sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Onda nacionalista frustra planos espanhóis na América Latina

Thomas Catan e John Lyons
The Wall Street Journal, de Madri e São Paulo

Nos últimos anos, empresas espanholas despejaram dinheiro na América Latina. Elas compraram na região, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, empresas de serviços públicos, companhias aéreas e outros negócios privatizados em leilões governamentais.

Mas algumas dessas apostas azedaram, agora que vários governos populistas latino-americanos estão criticando os "neo-conquistadores" e expropriando seus negócios.

Ontem, a Câmara argentina aprovou um projeto de lei do governo para estatizar duas linhas aéreas pertencentes ao maior grupo do ramo na Espanha, o Grupo Marsans SA. A Argentina quer pagar à Marsans apenas 1 peso (30 centavos de dólar) pela Aerolíneas Argentinas SA e uma empresa aérea menor, a Austral. A lei agora vai a votação no Senado.

"O governo argentino está nos perseguindo", diz Vicente Muñoz, diretor corporativo da Marsans.

A Marsans não é a única empresa espanhola a ser expropriada por governos populistas. A grande petrolífera Repsol YPF SA, o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA (BBVA) e o Banco Santander SA tiveram seus ativos nacionalizados, ou seus contratos rescindidos, na Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador.

Essa reviravolta da sorte — que fez o Santander e outras empresas recuarem para países latino-americanos com melhores perspectivas econômicas — demonstra uma importante mudança na região. Não faz muito tempo, os problemas econômicos ou políticos de um país latino-americano não atingiam os negócios nos países vizinhos. Agora, porém, os investidores estrangeiros estão mais astutos. Eles têm evitado países que defendem a intervenção estatal na economia e investido em outros mais pró-mercado. Quase 80% dos US$ 106 bilhões em investimentos estrangeiros diretos na região em 2007 — uma soma recorde — foram investidos em países com políticas favoráveis às empresas: Brasil, México, Chile e Colômbia.

As empresas espanholas não são as únicas atingidas. Mas elas têm protagonizado um grande número de choques com governos nacionalistas.

No mês passado o governo argentino tomou US$ 23 bilhões em fundos privados de pensão de vários bancos, inclusive o BBVA. O presidente venezuelano Hugo Chávez nacionalizou os negócios do Santander no país. A Repsol foi obrigada a refazer contratos, com termos menos favoráveis, na Venezuela, Bolívia e Equador — no caso da Bolívia, isso ocorreu depois que suas instalações de gás natural foram cercadas por tropas do exército.

Com dois terços de sua produção global e metade de suas reservas de energia vindas da Argentina, a Repsol é a mais exposta ao risco representado pela América Latina. A firma está tentando se livrar daquilo que os analistas chamam de "a pedra da Argentina amarrada ao seu pescoço" — a percepção de que a Argentina possa expropriar a petrolífera YPF, ex-estatal, que foi vendida para a Repsol há dez anos.

Na tentativa de se proteger, a Repsol isolou o seus investimentos na América Latina em uma entidade separada, e vendeu parte dela a um banqueiro argentino com estreitos vínculos com a presidente Cristina Kirchner e seu marido, o ex-presidente Néstor.

A Aerolíneas Argentinas tem tido muitos problemas. Depois de passar boa parte da sua existência como estatal, em 1990 ela foi privatizada e vendida à espanhola Ibéria.

As relações entre os funcionários da empresa e os investidores espanhóis sempre foram turbulentas, e a empresa aérea acabou pedindo concordata no início de 2001. Naquele ano a espanhola Marsans assumiu o controle da Aerolíneas, com o compromisso de investir US$ 50 milhões. Nos cinco anos seguintes, a Aerolíneas gradualmente melhorou sua posição, apresentando lucros três anos seguidos.

No fim de 2005, porém, as relações entre a Marsans e a equipe da Aerolíneas se deterioraram. Funcionários e líderes sindicais acusaram a Marsans de não cumprir seus compromissos financeiros. Os que apoiavam a Marsans acusaram o governo de sabotar a empresa aérea. O governo fixou preços, apoiou aumentos salariais e obrigou a empresa a manter vôos em rotas não lucrativas, dificultando assim a possibilidade de um balanço positivo.

