sábado, 22 de novembro de 2008

Projeto de cotas enfrentará resistência no Senado

DENISE MADUEÑO
Agencia Estado

BRASÍLIA - A reserva de vagas em universidades federais para estudantes de famílias que ganham até um salário mínimo e meio por pessoa, aprovada ontem pela Câmara, encontra resistência no Senado. A cota por renda foi incluída no projeto que reserva 50% das vagas em universidades federais para estudantes que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. As vagas serão preenchidas com reservas para negros, pardos e indígenas na proporção da população de cada Estado, estipulada pelo censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A senadora Ideli Salvatti (PT-SC), autora do projeto aprovado pelo Senado e alterado na Câmara, discorda da cota por renda aprovada pelos deputados e afirmou que vai defender a manutenção do texto dos senadores em nova votação na Casa. Ela argumentou que a reserva para os estudantes que cursaram escolas públicas já vai atender os alunos de família de baixa renda. "O critério de corte por renda vai restringir o acesso dos estudantes", afirmou. "Aparentemente, é muito justo, mas, por inviabilizar, fica muito injusto."

Ex-ministro da Educação, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse que a cota por renda é uma forma de "enganar a população", porque ela não terá aplicação na prática. "As pessoas pobres não terminam o ensino médio. Essa cota só será preenchida quando toda criança puder estudar, quando a Bolsa-Família se transformar em Bolsa-Escola e quando o ensino médio for obrigatório no País, o que não é", afirmou Cristovam.

Equador deplora decisão do Brasil de convocar embaixador

Itamaraty chamou diplomata para consulta sobre crise do empréstimo do BNDES.
Do Estadão

- O governo do Equador deplorou a decisão do Brasil de convocar o embaixador brasileiro em Quito para consultas sobre a crise envolvendo um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para uma obra no país.

O Equador obteve um empréstimo do BNDES para construir a usina hidrelétrica San Francisco. No entanto, o governo de Quito alega que a dívida com o BNDES de US$ 243 milhões é ilegal, pois há irregularidades na obra.

Na quinta-feira, o Equador anunciou que vai entrar com uma ação internacional na Câmara de Comércio Internacional (CCI), em Paris, para resolver a questão. Na sexta-feira, o Itamaraty convocou seu embaixador em Quito para consultas sobre a questão.

Em nota oficial divulgada na noite de sexta-feira, o ministério das Relações Exteriores do Equador critica o Itamaraty e defende que a questão deve ser resolvida por mecanismos jurídicos previstos no contrato de empréstimo, sem afetar as relações diplomáticas entre os países.

'Canais jurídicos'

"O governo Nacional [do Equador] deplora a decisão adotada pelo governo do Brasil de chamar em consultas seu embaixador no Equador e reitera a sua permanente disposição para continuar mantendo as relações bilaterais em alto nível de amizade e cooperação", afirma a nota.

O governo do Equador afirma que a controvérsia com o BNDES "deve ser resolvida por canais jurídicos estabelecidos pelos dois países de acordo com convênios existentes entre o Equador e a companhia privada envolvida, sem que esta situação afete as excelentes relações existentes entre os povos e governos dos dois países".

Na sexta-feira, o BNDES afirmou que o contrato para a obra, que foi firmado com a empresa equatoriana Hidropastaza, cumpriu "todas as exigências previstas" pelos dois lados.

Segundo o BNDES, o contrato foi aprovado pelo Congresso Nacional do Equador, tendo sido atestado pela Procuradoria-geral e autorizado pelo Banco Central do Equador.

Além disso, de acordo com o BNDES, o contrato foi firmado no âmbito do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos da Associação Latino-americana de Integração (CCR/ALADI).

Com isso, o não pagamento da dívida "implica inadimplência do banco central devedor com os demais bancos centrais signatários do convênio", diz a nota do BNDES.

