sexta-feira, 10 de abril de 2009

A desistência do homem que enfrentava o MST

Pressões levam procurador Gilberto Thums a desistir de embate contra o movimento

Fonte: Carlos Etchichury e Vivian Eichler (Jornal Zero Hora-RS)

Isolado no Ministério Público, criticado pela Igreja, questionado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pelo governo federal, pressionado pelos movimentos sociais, o procurador Gilberto Thums jogou a toalha em sua cruzada contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O procurador anunciou a saída de cena após ser constrangido, na terça-feira, em uma audiência pública na Assembleia Legislativa com a presença de 200 filhos de sem-terra. Os estudantes estavam no parlamento gaúcho para tentar reverter o fechamento das escolas itinerantes em acampamentos do movimento – uma das vitórias que Thums havia obtido contra o MST.

Ao abraçar a causa contra o movimento, há nove meses, Thums não sabia, mas liderava o exército de um homem só. Abandonado, não resistiu às pressões de aliados de um movimento que ao longo das últimas três décadas arregimentou parceiros e amigos em diferentes setores da sociedade civil e do Estado brasileiro. Depois do encontro na Assembleia, Thums anunciou que se afasta de embates contra o movimento e admitiu que há possibilidade de rever o acordo que resultou na extinção das escolas.

Desde o ano passado, o Ministério Público gaúcho é pressionado por entidades ligadas à área de Direitos Humanos, sob a acusação de “criminalizar os movimentos sociais”. Uma comissão especial, formada no âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do governo federal, considerou “preocupante” e “grave” o tratamento dado ao MST no Estado.

Thums recebeu críticas de companheiros do MP

De Brasília, também partiram ataques da ouvidoria agrária nacional, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, que apresentou ao Conselho Nacional do Ministério Público um pedido de providências sobre a política de autuação do MP gaúcho em conflitos no campo. A justificativa do pedido calou fundo nos promotores e procuradores: o MP estaria afrontando os direitos fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana.

Na introdução da defesa, a procuradora de Justiça Irene Soares Quadros, que esteve em Brasília representando a instituição, disse que lamentava as circunstâncias da sua primeira oportunidade de comparecer ao órgão representando a procuradora-geral de Justiça, Simone Mariano da Rocha.

– O Ministério Público está sofrendo um desgaste porque os outros Estados não compreendem essa posição – diz Thums.

Entre os seus pares, as mais duras críticas partiram de promotores ligados às áreas dos Direitos Humanos e da Infância e da Juventude. Desde o início das ações contra o MST, em 2008, promotores das duas áreas temiam a contaminação ideológica em assuntos técnicos. O desconforto tornou-se insustentável após a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o governo do Estado, em fevereiro de 2009, sepultando as escolas itinerantes em acampamentos do MST.

– Não podiam ter feito um TAC sobre este assunto sem consultar os promotores da área da Infância e da Juventude. Não conversaram com os promotores, com os conselhos tutelares, com os integrantes dos acampamentos. Nada – diz um promotor ligado aos assuntos da infância.

Manifestações técnicas ajudaram a mudar posição

Há uma semana, o então coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude procurador Miguel Velasquez, e a promotora da Infância e da Juventude Synara Jacques Butelli enviaram um ofício para a procuradora-geral Simone Mariano da Rocha devolvendo o TAC. Na prática, a devolução indicava para a procuradora que, ao não participar da confecção do termo, os promotores não se sentiam confortáveis em executá-lo.

A pressão prosseguiu na Assembleia, na última terça-feira, em uma reunião da Comissão de Educação, presidida por Mano Changes – parlamentar do PP, sigla historicamente contrária ao MST. Em sua primeira manifestação no encontro, Thums condenou as escolas itinerantes e os sem-terra, definido por ele como um movimento “guerrilheiro”. Ao final, após ouvir manifestações de deputados e de técnicos, reconheceu que o TAC poderia ser revisado. Ao receber uma cópia do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) das mãos de uma criança, o sempre sério Thums esboçou um sorriso.

– Parecia que ele havia tirado um peso das costas. A sensação que fiquei é que ele percebeu a saia-justa que havia sido colocada para o MP e, ao aceitar que o TAC fosse revisto por uma comissão neutra, encontrou um jeito de sair de cena. Ele encontrou uma saída honrosa – relata a deputada Stela Farias (PT).

