O Globo, 15 de maio de 2011
Quase todo mundo é intimidado por números e "verdades científicas". O sujeito apoia uma asnice em estatísticas que não ocorre a ninguém questionar e aquilo é aceito sem maiores indagações. É o que sucede, por exemplo, com as afirmações taxativas, que ouvimos pela televisão, segundo as quais a lei seca no trânsito já salvou (meu número é chutado, não lembro agora os deles, mas não vêm ao caso) 4.228 vidas este ano, ou qualquer coisa assim. Eu pergunto como é que se sabe isso? Procuram-se no domingo os vivos que circularam de carro no sábado e pergunta-se se eles deixaram de beber na noite precedente por causa da lei seca? E, se tivessem bebido, inevitavelmente morreriam? Como é que se sabe, e com tanta precisão, quantas mortes haveria, sem a lei seca? Já tentei achar a fórmula que eles aplicam, mas é difícil.
A mesma coisa acontece com as novidades publicadas nas páginas de ciência dos jornais. Todo dia alguém revela algo antes desconhecido e achamos mais um consolo, nesta vida sobre a qual sabemos tão pouco e na qual só temos certeza mesmo da morte. Uma verdade científica parece nos dar a sensação de que o mundo, afinal, pode ser parcialmente explicado - se não a Criação, pelo menos o seu funcionamento. E, se pode ser explicado, pode ser também parcialmente controlado, embora de vez em quando a natureza nos faça ver que não é bem assim.
Suspeito que, para a maioria dos leitores de jornais e revistas, os cientistas são uma espécie de comunidade de intelectos superiores, distinta do restante de humanidade e imune às fraquezas comuns. Do jeito que falam nas descobertas e afirmações científicas, é de se crer que algumas pessoas acham até que os cientistas moram num lugar à parte, talvez num grande complexo de habitações e laboratórios, onde imperam as verdades objetivas, imparciais e indiscutíveis.
Mas, como suas contrapartidas na "vida civil", os cientistas são de carne e osso, gostam de dinheiro e querem ter sucesso. Têm família para sustentar e expectativas a preencher. Um número enorme não faz pesquisa pura, mas aplicada. Não sei que porcentual deles (para começar, talvez não haja uma definição unanimemente aceita para a categoria) é assalariado de grandes empresas de alimentos industrializados, entidades que congregam grupos econômicos e laboratórios de medicamentos. Todos eles são sujeitos a pressões e estresse e alguns deles, novamente como no resto da população, não estão acima de distorcer, manipular ou interpretar tendenciosamente resultados, para atingir os objetivos de seus empregadores, para vender livros ou para ganhar fama.
E a verdade científica (sosseguem, que não vou entrar na bobajada sobre física quântica que atrai tanta gente, aqui é só o ramerrão mesmo) vive mudando, como todos testemunhamos, praticamente a cada dia. Assim de cabeça, todo mundo lembra o ovo, endeusado antigamente, demonizado contemporaneamente e agora redimido e até recomendado. E o tempo em que manteiga era veneno absoluto, devendo ser substituída pelas hoje abominadas margarinas. Ouvi, faz muito tempo, uma conversa sobre como o apogeu da exaltação da margarina se deu numa época em que havia grandes excedentes de produção de milho, ingrediente delas, e buscava-se um meio de desovar essa produção. Não tenho certeza de que a informação é exata, mas, se não for, muitas outras, parecidas e esquecidas, certamente serão.
De novo me arrisco a estar errado, mas vocês estão bem lembrados de todo o terrorismo feito por causa da gripe inicialmente chamada de suína? Ia ser um novo flagelo da humanidade e não se passava um dia sem informações alarmantes de alguma parte do mundo, relatos de mortes suspeitas, casos de contágio em massa e assim por diante. E a campanha de vacinação no Brasil, principalmente entre os idosos, não teve lá tanto sucesso, a convocação precisou ser muito reiterada. Claro, claro, são coisas de quem acredita em conspirações (eu às vezes acredito), mas o fato é que muita gente, inclusive cientistas, ganhou dinheiro com essa gripe. E nunca se vai de fato saber se quem lucrou com a gripe não colaborou com o clima de quase pânico instalado, ou pior.
Não se fala muito mais nisto, mas o exame da dedada, para dar um exemplo em outra área, envolve duas "verdades científicas" diametralmente opostas. A Organização Mundial de Saúde desaconselha aos homens (ou seja, acha prejudicial que se faça) o exame da dedada e declara inútil a medição do PSA. Os urologistas dizem que a verdade científica é deles e a OMS está errada. Como leigo, não sei em quem botar fé, mas um diabinho mordaz me sopra cá um comentário sobre a opinião dos urologistas. A 500 contos a dedada, malda ele, qualquer um sustenta que ela é indispensável.
Finalmente, aproveitem o domingo e encarem uma feijoada com todas as carnes e embutidos salgados. Há nova verdade científica sobre o sal, saída na semana passada. Um estudo publicado na revista da Associação Médica Americana concluiu que o sal não tem nada do vilão em que o transformaram. Ele agora não causa mais problemas de pressão arterial. Aliás, pelo contrário, pois o estudo afirma que os que comem pouco sal são os que correm maior risco de derrames e ataques cardíacos. Ou seja, os muitos entre vocês que já se acostumaram à comida sem graça e a nem chegar perto de um salgadinho sofreram em vão e ainda ficaram em maior risco do que os que ingerem sal a gosto. É bom não adiar a desforra muito tempo, porque daqui a pouco emite-se nova verdade sobre o assunto, as verdades duram cada vez menos. Mas devem vir outras boas por aí e já espero que a banha de porco seja reabilitada, vou ficar de olho no site do National Pork Producers Council.