A polêmica em torno do financiamento da obra da usina hidrelétrica teve início quando o presidente equatoriano, Rafael Correa, questionou o fato de o empréstimo ter sido direcionado diretamente à construtora Odebrecht, mas que "legalmente" aparece como dívida do Equador com o Brasil. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Lei cria cota racial para cargos de confiança

O Globo

RIO - O sistema de cotas raciais chegou aos cargos de confiança dos órgãos da administração direta e indireta do Rio. Conforme reportagem de Eduardo Maia publicada nesta quinta-feira no jornal O GLOBO ( assinantes têm acesso à íntegra na edição digital), a Câmara Municipal derrubou na terça-feira o veto do prefeito Cesar Maia ao Projeto de Lei 1.268/2007, que determina que 20% das vagas dos cargos comissionados em todos os órgãos da prefeitura sejam destinados a afro-descendentes. O texto especifica que 10% das vagas sejam para negros e 10% para negras.

A lei entra em vigor imediatamente após sua publicação na Casa. Segundo o autor, o vereador Roberto Monteiro (PCdoB), a lei vale para todas as esferas dos poderes Executivo e Legislativo municipais. Os órgãos que ainda não tiverem esses percentuais mínimos deverão se adequar.

A lei vale ainda para empresas que participam de disputas de contratos para prestação de serviço com o Município. Cesar Maia já afirmou que a prefeitura pode recorrer da decisão na Justiça, mas que deixará a questão para ser decidida pela próxima administração municipal. Em viagem de férias com a família à Europa, o prefeito eleito Eduardo Paes não se pronunciou sobre a nova lei.

Texto del veto del Presidente de Uruguay, Tabaré Vázquez, a la Ley de Despenalización del Aborto

Montevideo, 14 de noviembre de 2008

Señor Presidente de la Asamblea General:
El Poder Ejecutivo se dirige a ese Cuerpo en ejercicio de las facultades que le confiere el artículo 137 y siguientes de la Constitución de la República a los efectos de observar los Capítulos II, III y IV, artículos 7 a 20, del proyecto de ley por el que se establecen normas relacionadas con la salud sexual y reproductiva sancionado por el Poder Legislativo

Se observan en forma total por razones de constitucionalidad y conveniencia las citadas disposiciones por los fundamentos que se exponen a continuación.

Hay consenso en que el aborto es un mal social que hay que evitar. Sin embargo, en los países en que se ha liberalizado el aborto, éstos han aumentado. En los Estados Unidos, en los primeros diez años, se triplicó, y la cifra se mantiene: la costumbre se instaló. Lo mismo sucedió en España.

La legislación no puede desconocer la realidad de la existencia de vida humana en su etapa de gestación, tal como de manera evidente lo revela la ciencia. La biología ha evolucionado mucho. Descubrimientos revolucionarios, como la fecundación in vitro y el ADN con la secuenciación del genoma humano, dejan en evidencia que desde el momento de la concepción hay allí una vida humana nueva, un nuevo ser. Tanto es así que en los modernos sistemas jurídicos -incluido el nuestro- el ADN se ha transformado en la "prueba reina" para determinar la identidad de las personas, independientemente de su edad, incluso en hipótesis de devastación, o sea cuando prácticamente ya no queda nada del ser humano, aun luego de mucho tiempo.

El verdadero grado de civilización de una nación se mide por cómo se protege a los más necesitados. Por eso se debe proteger más a los más débiles. Porque el criterio no es ya el valor del sujeto en función de los afectos que suscita en los demás, o de la utilidad que presta, sino el valor que resulta de su mera existencia.

Esta ley afecta el orden constitucional (artículos 7º, 8º, 36º, 40º, 41º, 42º, 44º, 72º y 332º) y compromisos asumidos por nuestro país en tratados internacionales, entre otros el Pacto de San José de Costa Rica, aprobado por la Ley Nº 15.737 del 8 de marzo de 1985 y la Convención Sobre los Derechos del Niño aprobada por la Ley Nº 16.137 del 28 de setiembre de 1990.

