quinta-feira, 14 de maio de 2009

Estado demais

Qual o problema com a caderneta de poupança? É que se trata de uma aplicação financeira com juros fixados em lei, tabelados, portanto. Isso impõe um piso aos juros de toda a economia, e um piso elevado.

Trata-se, pois, de uma regulação excessiva, que atrapalha o avanço do país para um regime “normal”, de inflação e juros bem baixos.

Por lei, também, os recursos da poupança se destinam a financiar o setor imobiliário. Ora, se os bancos precisarão pagar aos poupadores pelo menos 6,17% ao ano, se a TR for a zero, vão cobrar dos compradores da casa própria juros acima dos 10% ao ano, para cobrir custos, risco de inadimplência e margem de lucro. Ora, mais de 10%, em financiamentos de 25 anos, é uma barbaridade de caro.

De novo, temos aqui um excesso de regulação, impedindo a redução dos juros dos compradores de casas, limitando assim o crescimento de um setor de importância econômica e social.

Qual o problema com a Infraero? O de ser uma estatal utilizada pelo governo e pelos políticos para empregar amigos e companheiros, os quais, de sua vez, devem, entre outras coisas, arranjar verbas para campanha eleitoral com os fornecedores da Infraero. Para tornar a empresa mais eficiente e livre dessas influências, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, pretende abrir o capital da empresa aos investidores privados, assim como entregar à iniciativa privada a administração de aeroportos importantes.

Temos aqui, portanto, um caso de excesso de estatização.
Qual o problema que atrasa a ajuda às populações atingidas pelas enchentes e pela seca? Excesso de burocracia, que bloqueia a rápida liberação de recursos federais.

De novo, temos aqui excesso de regras — e regras ruins.

Qual o problema com o Senado? Excesso de funcionários, falta de eficiência. Ou seja, Estado demais.

Basta isso, um olhar mais atento para os acontecimentos do dia, para se verificar como não se aplicam ao Brasil as lições que muita gente pretende tirar da crise financeira iniciada nos países ricos.

Nesta semana mesmo, Lula andou dizendo que a crise acabou com “essa balela do mercado” e legitimou de vez o gasto público e a ampliação do controle da economia pelo Estado.

Mas essa é a balela. Nos Estados Unidos, o sistema financeiro passou dos limites porque era pouco regulado e fiscalizado. Arriscou demais, emprestou demais, com juros baixos por um período muito longo. Com a bolha imobiliária, o crédito para a compra da casa própria chegou a US$ 12 trilhões, ou 86% do Produto Interno Bruto.

No Brasil, o sistema financeiro, superregulado, com limites estreitos à sua atuação, pagando impostos elevados, simplesmente emprestou pouco a juros altos. O crédito imobiliário mal chega aos ridículos 3% do PIB.

Claramente, no Brasil, precisamos de menos regulação. Os juros das aplicações financeiras precisam ser flutuantes, os bancos devem ter mais liberdade de captação e aplicação.

Países como a China estão aumentando impostos para elevar o gasto público. Mas são países com carga tributária abaixo dos 25% do PIB. O Brasil, com seus 40% de carga, precisa, ao contrário, reduzir impostos.

E o governo brasileiro precisa, sim, reduzir seus gastos e melhorar seu desempenho. Ou alguém acha que está certo o governo federal gastar, no primeiro trimestre deste ano, R$ 51,4 bilhões com previdência, R$ 38,8 bilhões com pessoal, R$ 32,6 bilhões com custeio e ridículos R$ 4,4 bilhões com investimentos?

O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz disse nesta semana, em São Paulo, que o “Consenso de Washington não funcionou nem em Washington”.

É uma boa discussão, mas aqui funcionou. O Brasil, como todos reconhecem, resiste bem à crise porque introduziu nos últimos 14 anos muitos pontos do Consenso: austeridade fiscal, câmbio, inflação dominada com o regime de metas com BC independente, abertura no comércio externo, privatização de setores que impulsionaram o crescimento, como mineração, siderurgia, telecomunicações etc.

Onde o Brasil falhou — sistema financeiro que empresta pouco, infraestrutura precária, educação deficiente mdash;foi ali onde domina o Estado e sua regulação excessiva.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.