“Se estou sozinho, estou errado”
Entrevista: Gilberto Thums, PROCURADOR DE JUSTIÇA
Um dia depois de admitir a possibilidade de mudar a sua opinião a respeito do funcionamento das escolas itinerantes, o procurador Gilberto Thums conversou com Zero Hora e com a Rádio Gaúcha. A seguir, a síntese das entrevistas:

Pergunta – O que fez o senhor mudar de ideia em relação ao fechamento das escolas itinerantes?

Gilberto Thums – O problema é que no momento há um caldeirão fervendo. Existe pressão de todos os lados. Inclusive da área técnica do MEC dizendo que as escolas têm uma função importante e que existe a possibilidade de um ensino diferenciado. Dizendo que a visão do MP é radical e que estamos em conluio com o governo estadual. Achei de bom senso que uma comissão de promotores que são neutros, ligados à Infância e Juventude para que esse termo fosse revisto.

Pergunta – O que fez o senhor se sensibilizar e concordar em buscar um meio-termo?

Thums – Ouvi a fala da professora do Conselho Estadual de Educação, os discursos das deputadas (ambas do PT) Stela Farias e Marisa Formolo. A deputada Mariza disse que mais triste do que não ter educação de qualidade é não ter direito à educação. Essa frase para mim foi impactante. Fiquei bastante tempo pensando nela. Então, ninguém pode ser tão radical. Todo radicalismo extremado leva à irracionalidade.

Pergunta – Não é pior as crianças não frequentarem nenhuma escola?

Thums – Frequentar escola do MST e não frequentar nenhuma dá na mesma. Igual não há controle. Ninguém sabe quantos dias as crianças frequentam a escola, ninguém conhece o programa mínimo que ela recebe na escola. Honestamente, vai mudar muito pouco.

Pergunta – Por que o senhor está tirando o time de campo?

Thums – É uma posição suicida. É de extrema antipatia. Sou demonizado em todos os sites do mundo relacionados com o MST. Não tenho apoio do Ministério Público em geral no país inteiro. Então, se eu estou sozinho, estou chegando à conclusão de que estou errado. A pressão é muito forte.

Pergunta – Inclusive no Ministério Público?

Thums – Não, aqui eu tenho plena liberdade. O problema é que a minha posição é antipática, de grande desgaste da instituição.

Pergunta – Que pressões há sobre o Ministério Público?

Thums – O que mais me chocou foi, no final do ano, uma moção de repúdio pelo grupo de promotores ligados aos direitos humanos, afirmando que a atuação do MP estaria violando direitos. É claro que eles não sabem o que está se tratando.

Pergunta – O senhor decidiu se afastar por pedido da nova procuradora-geral?

Thums – Não, ela não me pediu nada. Mas meu comportamento tem a ver com o discurso da Simone, no sentido de apaziguamento. Estou sensibilizado pelo momento da administração do Ministério Público porque já são muitos os problemas.

Pergunta – Que pressões o senhor recebe de outras instituições?

Thums – Estou sendo minado por todos os lados. Sofro pressão até nas universidades, até dos intelectuais. Estou sendo demonizado em todos os sites da rede mundial, inclusive internacionais. Tenho de rever essas coisas. Uma pessoa não pode achar que só ela está certa e o mundo errado. De repente, então, estou errado. Coloquei meu nome no google e tem mais de 150 mil ocorrências, inclusive em sites religiosos. A minha fotografia é colocada ao lado de Hitler. São coisas que só me desgastam.

Pergunta – O senhor se sente ameaçado?

Thums – Estou recebendo muitos sinais fortes. Tudo que falo com as pessoas em off pelo telefone está sendo gravado. Recebo mensagens de voz com as gravações da minha própria conversa. Recebi cinco mensagens. Aconteceu também de uma pessoa jogar o carro contra mim enquanto estava fazendo as minhas corridas. Na hora, achei que fosse um louco. Depois que passou o susto, fiquei pensando a que se deve isso. Talvez eu esteja com paranoia, mas muitas coisas estão mudando na minha rotina diária.

Pergunta – O senhor imaginou que a sua sugestão de fechar as escolas traria tanto problema?