En efecto, disposiciones como el artículo 42 de nuestra Carta, que obliga expresamente a proteger a la maternidad, y el Pacto de San José de Costa Rica -convertido además en ley interna como manera de reafirmar su adhesión a la protección y vigencia de los derechos humanos- contiene disposiciones expresas, como su artículo 2º y su artículo 4º, que obligan a nuestro país a proteger la vida del ser humano desde su concepción. Además, le otorgan el estatus de persona.

Si bien una ley puede ser derogada por otra ley, no sucede lo mismo con los tratados internacionales, que no pueden ser derogados por una ley interna posterior. Si Uruguay quiere seguir una línea jurídico-política diferente a la que establece la Convención Americana de Derechos Humanos, debería denunciar la mencionada Convención (Art. 78 de la referida Convención).

Por otra parte, al regular la objeción de conciencia de manera deficiente, el proyecto aprobado genera una fuente de discriminación injusta hacia aquellos médicos que entienden que su conciencia les impide realizar abortos, y tampoco permite ejercer la libertad de conciencia de quien cambia de opinión y decide no realizarlos más.

Nuestra Constitución sólo reconoce desigualdades ante la ley cuando se fundan en los talentos y virtudes de las personas. Aquí, además, no se respeta la libertad de pensamiento de un ámbito por demás profundo e íntimo.

Este texto también afecta la libertad de empresa y de asociación, cuando impone a instituciones médicas con estatutos aprobados según nuestra legislación, y que vienen funcionando desde hace más de cien años en algún caso, a realizar abortos, contrariando expresamente sus principios fundacionales.

El proyecto, además, califica erróneamente y de manera forzada, contra el sentido común, el aborto como acto médico, desconociendo declaraciones internacionales como las de Helsinki y Tokyo, que han sido asumidas en el ámbito del Mercosur, que vienen siendo objeto de internalización expresa en nuestro país desde 1996 y que son reflejo de los principios de la medicina hipocrática que caracterizan al médico por actuar a favor de la vida y de la integridad física.

De acuerdo a la idiosincrasia de nuestro pueblo, es más adecuado buscar una solución basada en la solidaridad que permita promocionar a la mujer y a su criatura, otorgándole la libertad de poder optar por otras vías y, de esta forma, salvar a los dos.

Es menester atacar las verdaderas causas del aborto en nuestro país y que surgen de nuestra realidad socio-económica. Existe un gran número de mujeres, particularmente de los sectores más carenciados, que soportan la carga del hogar solas. Para ello, hay que rodear a la mujer desamparada de la indispensable protección solidaria, en vez de facilitarle el aborto.

El Poder Ejecutivo saluda a ese Cuerpo con su mayor consideración,
Dr. Tabaré Vázquez
Presidente de la República