Monstros tristonhos

Tatiana de Oliveira teve sua matrícula cancelada na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) menos de um mês após o início do curso de pedagogia, no qual ingressou por meio do sistema de cota racial. A instituição inscreve candidatos cotistas com base na autodeclaração de cor/raça negra, mas depois, com base numa entrevista, pode rejeitar a matrícula. O pai da estudante se define como “pardo” e o avô paterno, como “preto”, mas uma comissão da UFSM que funciona como tribunal racial pespegoulhe o rótulo de “branca”.

Juan Felipe Gomez, cotista ingressante na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), conheceu sorte similar. A instituição impugnou sua declaração racial recusando uma declaração cartorial na qual a mãe do jovem se identificou como “parda” e “afrodescendente”, uma certidão de nascimento que identifica a avó materna de Juan como “negra” e um prontuário civil em que a mãe é classificada como “parda”. Ele não está só: na UFSCAR, um quarto dos candidatos aprovados por meio do sistema de cotas raciais neste ano tiveram suas matrículas canceladas em virtude de impugnações do tribunal racial.

Segundo a lenda divulgada pelos arautos da doutrina racialista, a “raça negra” é constituída pela soma dos que se declaram censitariamente “pretos” com os que se declaram “pardos”. Em tese, o sistema de cotas raciais está destinado a esses dois grupos. Então, por que os tribunais raciais instalados nas universidades impugnam mestiços como Tatiana, Juan e tantos outros? A resposta encontra-se na introdução de um livro de Eneida dos Reis devotado a investigar o lugar social do mulato. O autor da introdução é o antropólogo Kabengele Munanga, professor titular na USP e um dos ícones do projeto de racialização oficial do Brasil.

Eis o que ele escreveu: “Os chamados mulatos têm seu patrimônio genético formado pela combinação dos cromossomos de ‘branco’ e de ‘negro’, o que faz deles seres naturalmente ambivalentes, ou seja, a simbiose (...) do ‘branco’ e do ‘negro’. (...) os mestiços são parcialmente negros, mas não o são totalmente por causa do sangue ou das gotas de sangue do branco que carregam. Os mestiços são também brancos, mas o são apenas parcialmente por causa do sangue do negro que carregam.”

O charlatanismo acadêmico está à solta. Cromossomos raciais? Sangue do branco? Sangue do negro? Seres naturalmente ambivalentes? Munanga quer dizer seres monstruosos? Do ponto mais alto da carreira universitária, o antropólogo professa a crença do “racismo científico”, velha de mais de um século, na existência biológica de raças humanas, vestindoa curiosamente numa linguagem decalcada da ciência genética. Mas ele vai adiante, saltando dos domínios da biologia para os da engenharia social: “Se no plano biológico, a ambiguidade dos mulatos é uma fatalidade da qual não podem escapar, no plano social e políticoideológico eles não podem permanecer (...) ‘branco’ e ‘negro’; não podem se colocar numa posição de indiferença ou de neutralidade quanto a conflitos latentes ou reais que existem entre os dois grupos, aos quais pertencem, biológica e/ou etnicamente.” É o horror — científico, acadêmico e moral. Mas, desgraçadamente, nessas frases abomináveis, que representam um cancelamento do conceito de cidadania, está delineada uma visão de mundo e exposto um plano de ação. De acordo com elas, a mola propulsora da História é o conflito racial e, no Brasil, para que a História avance, é preciso suprimir a mestiçagem, propiciando um embate direto entre as duas raças polares em conflito.

O imperativo da supressão da mestiçagem exige que os mestiços — esses monstros tristonhos condenados pela sua natureza à ambivalência — façam uma escolha política, decidindo se querem ser “brancos” ou “negros” no novo mundo organizado pelo mito da raça.

No veredicto do Grande Inquisidor que ocupa o cargo de reitor da UFSM, Tatiana foi declarada “branca” pois, em audiência diante de um tribunal racial, ela não testemunhou ser vítima de discriminação racial. A estudante, tanto quanto Juan Felipe e os demais rejeitados pelo Brasil afora, teve cassado o direito à autodeclaração de cor/raça por um punhado de inquisidores, que são professores racialistas e militantes de ONGs do movimento negro. Mas, antes disso, essa turma tomou de assalto as chaves de acesso ao ensino superior e, desafiando as normas constitucionais, cassou o direito de centenas de milhares de jovens da cor “errada” de ingressar na universidade pelo mérito demonstrado em exames objetivos. A massa dos sem direito é formada por estudantes de alta, média ou baixa renda, com diferentes tons de pele, que compartilham o azar de não funcionarem como símbolos úteis para uma ideologia.