Thums – Eu imaginei que os pais matriculariam seus filhos em escolas públicas. A gente não avaliou o poder do movimento. O movimento é mais forte do que qualquer instituição. Eu não imaginaria que eles iriam mesmo enfrentar essa decisão. Tenho a impressão de que, no futuro, vão me dar razão, vão reconhecer que eu não era tão louco assim.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Chávez contorna Constituição e acua oposição

Derrotado no referendo de novembro, presidente da Venezuela usa Parlamento e Justiça para aumentar poderes
Janaína Figueiredo
Correspondente

BUENOS AIRES. Desde que venceu o referendo sobre seu projeto de reeleição indefinida, em 15 de fevereiro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, decidiu avançar numa perigosa ofensiva política e judicial contra seus opositores que, segundo importantes juristas do país, atenta contra a Constituição de 1999, aprovada no primeiro ano de gestão chavista.

Com a recente Lei de Centralização e a iminente aprovação na Assembleia Nacional da nova Lei de Distrito Federal (que criará uma espécie de chefe de governo de Caracas, designado pelo Executivo), o líder bolivariano está assumindo o controle de importantes funções estatais que deveriam ser cumpridas por autoridades opositoras eleitas em novembro.

Para jurista, prisão de Baduel é recado a militares Paralelamente, dirigentes de peso da oposição — que venceu nos estados de Miranda, Zulia, Carabobo, Táchira, Nova Esparta, a Prefeitura Maior de Caracas e o município de Sucre, entre outros — estão sendo perseguidos pela Justiça e poderiam terminar presos em processos que, segundo seus advogados da defesa, carecem de provas reais.

O prefeito de Maracaibo, o ex-candidato presidencial Manuel Rosales, deverá comparecer a um tribunal local no próximo dia 20, para responder a uma acusação de enriquecimento ilícito. Por temor a uma detenção inesperada, similar à sofrida quinta-feira pelo ex-ministro da Defesa chavista, o general reformado Raúl Baduel, o prefeito está escondido, segundo colaboradores, “para analisar quais são suas opções”.

— A perseguição contra Rosales é uma clara mensagem de Chávez a seus opositores.

Chávez está nos dizendo que todos podemos terminar como Rosales — disse ao GLOBO Rafael Simón Jiménez, membro do comitê político do partido Um Novo Tempo (UNT), fundado e liderado pelo prefeito de Maracaibo.

Da mesma maneira, disse Jiménez, “a prisão de Baduel é um recado aos militares. O governo está dizendo às Forças Armadas que quem se opuser abertamente à revolução (Baduel, ex-amigo íntimo do presidente, liderou a campanha contra o projeto de reforma constitucional de Chávez, em 2007) terminará como Baduel”.

— Chávez está asfixiando as expressões opositoras, mas não será tão fácil, porque representamos 45% do país — enfatizou o dirigente de UNT. Jiménez confirmou que Rosales está no país: — Manuel está pensando em suas opções, entre elas a prisão.

A aprovação de leis para centralizar o poder em mãos de Chávez é considerada uma “fraude constitucional” pela Academia de Ciências Políticas e Sociais da Venezuela, integrada pelos 35 juristas mais respeitados do país.

— O governo está usando mecanismos ilegais para modificar a Constituição e impor uma proposta que foi derrotada nas urnas (o projeto de reforma constitucional chavista previa a centralização) — explicou Román Duque Corredor, ex-membro do Supremo Tribunal de Justiça e presidente da academia.

O artigo 4 da Constituição afirma que a Venezuela “é um Estado federal descentralizado”. No entanto, após a derrota em importantes regiões nas eleições, o governo promoveu a aprovação de leis que retiram funções dos governos locais.

Presidente quer “zerar” relações com os EUA

A decisão de assumir o controle de portos e aeroportos representou um duro golpe às finanças de governos regionais.

— Chávez está estrangulando regiões opositoras, cumprindo sua promessa de campanha. O presidente disse que os que votassem na oposição pagariam caro — disse o analista Angel Oropeza, da Universidade Simón Bolívar.

Ontem, em durante visita ao Irã, Chávez disse que deseja “zerar” as relações com os EUA durante uma cúpula em Trinidad y Tobago, ainda este mês. O gesto foi interpretado por analistas como um sinal ambíguo do governo de Caracas em relação a Barack Obama, já que Chávez não tem poupado críticas duras ao presidente americano.

— Quero apertar o botão de reset nas relações — disse.

Com agências internacionais

O Globo, 5 de abril de 2009.