sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Deputado australiano renuncia após dançar de cueca em festa

Legislador, que era também secretário, admitiu conduta inadequada com o cargo.

BBC

Um deputado australiano foi forçado a renunciar ao cargo de secretário estadual após ser visto dançando só de cuecas em uma festa no Parlamento.

att Brown, que era secretário de Estado em Nova Gales do Sul, admitiu ter cometido um "erro" e se disse "constrangido" com o episódio.

Ele negou veementemente, porém, relatos publicados pela imprensa local de que teria também simulado uma relação sexual durante a festa com uma deputada, que também negou as alegações.

O primeiro-ministro do Estado de Nova Gales do Sul, Nathan Rees, disse que havia recebido relatos demais sobre Brown dançando de cueca para ignorá-los.

Segundo a imprensa local, o ex-secretário havia dançado ao som de música tecno com uma cueca "apertada" sobre um sofá verde.

Celebração
A festa ocorreu há três meses, quando Brown estava à frente da pasta de Habitação no secretariado estadual, e teve como motivo celebrar a aprovação do Orçamento.

Inicialmente Brown afirmou que nada de anormal havia ocorrido durante a festa, mas o primeiro-ministro estadual não estava convencido.

"Eu expliquei ao ex-secretário Brown ontem à noite que havia relatos demais sobre ele de cueca para que eu ignorasse", disse Rees.

"Ele admitiu ter ficado de cueca e não me deixou outra opção a não ser exigir sua renúncia", disse Rees a uma rádio local.

Brown então admitiu uma conduta incompatível com o cargo de secretário e renunciou, apenas três dias após tomar posse como secretário para a polícia.

"Sou um ser humano e cometi um erro, mas vou assumir as conseqüências desse erro", afirmou o ex-secretário.

Brown, um advogado e ex-professor universitário, era deputado havia nove anos. Seu futuro político a partir de agora é incerto.

Casal morre na Malásia após apanhar em 'ritual bizarro' para deixar de fumar

Dupla levou até vassouradas antes de morrer.
Suspeitos do crime são quatro parentes das vítimas.

AFP, Kuala Lumpur

Um casal malasiano apanhou de parentes até a morte em um ritual bizarro para curá-los do vício do cigarro, informaram autoridades nesta sexta-feira (3).

A filha de 15 anos de um dos quatro parentes também foi agredida e está internada em estado grave.

O porta-voz da polícia Ku Chin disse à agência oficial Bernama que o ataque ocorreu quando Mohamed Ibrahim Kader Mydin, de 47 anos, e sua mulher, Rosina Mydin Pillay, 41, visitavam sua família na quinta-feira.

Segundo a polícia, Mydin estava procurando ajuda para parar de fumar, e sua mulher sofria de asma e de dor no fígado.

Ao saber disso, um parente de 23 anos sugeriu que o casal fosse submetido a um ritual que envolvia que todos os membros da família juntassem suas forças para bater no casal e "livrá-los de seus males".

Os quatro parentes bateram as cabeças do casal em uma mesa e atacaram-nos com golpes de capacetes e vassouradas. Uma ambulância foi chamada horas depois porque eles não recuperaram consciência.

Os quatro suspeitos foram detidos. Um deles, segundo a polícia, seria integrante de um culto macabro.

A Malásia é um país predominantemente muçulmano, e as autoridades periodicamente reprimem seitas não autorizadas.

Cassel diz que lista do Ibama está errada e precisa ser revista

EDUARDO SCOLESE
Folha de S. Paulo
3 de outubro de 2008

Ministro do Desenvolvimento Agrário afirma que assentados não são os grandes culpados pelo desmatamento da Amazônia

Cassel afirma que "quando o ministro não lê e não checa [os dados], a chance de erro é muito grande. A lista está errada, esse é o problema"

Em entrevista ontem à Folha, o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) rebateu a afirmação de seu colega Carlos Minc (Meio Ambiente) de que a lista que inclui assentamentos da reforma agrária no topo dos desmatadores não será revista: "A lista está errada, esse é o problema. Ela precisa ser substituída".