Esquece-se com frequência que a pedra fundamental dos Estados baseados no princípio da raça é a proibição legal da miscigenação. A Lei Antimiscigenação da Virgínia, de 1924, que sintetizava o sentido geral da legislação segregacionista nos EUA, definiu como “negro” todos que tinham uma gota de “sangue negro”. A Lei para a Proteção do Sangue Germânico, de 1935, na Alemanha nazista, criminalizava casamentos e relações sexuais entre judeus e arianos. A Lei de Proibição de Casamentos Mistos, de 1949, na África do Sul do apartheid, proibiu uniões e relações sexuais entre brancos e não brancos. Raça é um empreendimento de higiene social: a busca da pureza.

Mestiçagem se faz na cama e na cultura. É troca entre corpos e intercâmbio de ideias. Os arautos brasileiros do mito da raça talvez gostassem de ter uma lei antimiscigenação, mas concentramse na missão mais realista de higienizar as mentes, expurgando de nossa consciência a imagem de uma nação misturada. Cada um dos jovens mestiços pré-universitários terá que optar entre as alternativas inapeláveis de ser “branco” ou ser “negro”. Para isso, e nada mais, servem as cotas raciais.

DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP.

'Querem silenciar as denúncias de corrupção'

O Globo - Dono da TV Globovisión diz que fechamento da emissora 'terminaria definitivamente com o disfarce'

ENTREVISTA Alberto Ravell

Depois dos ataques ao prefeito de Maracaibo, Manuel Rosales, atualmente asilado no Peru, o governo do presidente venezuelano Hugo Chávez decidiu utilizar toda sua artilharia contra o jornalista Alberto Ravell, dono do canal de TV Globovisión. Em entrevista ao GLOBO, por telefone, o jornalista afirmou que o fechamento de seu meio de comunicação “terminaria definitivamente com o disfarce”: “Seríamos uma ditadura assumida”.

Janaína Figueiredo - Correspondente • BUENOS AIRES

O GLOBO: O senhor espera uma medida iminente contra o canal? ALBERTO RAVELL: Domingo passado o presidente praticamente sentenciou o fechamento do canal. Temos três processos abertos (na Comissão Nacional de Telecomunicações) e se dois deles forem executados perderíamos a concessão. Isso significaria que perderíamos nossa concessão por dar um furo, por ter informado, de forma responsável e veraz, o acontecimento de um terremoto em Caracas.

Meia hora depois de ocorrido o terremoto, o governo ainda não havia informado nada sobre o assunto. As pessoas estavam nas ruas, sem informação, e nós informamos ao país a verdade e criticamos os meios de comunicação do governo por não terem informado corretamente. Isso provocou a fúria do governo.

Chegaram a dizer que estávamos nos apropriando das funções do ministro da Informação. Somos jornalistas, uma notícia não pode esperar um pronunciamento do governo.

A disputa entre o governo e a Globovisión não é de hoje...
RAVELL:
O que eles estão querendo é silenciar nossas denúncias de corrupção. Denunciamos o filho do ex-vice-presidente, José Vicente Rangel. A disputa não é de hoje, mas agora o governo decidiu radicalizar. O presidente já disse que a propriedade privada não existe mais em nosso país. A Assembleia Nacional está aprovando todas as leis que foram rechaçadas nas urnas (no referendo). Governadores opositores não conseguem governar.

Vivemos uma ditadura disfarçada de democracia. O fechamento de nosso meio de comunicação terminaria definitivamente com o disfarce, seríamos uma ditadura assumida.

O fim da concessão da RCTV prejudicou bastante a imagem do governo Chávez, sobretudo no exterior. RAVELL: Espero que o governo esteja meditando suas decisões, porque, de fato, o fim da RCTV custou caro a Chávez. Gostaria de aproveitar esta entrevista para fazer um apelo ao presidente Lula. Peço a ele que dê bons conselhos a nosso presidente, seu pupilo. (Lula) Peça a ele (Chávez) que respeite a liberdade de expressão.

Quais foram as outras duas denúncias contra o canal? RAVELL: Em uma, um jornalista nosso comparou o presidente Chávez a Mussolini. Na outra, nas eleições regionais de 2008, transmitimos uma entrevista com o governador (opositor) de Carabobo na qual ele confirmou seu triunfo, que até então não havia sido informado pelas autoridades.