Entre 2002 e 2008, segundo Muñoz, da Marsans, o custo dos combustíveis subiu 300%, os salários mais de 200% e os impostos, 500%. Ao mesmo tempo, o governo lhe permitiu elevar as tarifas em apenas 20%

Assim, em julho, a Marsans aceitou que o governo assumisse o controle da Aerolíneas, iniciando um período de 60 dias para negociar os termos. No entanto, não se chegou a um acordo. O Credit Suisse, que prestava consultoria à Marsans, avaliou a empresa inteira — que incluía a Aerolíneas e a Austral — entre US$ 330 e US$ 510 milhões. O governo argentino, porém, disse que empresa não valia nada, afirmando que carrega um fardo de US$ 833 milhões em dívidas.

Muñoz diz que nunca vai recomendar a outro executivo espanhol que invista na Argentina. "Nunca na vida. É loucura."

(Colaborou Daniel Michaels, de Bruxelas)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

¿Por qué Chávez necesita la enmienda ya?

Por Alejandro Peña Esclusa (*)

Muchos no se explican por qué, luego de las elecciones del 23N, Hugo Chávez se ha acelerado tanto, y de pronto propone, de manera abierta y sin tapujos, la reelección presidencial.

El proyecto de Chávez no cuenta con una estructura que lo respalde por motivaciones ideológicas o morales. La mayoría de sus seguidores los mueven razones económicas: los más pobres las misiones; los boli burgueses y la dirigencia del PSUV los contratos; y los aliados internacionales los cuantiosos aportes que Chávez le da, ya sea en forma de donaciones abiertas o ya sea en forma de maletines encubiertos.

Chávez está consciente de que el derrumbe del precio del petróleo pone en peligro su proyecto. Sabe muy bien que a mediados de año las reservas internacionales habrán disminuido sustancialmente y que el país estará encendido por los cuatro costados, no sólo por la disidencia política, sino sobre todo por la crisis económica y social.

Chávez necesita prepararse desde ahora para ese momento, atornillándose en el poder con la enmienda constitucional. Si bien es cierto que la enmienda le asegura su reelección indefinida, también le proporciona algo igualmente importante: una excusa para imponer, de una vez por todas, el Socialismo del Siglo XXI .

Chávez dirá que el pueblo le ha dado un mandato para gobernar sin límites y sin condicionamientos. Interpretará la enmienda como una patente de corso para destituir a alcaldes y gobernadores de oposición, para aprobar leyes totalitarias, para cerrar todos los medios de comunicación adversos, y para encarcelar a sus críticos.

En resumen, la enmienda le prepara el camino para poder gobernar como un tirano, y para poner en práctica una represión feroz, justo cuando la crisis económica arrecie.

Por eso, la batalla para evitar la enmienda no es una escaramuza más, sino que define el resultado de la guerra. De esta batalla depende el futuro de la democracia y de la libertad, no sólo de Venezuela, sino de América Latina, porque los clones de Chávez, como Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega y Mauricio Funes, dependen directamente de su permanencia en el poder.

Es de vital importancia que la oposición no se plantee la enmienda como una elección más, sino como un golpe de Estado; en primer lugar, porque ya fue rechazada por el voto popular; y en segundo lugar, porque busca acabar con los pocos espacios democráticos que todavía quedan.

Una situación tan grave como la que está planteada, requiere de un esfuerzo muy superior al de una elección. Por eso, no es suficiente el consenso de los partidos políticos. Hace falta la participación y coordinación de todos los sectores democráticos del país.

(*) Fonte: http://www.fuerzasolidaria.org/WebFS/Escritos/PorQueChavezNecesitaLaEnmiendaYa.html

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Cartas dos leitores do Globo sobre indenizações nas favelas

O Globo, 2 de dezembro de 2008

Governador, presidente, já que estão pagando R$ 100 mil por imóveis em favelas do Rio, quero vender minha casa para o governo do estado. Se não, peço humildemente que mandem uma fatia desse PAC para a Região Oceânica de Niterói, pois aqui asfalto não há, isto é, somente no papel e nas promessas, não é, prefeito? Águas pluviais? Em dias de chuva só de barco ou jipe. Esgoto? Sim, temos valas negras a céu aberto, sem falar na dengue. Por que não saio daqui? Não tenho para onde ir, senhores. Todas as economias, conseguidas com muito suor e esforço, que sobraram depois de pagar tantos impostos, foram para comprar esse imóvel, que vai se desvalorizando a cada dia diante de todo esse descaso. E, ao contrário da população geologicamente verticalizada, eu pago luz (inclusive pelos “gatos” dessas comunidades), além de água e muitos, mas muitos impostos.
ANDRÉ FLAUZINO (por e-mail, 1/12), Niterói, RJ

Quer dizer que, após invadir um morro, destruir a vegetação nativa, pôr em risco a população e a cidade, o cidadão receberá R$ 100 mil de indenização e ainda continuará morando no morro? - CELSO FREDERICO FREITAS (por e-mail, 1/12), Rio