Segundo Cassel, os próprios assentados, e não o governo federal, é que devem ser diretamente responsabilizados por eventuais crimes ambientais. O ministro também criticou a idéia do colega Mangabeira Unger de tirar do Incra a regularização fundiária. Leia trechos da entrevista em seu gabinete.

FOLHA - Ao atacar a lista divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente, o sr. sugere que não existe desmatamento nos assentamentos?

GUILHERME CASSEL - Existe desmatamento na Amazônia em assentamentos, em áreas indígenas, em unidades de conservação, em propriedades privadas. Tradicionalmente quem tem desmatado são os madeireiros ilegais, os grileiros em terras públicas e os grandes latifundiários, em áreas de soja e pecuária. Não concordo com a afirmação de que os grandes responsáveis pelo desmatamento são os assentados. Sou contra essa idéia falsa.

FOLHA - Dados do TCU mostram que 18% do desmatamento na Amazônia é de responsabilidade dos pequenos produtores, o que inclui os assentados. Isso é pouco?

CASSEL - Esses dados mostram que 82% do desmatamento não é dos assentamentos e não é dos pequenos agricultores. O que incomoda, de vez em quando, é que parece que as pessoas não olham os dados oficiais.

FOLHA - Quando o sr. diz que os assentamentos não deveriam entrar na lista, o sr. leva em conta uma questão técnica ou o fato de os assentados serem aliados do PT?

CASSEL - Técnica. A minha restrição àquela lista é que ela é imperfeita do ponto de vista técnico. Ela não reproduz a realidade, ajuda a confundir, acaba protegendo quem mais desmata.

FOLHA - O ministro Minc disse à Folha que não irá rever a lista.

CASSEL - Acho que o Ibama vai, mais cedo ou mais tarde, construir uma lista mais próxima à realidade, com mais cuidado. Quando o ministro não lê e não checa, a chance de erro é muito grande. A lista está errada, esse é o problema. Ela precisa ser substituída por uma outra lista, que reflita a realidade.

FOLHA - O Incra anunciou uma varredura nos assentamentos. Isso não é uma prova de que o órgão desconhece a realidade dos projetos?

CASSEL - Não. Oito assentamentos foram citados numa lista, e o setor público tem a obrigação de fazer um mergulho nisso e buscar informações mais precisas.

FOLHA - O governo federal é responsável por essas famílias até que ela recebam o título definitivo?

CASSEL - Isso seria um paternalismo absurdo. O Incra oferece assistência técnica, crédito. Evidente que essas pessoas são as responsáveis. Se for constatado desmatamento criminoso, ele tem que perder o lote.

FOLHA - O Incra pode fazer a regularização fundiária na Amazônia?

CASSEL - Tem, desde que seja desburocratizada a legislação.

FOLHA - Mangabeira Unger defende a criação de um órgão apenas para cuidar do processo de regularização fundiária. Qual é sua opinião?

CASSEL - Isso é baseado num diagnóstico errado. Eu posso criar um, dois, três órgãos novos, posso montar uma grande estrutura, mas, com a legislação atual, não vai fazer [a regularização fundiária].

Severino usa Lula como cabo eleitoral

Leticia Lins
O Globo
3 de outubro de 2008


Com vídeo de apoio de Lula e a presença de ministro nos comícios, o ex-deputado Severino Cavalcante canta vitória em sua cidade natal.