Nos últimos anos, o canal foi um importante protagonista político no país. Isso é o que mais incomoda o governo?

RAVELL: Globovisión não é um partido político, é um canal que critica o governo do presidente Chávez, mas que também abre espaço para os chavistas que decidem fazer alguma denúncia e não encontram espaço em canais estatais. Não nego que este canal se oponha ao governo, mas nunca atuamos como delinquentes.

O presidente já nos chamou de conspiradores, magnicidas, lacaios. O presidente é militar e pretende nos impor uma linha editorial, e isso não podemos tolerar. Não vamos ficar de joelhos nem mudar nossa linha editorial.

O senhor nunca manteve um diálogo com Chávez? RAVELL: Claro que sim, em outras épocas nos encontramos e discutimos. Ele ouve tudo o que você tem para dizer, não interrompe e anota num caderninho que depois deve jogar no lixo.

Chávez está convencido que o canal, como outros, foi cúmplice do golpe de 2002.
RAVELL:
Não fomos cúmplices de nenhum golpe e sim perdoamos o fato de que o presidente deu um golpe em 1992. A democracia venezuelana o indultou e lhe permitiu chegar à Presidência através das urnas.

Em abril de 2002, após o golpe, vários canais evitaram dar informação e optaram por transmitir desenhos animados e programas de culinária...
RAVELL:
Mas veja bem: ele se queixa porque naquele dia não transmitimos informações, numa circunstância muito delicada para nosso país, e agora pretende fechar nosso canal porque informamos um terremoto!

 

Nova investida contra rádios e TVs

Governo anuncia inspeções em emissoras após ameaça de fechar a Globovisión

BUENOS AIRES. Dois dias depois de o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ter criticado duramente donos de importantes meios de comunicação do país, o governo informou que iniciará um processo de inspeções a rádios e canais de TV locais.

A medida, que será executada pela Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), foi publicada ontem na “Gaceta Oficial” (o diário oficial venezuelano). De acordo com a resolução, um grupo de funcionários da Conatel “verificará a instalação, operação e prestação de serviços” e solicitará às empresas “as informações que considerar necessárias”. Poderá, ainda, solicitar “o auxílio de qualquer força pública” para realizar os procedimentos.

Domingo passado, o presidente antecipou aos donos de meios de comunicação privados que eles poderiam ter “uma surpresinha a qualquer momento”.

- Não se enganem, estão brincando com fogo — declarou Chávez, que atacou especialmente o dono da Globovisión, Alberto Ravell, um dos principais canais de notícias do país.
Atualmente, a Globovisión enfrenta três processos na Conatel por diferentes acusações feitas pelo governo. A última delas foi por ter informado sobre um terremoto em Caracas, antes de as autoridades chavistas terem se pronunciado sobre o assunto. A denúncia foi considerada ridícula por Ravell, um dos empresários de comunicações mais odiados pelo presidente.

— Esta é a primeira vez que um presidente ordena punir um meio de comunicação por informar primeiro. Falei (sobre o terremoto) porque sou jornalista, porque era meu dever e porque se tratava de uma informação precisa e veraz — alegou o dono do canal.

A Globovisión nunca escondeu seu perfil opositor e nas diversas campanhas eleitorais venezuelanas manifestou publicamente seu repúdio ao governo chavista.

Segundo o governo, o canal foi cúmplice do golpe de Estado de abril de 2002, já que durante as 48 horas em que Chávez esteve preso transmitiu programas de culinária e desenhos animados.

Segundo Ravell, a Globovisión “é uma pedrinha no sapato de Chávez, porque é o único canal que diz verdades”:

— Mas não somos um partido político, nossa missão é informar.

Domingo passado, o presidente afirmou que Ravell é “um louco com esse canhão que vai acabar”, ou ele deixaria de se chamar Hugo Rafael Chávez Frias. As ameaças do presidente foram levadas a sério pelo canal de TV e pela maioria dos jornalistas venezuelanos, que considera muito provável a adoção de alguma medida para silenciar definitivamente a Globovisión, como ocorreu com a Rádio Caracas Televisión (RCTV). (Janaína Figueiredo)

O chavismo radical em marcha

Presidente quer lei que permita ao governo nacionalizar qualquer propriedade ou serviço