Moro num apartamento próprio, pago condomínio, luz, gás, telefone, internet banda larga, TV a cabo, IPTU. Com esse governo generoso assim, tão bonzinho, acho que vou abandonar meu apartamento e morar numa “comunidade” — esse é o nome que se dá à favela. Quem sabe não arranjo R$ 100 mil pelo meu barraco? E com a vantagem de lá não ter nenhuma despesa. - JOÃO SEBASTIÃO DE ALMEIDA (por e-mail, 1/12), Rio

É inadmissível que o estado pague indenizações para os moradores dos morros no valor de R$ 100 mil e R$ 60 mil. Eles estão morando em algo que não é deles, compram de alguém que se diz dono, ocupam ilegalmente, possuem escritura de mentirinha e, como recompensa por todos os abusos feitos — e para o estado conseguir algo que é seu de fato — ganharão indenizações mirabolantes e abusivas. O estado é conivente, é impotente com as farras das construções clandestinas e desastroso ao gastar dinheiro do contribuinte. - TERESA ABREU DE ALMEIDA (por e-mail, 1/12), Rio

O valioso m² das favelas

Estado e União pagam até R$ 100 mil por imóveis em comunidades com obras do PAC

Ruben Berta (O Globo, 2/12/2008, pag. 8)

Os primeiros números das indenizações pagas pelo estado e pela União aos moradores de imóveis afetados pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em favelas cariocas dão uma idéia de como o mercado imobiliário pode ser rentável nessas comunidades.

No Complexo do Alemão, por exemplo, o dono de uma residência de 160 metros quadrados recebeu R$ 62 mil. Na Rocinha, foram desembolsados R$ 56,7 mil dos cofres públicos por uma casa de três pavimentos, onde estava em pleno andamento o acréscimo de mais um andar.

Os imóveis estão sendo desapropriados para dar lugar a obras de benfeitorias previstas no PAC. Aos proprietários, são oferecidas três opções: a indenização, a compra de um outro imóvel com auxílio do estado ou uma nova residência a ser construída pelo poder público na própria comunidade. Quem escolhe a última opção tem uma ajuda de custo para pagamento de aluguel até as obras serem concluídas. O valor mensal varia de R$ 250 a R$ 375. Já os inquilinos de imóveis desapropriados recebem R$ 250 por três meses.

Com as indenizações do PAC, existem até casos de pessoas que trocam a favela por um imóvel no asfalto. No Morro do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, por exemplo, um morador, que pediu para não ser identificado, recebeu cerca de R$ 100 mil por um prédio que tinha há mais de 20 anos. Pela residência onde morava, de 98 metros quadrados, ganhou R$ 53 mil.

Atualmente, ele está morando de aluguel num prédio na Zona Norte e estuda onde vai comprar um apartamento: — Se eu morasse sozinho, não me importaria de continuar na comunidade, mas tenho esposa e um filho adolescente. Por isso, preferi sair.

Morava numa casa grande, com dois quartos. Agora, se quiser continuar em Copacabana, vou ter que me mudar para um “apertamento” para morar no asfalto.

Morador trocou favela por asfalto

O ex-morador do Pavão-Pavãozinho admite que passou boa parte da sua vida na comunidade por causa de vantagens de que não poderia usufruir no asfalto: — Lá, eu não pagava IPTU, nem condomínio, só as taxas mínimas de água e energia. E ainda tinha o aluguel que recebia de outras quatro pessoas no prédio. Mas estou me adaptando e estamos conseguindo pagar as contas no prédio em que estamos morando.

No complexo de favelas que reúne o Pavão-Pavãozinho e o Morro do Cantagalo, em Ipanema, até agora a maioria dos moradores optou por continuar na comunidade, nos prédios que estão sendo construídos em parceria entre estado e União. Dos 110 proprietários, 73 (66%) escolheram esta opção. Outros 36 optaram pela indenização, enquanto apenas um realizou a compra assistida.

O quadro, no entanto, varia de acordo com a comunidade. Na Rocinha, por exemplo, 90% optaram pela indenização. No Alemão, 36,7% escolheram o ressarcimento. A compra assistida veio em seguida, com 29,3%. Já em Manguinhos, a realocação para uma unidade a ser construída na própria favela encabeça as preferências, com 82,6%.

No Pavão-Pavãozinho, a coordenação das obras está a cargo da Companhia Estadual de Habitação (Cehab).