domingo, 16 de novembro de 2008

Os rufiões dos anos de chumbo

Augusto Nunes/Jornal do Brasil

Caso se interessassem pelo fu- turo do Brasil, o ministro da Justiça e o secretário nacional dos Direitos Humanos estariam exibindo as olheiras superlativas dos inconformados com a institucionalização da tortura no sistema carcerário. Tanto o ministro Tarso Genro quanto o secretário Paulo de Tarso Vannuchi sabem que, neste momento, centenas de presos comuns estão sendo seviciados por policiais que preferem o choque elétrico à investigação ou por integrantes dos bandos criminosos que governam as cadeias. Como só se interessam pelo próprio futuro político, os dois ordenanças vencidos na guerra suja esquecem os carrascos do presente para acertar contas com torturadores do passado. Nas capitanias confiadas à dupla, problemas é o que não falta. Mas os companheiros resolveram que não existe urgência mais urgentíssima que a revisão da Lei de Anistia decretada em 1979. Seria "ampla, geral e irrestrita", combinaram os negociadores do documento, ao fim de conversas especialmente delicadas. Nem tanto, descobriram quase 30 anos depois os parceiros ansiosos pela vingança. Quem olha por espelhos retrovisores caminho à margem do penhasco é forte candidato ao título de homem sem visão do ano. Quem olha só pelo retrovisor direito, garimpando imagens de torturadores aposentados, é um cretino fundamental. Para os tarsos, a anistia que livrou Genro do medo crônico e Vannuchi da cadeia não se estende aos porões da ditadura. "A lei se aplica tanto aos adversários do regime militar quanto aos agentes do poder público que eventualmente praticaram torturas contra presos políticos", discordou José Antonio Toffoli, advogado-geral da União. "Tortura é crime imprescritível", replicaram em coro os tarsos. "Terrorismo também é", avisou Gilmar Mendes, presidente do STF, amparado no artigo 43 da Constituição. Foi a senha para o desembarque na frente de batalha dos heróis de araque, sempre fantasiados de credores da imensa maioria que nada lhes deve. É um absurdo chamar de terroristas os que, por falta de opções, lutaram contra a ditadura de armas na mão, viajaram de novo os rufiões dos anos de chumbo. Havia opção, sim, deveriam berrar milhões de brasileiros que resistiram até que a liberdade abrisse as asas sobre nós e restaurasse a democracia. Anos a fio, a resistência democrática suportou a arrogância dos extremistas de esquerda e a prepotência dos direitistas radicais. Uns menosprezavam os "pequeno-burgueses a serviço do capitalismo". Outros tentavam conter a cólera provocada pela parvoíce dos "inocentes úteis a serviço dos comunistas". Enquanto o delírio durou, os devotos da luta armada não fizeram reparos ao manual da guerrilha redigido por Carlos Marighela. "A ação terrorista deve ser executada com muita calma, decisão e sangue frio", ensina um trecho. "O terrorismo é uma arma que o revolucionário não pode abandonar". Só agora os guerrilheiros cismaram que o estigma foi invenção da ditadura. A anistia não será revogada, mas nada impede escavações históricas amplas, gerais e irrestritas. Ex-torturadores merecem ser tratados como figuras abjetas. Ex-terroristas, também.

Conflito na fronteira

O Exército da Bolívia invade território brasileiro em busca de opositores de Evo Morales. Confrontos já provocaram a fuga de centenas de bolivianos pela fronteira do Acre


Otávio Cabral, de Cobija

Fotos Ana Araujo, Aizae Raldes/AFP e Juan Barreto/AFP
UM PAÍS RACHADO
Evo Morales dividiu a Bolívia entre opositores que se refugiaram no Acre e indígenas que lhe dão apoio. Para contornar a crise, enviou ao Brasil o minstro Rada (à direita)

O ginásio de esportes de Brasiléia, cidade de 20 000 habitantes no interior do Acre, transformou-se no cenário mais visível de uma crise política e humanitária que pode pôr em xeque as relações diplomáticas entre Brasil e Bolívia. Acampados em barracas, estão ali 120 dos mais de 1 000 bolivianos que fugiram para o Brasil após o acirramento da disputa entre os partidários do presidente Evo Morales e a oposição no departamento de Pando, o mais pobre do país. Em 11 de setembro, um confronto entre os dois grupos deixou dezoito mortos, setenta feridos e cinqüenta desaparecidos e deu início a um processo intenso de fuga através da fronteira. O Brasil é o destino de centenas de refugiados da guerrilha colombiana, entre ex-integrantes das Farc, ex-milicianos e simples trabalhadores que fogem da violência. Essa migração clandestina não produziu até agora um problema político mais grave entre Brasília e os governos vizinhos. No caso dos bolivianos, porém, a chegada dos fugitivos tem provocado a emissão de sucessivos alertas por parte do Exército, da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência para um provável incidente diplomático que pode explodir a qualquer momento. Em pelo menos duas ocasiões, agentes do governo do presidente Evo Morales invadiram o território brasileiro para tentar prender oposicionistas que cruzaram a fronteira.