Presidente gravou mensagem para o hoje candidato a prefeito

Três anos depois de renunciar ao mandato na Câmara para fugir da cassação, por causa da acusação de envolvimento no escândalo do mensalinho, o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP) conta agora com o presidente Lula para se eleger prefeito de João Alfredo, cidade de 30 mil eleitores, a 106 quilômetros de Recife. E não apenas: Severino alardeia ter também o apoio do governador Eduardo Campos (PSB) e já se considera eleito. Na terça-feira, ele fez um comício que contou com a presença de um ministro e dois secretários de governo. Calcula ter reunido 11 mil pessoas, multidão que comparou aos devotos que seguiam Frei Damião, o falecido missionário capuchinho que os nordestinos veneram tanto quanto ao Padre Cícero:

- Foi um comício grande. Só Frei Damião conseguiu botar tanta gente na rua aqui. Estou disputando com ele em popularidade.

Severino reuniu o ministro das Cidades, Márcio Fortes, e o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, que integra o primeiro escalão do governo estadual. Na impossibilidade da presença de Lula, um telão ao lado do palanque exibiu um vídeo do presidente. Na tela, Lula lembra que a oposição elegeu Severino presidente da Câmara e diz que ele foi vítima de preconceito:

- Quando perceberam que ele não seria oposição ao meu governo, derrubaram ele. Parte da elite paulista, se encontrar com ele, não cumprimenta. Eu cumprimento Severino onde o encontrar - diz Lula na gravação.

- Não podia pegar testemunho melhor. Lula tem uma popularidade muito grande; 80% é muita coisa - disse, contando que o depoimento do presidente foi exaustivamente utilizado nos carros de som que circulam pela cidade.

Severino começou a vida política em 1964, como prefeito de João Alfredo. Em 2006, tentou voltar à Câmara dos Deputados, mas não se elegeu. Ele disse que, mesmo sem mandato, nunca se afastou:

- Nunca deixei de dar assistência a prefeitos de minha região. Com minha ajuda, conseguiram verbas substanciais não só no Ministério das Cidades como em outros ministérios.

Ele nega estar de olho em 2010:

- Vou ser prefeito por quatro anos e, se duvidar muito, vou me reeleger.

Severino acha que, com o trânsito que tem em Brasília, conseguirá verbas suficientes para implantar um distrito industrial na cidade, que tem um pólo moveleiro com 80 indústrias.

Os dois filhos de Severino, a ex-deputada Ana Cavalcanti e José Maurício Cavalcanti, tiraram férias dos seus empregos para ajudar na campanha do pai. Para um dos mais fiéis seguidores do ex-deputado, o vereador Wilson França (PP), ele tem um fôlego surpreendente para os seus 77 anos.

- Ele parece incansável. No comício, até dançou. Parecia um menino.

Ontem, pelas ruas de João Alfredo, Severino abraçou eleitores, visitou a igreja e recebeu cumprimentos.

- Esse véio (velho) tem o Divino Espírito Santo no coração. Todo dia em casa rezo e acendo uma vela para ele - disse Lúcia Carlos Arruda, 43, dona de casa, que espera que o candidato instale uma faculdade na cidade.

- Conheço ele desde pequenininha. Todo dia, no novenário, rezo por ele - contou Terezinha Floriano, 73, ao lado da estátua de Frei Damião, onde se encontrou com o candidato.

Na reta final da disputa, Severino pareceu esquecer as acusações que o tiraram de Brasília - receber propina para renovar a concessão de restaurantes da Câmara - e partiu para o discurso moralizador. Promete que, se eleito, vai "varrer" os marajás da prefeitura. Marajás, explica, são os funcionários que ganham salários de R$1 mil sem trabalhar. Alguns seriam candidatos a vereador que não conseguiram se eleger. Ele disse que não sabe ainda o número de servidores que a prefeitura tem, mas, ao assumir, promete fazer um cadastramento.

- Quem já viu ganhar dinheiro sem trabalhar? E lá é só o que tem. Quem não trabalha vai ter que sair. E quem sair, vai deixar dinheiro para investir em obras.

O nome da coligação de Severino tem a ver com suas propostas, ele diz: "Melhor para João Alfredo". Reúne PP, PT, PR e PSB. A atual prefeita, Maria Sebastiana da Conceição (PTB), não disputa a reeleição e apóia Sebastião Manoel dos Santos (PSDB).