Eduardo Mendes, diretor de Operações Imobiliárias da empresa pública, contou que as negociações em torno do valor do imóvel são intensas. Em 50% a 60% dos casos, os proprietários pedem uma reavaliação.

— Nesses casos, convidamos o morador e discutimos o valor. Se as razões forem plausíveis, mandamos os técnicos a campo para verificar questões de metragem e benfeitorias.
Não somos perfeitos. Às vezes, temos que admitir que o valor que demos estava errado — disse Mendes.

Para a avaliação, o estado obedece a um decreto publicado em janeiro com a tabela de uma série de benfeitorias, como telhados, lajes e padrão de acabamento. Se há casos de imóveis que passam de R$ 60 mil, também há outros de valor baixo, como um cômodo de madeira de oito metros quadrados na Rocinha, usado como garagem, de R$ 400.

O vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Rubem Vasconcelos, disse que, apesar de alguns valores altos de indenização, o poder público está acertando ao tomar a atitude de fazer intervenções nas favelas.

— É preciso tomar a decisão e fazer — comentou Rubem, acrescentando que, com R$ 60 mil, seria possível comprar um imóvel em área regular em regiões mais distantes, como a Zona Oeste e a Baixada Fluminense.

Luiz Cesar de Queiroz, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ, afirma que, do ponto de vista formal, é um contra-senso o estado pagar por um imóvel que está numa área irregular. Mas ele acrescenta que é preciso levar em conta o fator social: — Essa realidade, mesmo ilegal, tem uma legitimidade social que obriga o estado a agir com essa ambigüidade.
Pode ser ilegal, mas é socialmente legítimo.

COLABOROU: Cláudio Motta

Para pior

Editorial - O Globo - 2 de dezembro de 2008 - pag.6

Poderia ser enredo de ficção política, pois não é sempre que um governo gasta dinheiro do contribuinte a favor de um outro Estado, para que este contrarie interesses do país. É o que o governo Lula fez, conforme revelou O GLOBO, ao ceder ao Equador a funcionária da Receita Federal Maria Lúcia Fatorelli, para que ela ajudasse numa auditoria na dívida externa, de que resultaria o calote de quase meio bilhão de dólares dado no BNDES.

À custa do contribuinte, o governo permitiu que o presidente equatoriano, Rafael Correa, buscasse alguma fundamentação “técnica” para dar um calote no Brasil, cuja conta cairá também sobre o Erário.

É mais uma das inúmeras ambigüidades do governo Lula ditadas por desvios ideológicos. Ora, a tal “auditoria” na dívida externa é bandeira antiga desfraldada no PT por correntes partidárias mais radicalmente anticapitalistas e autoritárias.

Tanto que, por pressão desses grupos, o assunto foi incluído na Constituição de 88, indo fazer parte de um entulho de artigos inexeqüíveis e, por isso, jamais regulamentados.
Como o do tabelamento dos juros.

Tendo os espaços reduzidos para agir depois que o PT chegou ao poder em Brasília e precisou engavetar propostas irreais para o país, alguns defensores da tese migraram para legendas mais à esquerda, como o PSOL. E, descobre-se agora, graças à reportagem, que essa militância passou a atuar na assessoria de governos como o de Correa, contra interesses do Brasil, e, mais grave, com apoio do próprio governo brasileiro, como ocorreu com a funcionária da Receita Federal, e também ex-presidente da Unafisco, sindicato dos auditores fiscais, filiado à CUT Outro aspecto do caso é a cada vez mais visível estratégia de confrontação com o Brasil seguida por Equador, Bolívia e Paraguai, tendo por trás o “bolivariano” Hugo Chávez, que enxerga em Lula uma liderança concorrente. Por isso, Chávez tem funcionado sempre como um incentivador de ações contra o Brasil nesses países. Daí a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), em que Chávez e Fidel dão as cartas, ter emitido nota a favor do calote dado por Correa no Brasil, um gesto de agressão.

Brasília acertou ao elevar o tom de voz com o Equador e chamar de volta o embaixador para “consultas”, um estágio anterior ao rompimento de relações, como estabelecem os rituais da diplomacia. Mas, por causa da diplomacia de afinidades ideológicas, perdeu muito tempo, e hoje há o risco de o país sofrer um calote de até US$ 5 bilhões, e por parte de quem foi incensado por Lula como líderes que mudariam a história latino-americana.

Até poderá ser, mas para pior.

domingo, 30 de novembro de 2008

Uma ameaça de US$ 5 bilhões

Além do Equador, Brasil sofre risco de calote de Venezuela, Bolívia e Paraguai
José Casado
O Globo - 30 de novembro de 2008.