O primeiro incidente ocorreu há um mês, quando agentes da Polícia Federal flagraram quatro bolivianos à paisana circulando pelas ruas de Brasiléia em uma caminhonete. Abordados, eles se identificaram como membros do Exército boliviano, mas disseram que estavam de folga no Brasil. Duas semanas depois, outros dois militares foram vistos rondando o ginásio da cidade e fotografando alguns refugiados. Abordados, também desconversaram. Os serviços de inteligência da PF e do Exército, porém, descobriram que os seis militares estavam em missão oficial. Tentavam localizar na cidade as lideranças do movimento de resistência da região de Pando, que, de acordo com os levantamentos feitos, realmente cruzaram a fronteira, mas estão escondidos em regiões próximas. Para evitar um incidente maior, o governo brasileiro decidiu devolver os militares à Bolívia, advertindo, entretanto, que não vai tolerar novas invasões. "O Brasil não vai admitir violação à sua soberania e às suas fronteiras", afirma Luiz Paulo Barreto, secretário executivo do Ministério da Justiça e presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). "Recebemos e protegemos os bolivianos, mas não vamos importar a crise do vizinho."

O Ministério da Defesa brasileiro estuda a realização de manobras militares na região. O Exército já enviou 300 homens e dois helicópteros a Epitaciolândia, cidade vizinha a Brasiléia. Os dois municípios ficam a 100 metros da boliviana Cobija, a capital de Pando, e são separados do país vizinho por duas pontes. A PF reforçou a fronteira com dez homens da inteligência. A ponte entre Brasiléia e Cobija foi fechada para carros pelo Brasil, para aumentar o controle sobre os bolivianos que entram no país. Para tentar serenar os ânimos, o ministro da Defesa da Bolívia, Walker San Miguel, já esteve duas vezes no Brasil e ouviu reclamações formais sobre a atuação de seus militares. Na semana passada, o assunto foi discutido em audiência entre Alfredo Rada, ministro do governo da Bolívia, e Tarso Genro, ministro da Justiça do Brasil. Rada levou na bagagem uma série de advertências a Evo Morales. Embora seja simpático ao governo boliviano, o Brasil avisou que terá de tomar uma atitude drástica caso os militares vizinhos continuem patrocinando ações clandestinas em território brasileiro.

A revolução bolivariana conduzida por Evo Morales e inspirada no presidente da Venezuela, Hugo Chávez, dividiu o país entre os "collas", indígenas e mestiços que dão suporte ao governo Morales, e os "cambas", brancos oposicionistas que lutam pela autonomia administrativa e orçamentária dos departamentos – equivalentes aos estados brasileiros. Em agosto, a divisão foi acirrada por um referendo que decidiu sobre a manutenção do mandato de Morales e dos governadores. Tanto o presidente como os oposicionistas conseguiram ficar no cargo. Os collas de Pando, porém, não se conformaram com a vitória do rival Leopoldo Fernández. No início de setembro, três colunas de camponeses, financiadas por dinheiro federal, saíram do interior de Pando rumo a Cobija para destituir Fernández. O governador soube do plano e ordenou que servidores cambas usassem máquinas públicas para cavar trincheiras e impedir a passagem dos rivais. Os dois grupos se encontraram em uma praça em Porvenir. Um engenheiro de Pando, Pedro Oshiro, morreu com um tiro na cabeça quando tentava mediar o conflito. Os autonomistas de Fernández reagiram e iniciaram o tiroteio. Ao final de uma hora de batalha, dezesseis camponeses ligados a Morales e dois autonomistas que apoiavam Fernández caíram mortos.

