoas se mudaram para as cidades. Raúl Castro imagina que alguém voltará para o campo para cultivar as terras ociosas, onde não há nem luz elétrica?”
“Cuba é o país da propina.” A definição, do guia Rodolfo, outro nome fictício, não tem nenhuma intenção crítica. Rodolfo conduz passeios de jet-ski na laguna de Varadero e tudo que quer é a gorjeta do grupo de turistas ao final do passeio, na hora em que, literalmente, ele passa o boné. A “propina” é a renda verdadeira, em pesos convertibles, de todos os que trabalham num setor turístico em plena expansão. Engenheiros, historiadores, enfermeiras, psicólogas, professores - todos que podem trocam suas profissões por um lugar qualquer, de motorista, guia ou camareira, no almejado setor turístico. Mas não basta querer: é preciso ter contatos. A conquista de um emprego na esfera do CUC depende de indicações políticas diretas ou indiretas, não de qualificações. O preço real de todos os serviços nessa esfera abrange a onipresente e quase inevitável propina.
Os cubanos ganham a vida depois do trabalho ou nos interstícios do trabalho. É a hora da propina, do bico ilegal em pesos convertibles, do desvio de charutos para o mercado clandestino das ruas. O trabalho não tem valor. Estudar não alarga horizontes. São essas as lições ensinadas todos os dias pela economia política da crise do socialismo.
Rodolfo, como tantos guias, ecoa ritualmente, por costume e inércia, fragmentos de uma cínica propaganda oficial. “Vocês não verão crianças descalças em Cuba.” Não as há, de fato, mas o subsídio governamental ao calçado infantil acabou para sempre há 18 anos. As crianças não andam descalças pois seus pais gastam o que não têm para calçá-las. Tênis e sapatos custam parcela maior dos salários do “cubano comum” que de um brasileiro pobre. “Aqui em Cuba, a escola é obrigatória. Nenhum pai pode deixar seu filho fora da escola.” No Brasil é igual, retruco, para espanto genuíno de Rodolfo, que “aprendeu” na cartilha midiática do regime que fora de Cuba imperam o analfabetismo, a miséria e a fome. “Todos têm acesso a hospitais e médicos gratuitos em Cuba.” Depois da declamação habitual, vêm os detalhes. Os serviços de excelência não são para “cubanos comuns”, mas para estrangeiros e para os círculos da burocracia comunista. A saúde popular cubana é um SUS em miniatura, com sua litania de equipamentos obsoletos, carência de leitos e filas intermináveis para consultas e operações. O agravante recente é a carência de médicos, que saem em missões de política externa na Venezuela e na Nicarágua. “Mas não podemos reclamar, pois é tudo de graça...” No Brasil, reclamamos.
Num país que criminaliza o intercâmbio de informação, proliferam os mitos conspiratórios. Camilo Cienfuegos, camarada de Fidel na Sierra Maestra, morreu num misterioso acidente aéreo em outubro de 1959, quando retornava de Camaguey, onde cumpriu a dolorosa missão de prender seu amigo revolucionário Hubert Matos, o comandante rebelde acusado de traição. Os destroços do avião jamais foram encontrados. A versão de que Fidel tramou a morte de Camilo, apenas uma hipótese histórica, circula como verdade indiscutível entre os “cubanos comuns”. Camilo é como quer ser chamado um estudante da Universidade de Havana que me convidou a pagar-lhe um “trago do Che” e, prudentemente, indicou o caminho do bar caminhando meia quadra à frente. Diante da curiosa mistura de cuba libre, mel e hortelã que serviria para amenizar a asma, ele identificou no episódio o início da degeneração dos castristas. “Aqui, todos trabalhamos compulsoriamente para Fidel.”
Nem tudo é ingenuidade. Encontra-se, entre os “cubanos comuns’, uma intuição política aguçada, que se manifesta especialmente quando se abordam as relações com os EUA. O bloqueio econômico americano funciona como álibi ideal para a ditadura dos Castros, explicam-me em encontros separados Camilo, Juan e Clara. O levantamento do bloqueio cancelaria o núcleo da argumentação governamental. Barack Obama fará isso? - indaga-me Camilo.
Internet, em Cuba, só em hotéis e lan houses. Uma hora custa seis CUCs. A imensa maioria dos cubanos nunca navegou na rede e poucos sabem da existência dos blogueiros independentes. Todos sabem da história de Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, narrada de acordo com a versão do regime, pelo Granma, junto com uma profusão de elogios ao governo brasileiro, que os capturou e deportou. “Lula é amigo de Fidel”, explicam os “cubanos comuns”, que continuam a enxergar os boxeadores como heróis nacionais e não escondem o desprezo pelo ato de covardia de Tarso Genro e Lula. O que eles não sabem, pois o Granma não informou, é que Lara fugiu de Cuba há semanas, numa lancha rápida contratada por promotores esportivos alemães.
Sair de Cuba pode ser uma aventura mesmo para turistas. Há um novo golpe na praça, aplicado pelos oficiais de imigração, preferencialmente contra idosos, no aeroporto José Martí. Um funcionário que verifica documentos subtrai o visto de entrada. O funcionário seguinte requisita o visto, constata o seu “extravio” e anuncia que, nessas condições, “é impossível sair de Cuba”. Seguem-se visitas estéreis a oficiais fardados e sugestões para que a vítima “procure melhor” o papelucho amarelo na carteira, onde repousa um tesouro em euros ou dólares. A tensão é mantida até depois da última chamada para embarque. Se o turista não entender a mensagem, o visto sumido acaba reaparecendo. Ninguém quer provocar incidentes diplomáticos. Cuba é só o país da “propina”.