A decisão dos governos de Venezuela, Bolívia e Paraguai de realizar auditorias em suas dívidas externas, a exemplo do Equador, deixa o Brasil em uma situação singular — a de alvo político e financeiro preferencial na América do Sul.

Isso porque o país adotou na última década uma política agressiva de financiamento estatal às exportações de bens e de serviços de engenharia.

Em conseqüência, o crédito com aval do Tesouro brasileiro se tornou uma das mais importante fontes de recursos para os governos da região.

O BNDES, por exemplo, acumula mais de US$ 5 bilhões em empréstimos concedidos principalmente ao Equador, Venezuela, Bolívia e Paraguai.

Depois de uma auditoria nos contratos com o Brasil, o governo equatoriano anunciou o calote na dívida com o BNDES. Se concretizado, a conta será debitada no Tesouro, em Brasília — ou seja, vai ser paga pela sociedade brasileira.

Na sexta-feira, a Venezuela anunciou uma comissão de auditoria. O Paraguai fez outra, com foco na bilionária dívida assumida com o Brasil pela construção da usina hidrelétrica de Itaipu. “Isso tudo tem cheiro de desastre”, comentou um assessor da Presidência da República.

A linha de confronto aberta pelo Equador foi saudada como exemplar pelos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, na última quarta-feira.

Em nota, subscrita também por alguns governos da América Central, acenaram com “respostas concertadas” a quem agir “contra a vontade do Equador de impugnar os créditos que tenham lesionado a economia do país e seu estado de direito”.

O governo brasileiro sabia há mais de um ano que Correa preparava o anúncio de um calote na dívida externa.

E sabia, também, que no alvo estavam US$ 554 milhões em débitos do Equador com o Brasil. A maior parte (US$ 462 milhões) corresponde a financiamentos do BNDES para obras de infra-estrutura executadas pela empreiteira Odebrecht.

As evidências de preparação do calote ficaram visíveis em Quito 15 meses atrás. Numa terça-feira, 10 de julho de 2007, o Itamaraty recebeu um despacho confirmando a criação da comissão de auditoria da dívida.

Funcionária da Receita foi cedida

Correa cumpria, assim, uma das suas principais promessas feitas na campanha eleitoral de 2006. Economista de formação e político forjado no conservadorismo católico, vencera nas urnas a oligarquia local com o mantra político da “mudança”.

Ela começava no repúdio à dívida externa “ilegal” e “ilegítima”, ele , repetia quase diariamente.

Pelo decreto, foi criada uma comissão com o propósito de questionar “a legitimidade, legalidade, transparência, qualidade, eficácia e eficiência” de todos os contratos de endividamento público assinados nas últimas três décadas — ou seja, de 1976 até a véspera da posse de Correa, em janeiro de 2007. Eles representavam uma “permanente ameaça à soberania nacional”, justificou o presidente. O Estado equatoriano, acrescentou, submetia-se à “dependência cada vez mais rígida de governos estrangeiros e de instituições financeiras internacionais”.

O Equador devia US$ 1,3 bilhão a governos estrangeiros. O Brasil era o maior credor, dono de 40,3% do total de dívidas bilaterais, em 15 contratos avalizados pelo Tesouro.

Correa entregou o comando da comissão de auditoria ao Ministério da Economia e Finanças e nomeou 15 pessoas, sete funcionários equatorianos e seis “representantes internacionais”.

Entre esses destacava-se uma servidora pública federal do Brasil, Maria Lúcia Fatorelli Carneiro.

— Quando soube, meu nome já estava no decreto — ela conta.

Auditora da Receita Federal, ela presidira o influente Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Desde os anos 90, era voluntária em organizações não-governamentais dedicadas ao estudo da dívida externa brasileira. Escreveu um livro sobre o assunto e criou uma entidade em Brasília, a Dívida Cidadã, na qual militam simpatizantes do PT, do PSOL e do PSTU.

Em março deste ano, o governo Correa requisitou oficialmente os serviços da auditora da Receita:

— O ministro da Coordenação Política de lá pediu ao ministro (Guido) Mantega. Ele mobilizou a Receita.

Na edição de 9 de abril, o Diário Oficial da União estampou um despacho do então secretário da Receita, Jorge Rachid, cedendo ao Equador a auditora, com salários garantidos pelos cinco meses (de abril a setembro) de trabalho na comissão, em Quito. O governo brasileiro emprestou mão-de-obra, pagou o custo e, assim, ajudou o Equador a preparar o calote em uma dívida com o BNDES, avalizada pelo Tesouro Nacional.