A chegada dos bolivianos ao Acre representa o maior fluxo de deslocados políticos da história do Brasil, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Somente no dia 15 de setembro, quando o Exército foi para as ruas, 400 bolivianos cruzaram a Ponte Wilson Pinheiro, inaugurada por Lula em 2004, e chegaram a Brasiléia, onde passaram a noite ao relento na praça central da cidade. Nos dias seguintes, mais 600 bolivianos chegaram ao Brasil pelas pontes, atravessando a nado o Rio Acre ou caminhando pela floresta. Hoje, o maior grupo de refugiados está abrigado no ginásio de esportes, apelidado pelos bolivianos de "coliseu". O restante se espalha por hotéis, pousadas, casas de amigos e sedes de sindicatos. Todos recebem alimento e assistência médica do governo do Acre e são protegidos pelo Exército brasileiro. Os cambas passam o dia sintonizados em rádios e TVs bolivianas em busca de notícias, principalmente sobre a situação de Leopoldo Fernández, que segue preso em um quartel do Exército em La Paz mesmo após a Suprema Corte ter concedido um habeas corpus para que fosse solto.

Ana Araujo
CENÁRIO DE GUERRA
Carros queimados ainda expostos na Praça de Porvenir dois meses após o confronto que provocou dezoito mortes

Há dois grupos de oposicionistas bolivianos em Brasiléia e Epitaciolândia. Em hotéis, casas alugadas e moradias de familiares, ficam profissionais liberais ligados diretamente a Fernández, que são dirigentes do partido de oposição a Morales. É o caso do advogado Carlos Soarez, amigo de infância de Leopoldo, que fechou seu escritório em Cobija, cruzou a ponte em uma caminhonete e se hospedou no melhor hotel da região. "Se eu cruzar a fronteira agora, durante o estado de sítio, serei preso. Temos de esperar o Exército sair das ruas e Leopoldo sair da cadeia para reorganizarmos a oposição ao ditador cocalero", brada Soarez na varanda do hotel, com jornais e revistas bolivianos sobre as pernas. Esse grupo, segundo informações da Polícia Federal, estaria usando fazendas em território brasileiro para organizar a resistência – o que também é ilegal. A polícia investiga até uma loja que estaria enviando armas da Bolívia para o Brasil. A informação foi repassada ao ministro Rada para que a Bolívia tome providências.

A principal liderança do grupo é Ana Melena de Suzuki, presidente do Comitê Cívico de Pando. Acusada formalmente pela polícia boliviana de responsável pelo massacre, ela também fugiu para Brasiléia. Mesmo em território brasileiro, foi perseguida por agentes bolivianos e pediu ajuda à PF, que a levou para longe da fronteira. Boa parte dos líderes autonomistas já pediu refúgio político ao Brasil. Temem ser perseguidos e presos pelo massacre se voltarem à Bolívia. O jornalista Jairo Vallejos, 24 anos, por exemplo, filmou um tiroteio entre militares e autonomistas no aeroporto de Cobija no dia seguinte ao massacre. Perseguido, fugiu para o Brasil com a mulher, grávida de nove meses, e teve sua primeira filha no hospital de Brasiléia. De acordo com o Conare, 46 bolivianos haviam pedido refúgio até a semana passada. Pelas próprias características do conflito boliviano, o perfil desses deslocados é atípico. Segundo o representante do Acnur no Brasil, Javier Lopez-Cifuentes, em geral os refugiados são camponeses pobres e moradores de periferias urbanas. "Aqui, são pessoas de classe média, com um padrão social maior", afirma Cifuentes.