Janaína Figueiredo 
Correspondente • BUENOS AIRES

Depois de ter expropriado total ou parcialmente 60 empresas do setor petrolífero que operam no Lago de Maracaibo, assumindo o controle de 90% de suas operações, e dez mil hectares no estado de Barinas (terra natal do presidente Hugo Chávez), o governo venezuelano pretende apresentar este mês um projeto de Lei de Propriedade Social na Assembleia Nacional (o Congresso venezuelano), que possibilitará ao Executivo “declarar propriedade social bens e serviços de origem pública ou privada, considerados necessários para o desenvolvimento da economia socialista”. Segundo analistas locais ouvidos pelo GLOBO, depois de ter vencido o referendo sobre seu projeto de reeleição indefinida, em fevereiro, o venezuelano iniciou uma nova ofensiva revolucionária que deverá radicalizar-se nos próximos meses.

— Chávez não pode perder tempo, por dois motivos: a crise econômica é grave e está criando sérios problemas fiscais para seu governo, e no ano que vem teremos eleições legislativas, que deverão pôr fim à maioria hegemônica do chavismo no Congresso — explicou José Vicente Carrasquero, professor da Universidade Simón Bolívar de Caracas, por telefone.

Segundo ele, “o presidente está com sérios problemas fiscais (estima-se que a estatal Petróleos da Venezuela, a PDVSA, devia cerca de US$ 4 bilhões às empresas expropriadas, que eram suas fornecedoras), sabe que terá menos recursos para favorecer os setores populares e que tem grandes chances de perder a maioria no Congresso”.

— Aqui já não se fala em socialismo do século XXI, é socialismo e ponto. Chávez quer um Estado gigantesco, com forte intervenção na produção e com um governo com ampla capacidade de decisão — assegurou Carrasquero.

O projeto de Lei de Propriedade Social foi elaborado pelo deputado chavista Ulises Daal, e agora está na Comissão de Participação Cidadã do Congresso. De acordo com o deputado opositor Juan José Molina, do partido Podemos (integrado por oito congressistas opositores, os únicos do Congresso venezuelano), “a ideia do governo é apresentá-lo até o fim deste mês”.

— Quando o governo decidir, o projeto será aprovado. É um absurdo, porque a essência deste projeto estava na proposta de reforma constitucional que foi derrotada nas urnas, no referendo de dezembro de 2007 — lamentou Molina.

Para ele, “embalado pela vitória de fevereiro, Chávez está impondo à força um modelo socialista que milhões de venezuelanos rechaçam”.

O projeto redigido por Daal estabelece, por exemplo, que o Executivo poderá assumir o controle de qualquer bem ou serviço e declará-lo propriedade social “quando for estabelecido que sua atividade produtiva não está orientada a satisfazer as necessidades reais da população ou não está de acordo com os interesses nacionais e o modelo social e produtivo”.

— Mais uma vez, o governo vai passar por cima da Constituição e da vontade da maioria de nosso povo — enfatizou o deputado do Podemos, partido liderado por Ismael Garcia.

Industriais temem fim da propriedade privada

A nova ofensiva chavista foi questionada ontem pela Conindustria (Confederação Venezuelana de Industriais). Em nota oficial, o presidente da federação, Eduardo Gómez Sigala, assegurou que o governo está “eliminando a propriedade privada no país”. Semana passada, quando anunciou a expropriação de mais de 10 mil hectares em Barinas, Chávez declarou que “não há terra privada. Podem existir ocupantes, produtores, mas, se não estão produzindo bem, perdem o direito a explorá-la”.

Os empresários venezuelanos estão assustados. Depois de dez anos de governo chavista, muitos homens de negócios, produtores agropecuaristas e industriais acreditam que a vitória no referendo de fevereiro marcou o início de uma etapa muito mais agressiva de Chávez.

— Estamos vivendo a fase de consolidação de um modelo autoritário, nos moldes do modelo cubano. A lei de Propriedade Social permitirá ao governo declarar qualquer coisa como algo de interesse público — argumentou Victor Maldonado, professor da Universidade Católica e diretor da Câmara de Comércio de Caracas.

Para ele, “Chávez quer ampliar seu poder enquanto ainda pode, para evitar qualquer possibilidade de alternância no futuro”.

Enquanto ainda restam recursos para alimentar sua base de apoio, o governo chavista tenta conter o clima de insatisfação que predomina no país. Ontem, o ministro da Educação, Héctor Navarro, anunciou um reajuste salarial de 30% para os professores dos ensinos fundamental e médio. Segundo o ministro, a medida busca fortalecer o modelo de “educação socialista” no país.