O julgamento dos pedidos de refúgio pelo Conare deve ocorrer quando a situação na Bolívia se normalizar. A avaliação do governo brasileiro é que, com o fim do estado de sítio, boa parte dos bolivianos deve cruzar a fronteira de volta. Inicialmente, o estado de sítio vigorará até 12 de dezembro, podendo ser prorrogado por mais noventa dias. Evo Morales, porém, tem dado declarações contraditórias. Na segunda-feira passada, disse que defendia a prorrogação. Três dias depois, prometeu levantar o estado de exceção. Como se vê, é difícil prever o que acontecerá na Bolívia. Imaginando que a situação estivesse mais calma, na semana passada um grupo de asilados tentou voltar. Cinco deles foram presos pelo Exército e levados a La Paz. Assustada, uma nova leva de bolivianos cruzou a fronteira. Apenas na semana passada, vinte se registraram na Defesa Civil do Acre em busca de proteção. A oposição foge e tenta armar a resistência no Brasil. Os aliados de Evo se armam para sufocar os oposicionistas. A crise não tem perspectiva de acabar. Na porta de sua loja de bebidas e comidas importadas, em Cobija, órfão dos turistas brasileiros que fugiram da crise boliviana, o comerciante Angel Mena só lamenta: "Os dois lados se excederam, não há inocente nessa história. Agora ninguém sabe o que fazer para consertar essa situação". Muito menos Evo Morales, o homem que dividiu a Bolívia e exportou sua crise.

Fuga do hospital

Fotos Ana Araujo

"Eu estava em uma caminhonete com o engenheiro do governo de Pando que tentava negociar com os camponeses. Não teve conversa. Tiraram-nos do carro, atiraram nele e me jogaram no chão. Pedi para não morrer. Eles nem ouviram. Apanhei, levei uma machadada na mão, perdi parte de um dedo. Deram dois tiros na minha direção, eu me fingi de morto e consegui sobreviver. Fui internado e fugi do hospital porque soube que iriam me matar. Se eu voltar à Bolívia, os collas me matam."
Hugo Durán Salvatierra, 35 anos, motorista do governo de Pando

Longe da família

"Fui convocado pelo governador para cavar uma trincheira e impedir a passagem dos camponeses que marchavam para Cobija. Quando estourou a guerra, usei paus e pedras para atacar os inimigos. Levei um tiro na barriga e desmaiei. No hospital, os collas tentaram me pegar. Fugi com uma sonda na bexiga, andei pelo mato por dois dias e cheguei ao Brasil. O grande feito de Evo Morales foi dividir a Bolívia. Estou aqui vivendo em barraca, fora do meu país, longe de minha mulher e de meus filhos."
Rafael Segovia, 54 anos, tratorista do governo de Pando

Com Evo Morales

"Vivemos uma luta de classes na Bolívia. O governador Leopoldo está ao lado dos latifundiários que tomam as terras e exploram os pobres. Então, a reação dos camponeses é justa. Sou marcado pelos cambas por ser primo de Evo Morales. Por isso, queimaram minha loja quando fugiram. Mas não há perseguição política pelo Exército. Eles fogem porque são bandidos e covardes. Mataram inocentes e agora estão com medo da Justiça. Eles sabem que, se voltarem do Brasil, haverá vingança."
Filemon Condori, 37 anos, comerciante e dirigente do MAS

A nova Bolívia

"Não houve enfrentamento entre camponeses e autonomistas. Houve um massacre promovido pelo governador Leopoldo com a ajuda de pistoleiros brasileiros. Organizei a marcha que ia a Cobija depor o governador. Levei dois tiros, fui encaminhado a La Paz e tratado por médicos cubanos que salvaram minha vida. Leopoldo é corrupto, elitista, ligado à ditadura e aos latifundiários. Não há mais espaço para essa gente na nova Bolívia de Evo. Se ele sair da cadeia, não vamos deixá-lo reassumir o governo."
Aladino Cardozo, 54 anos, sindicalista e dirigente do MAS em Pando

Medo do retorno

"Estava cavando uma trincheira para impedir a passagem dos caminhões dos golpistas do MAS quando eles chegaram e me tomaram como refém. Fui amarrado, amordaçado e apanhei. A polícia me libertou e eu corri para o mato. Na fuga, levei dois tiros por trás, que atingiram minhas pernas. Fui internado na Bolívia, vi amigos ser resgatados do hospital e fugi para o Brasil. Minha mulher continua em Cobija. Sonho em voltar para casa, mas sei que serei preso se cruzar a fronteira."
Edgar Peña, 40 anos, funcionário do governo de Pando