Operação de resgate: BC mexe em compulsório para permitir que bancos comprem créditos de instituições de pequeno e médio portes

Patrícia Duarte
O Globo
3 de outubro de 2008


RIO - BRASÍLIA - O agravamento da crise mundial levou o Banco Central (BC), pela segunda vez em uma semana, a mexer nos compulsórios bancários para melhorar a liquidez no sistema financeiro e dar mais fôlego às pequenas e médias instituições. As mudanças envolvem os compulsórios dos depósitos a prazo em títulos federais, e estimulam a compra de carteiras de créditos de bancos com ativos de até R$ 2,5 bilhões. Ou seja, empréstimos concedidos por pequenos e médios bancos serão vendidos a outras instituições. Na prática, essas carteiras que serão vendidas é que darão mais fôlego a esses bancos. A crise financeira secou as fontes de recursos internacionais e acertou em cheio, principalmente, os pequenos e médios bancos, que têm mais dificuldades para captar no mercado neste momento de forte volatilidade.

O depósito compulsório é o dinheiro que os bancos recolhem diariamente ao BC. Trata-se de uma ferramenta do BC que mexe diretamente com os recursos disponíveis. Assim, quando o BC quer aumentar os recursos disponíveis nos bancos, ele reduz a parcela dos depósitos compulsórios e permite que os bancos tenham mais dinheiro para emprestar.

O anúncio da nova alteração nos compulsórios - regra que obriga os bancos a deixarem depositados no BC parte dos seus depósitos - foi feita no fim da noite, para deixar o mercado mais calmo nesta sexta-feira. Nesta quinta-feira, a aprovação do pacote de resgate do sistema financeiro pelo Senado dos EUA não foi suficiente para animar o mercado financeiro. Prevaleceu no dia a preocupação dos investidores com as seqüelas da crise na economia como um todo. O dólar fechou em forte alta de 4,99%, a R$ 2,02, reflexo da saída de investidores estrangeiros, em busca de ativos mais seguros. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou em queda de 7,34%, aos 46.145 pontos. O presidente da autoridade monetária, Henrique Meirelles, estava em Buenos Aires.

Na semana passada, o BC anunciou alterações nos compulsóriosque previam, entre outros, aumento de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões nos valores que poderiam ser abatidos dos compulsórios adicionais.

Não foi alterada a alíquota do compulsório, que é de 15%, mais 8% de exigibilidade adicional. O BC permitiu que bancos que comprarem essas carteiras de créditos possam abater do recolhimento do compulsório sobre depósitos a prazo. O valor da dedução será de até 40% do total do compulsório, sendo que, para cada carteira comprada, poderá ser destinado apenas 20% do limite que pode ser abatido.

Pela nota, o BC informou que o decidiu mexer de novo nos compulsórios para "melhorar a distribuição de recursos no Sistema Financeiro Nacional, em função das restrições de liquidez que têm sido verificadas no ambiente internacional". O BC determinou que somente poderão ser negociadas operações de crédito feitas pelos bancos vendedores até o dia 30 de setembro de 2008.

Os bancos que comprarem as carteiras de créditos e que usarem os descontos nos compulsórios ficarão com títulos públicos em mãos. Assim, eles poderão vendê-los no mercado ou mantê-los em caixa.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Caracas entre as cidades mais violentas do mundo

O Globo
2 de outubro de 2008.

Índice de homicídios já é o maior da América do Sul. No país, taxa cresceu 67% com Chávez

WASHINGTON. Caracas entrou para a lista das cidades mais violentas do mundo e já apresenta a maior taxa de homicídios da América do Sul, segundo um artigo publicado na edição online da revista americana “Foreign Policy”. A capital venezuelana, com 3,2 milhões de habitantes, tem uma taxa de 130 homicídios para cada cem mil residentes, segundo as estatísticas oficiais. Desde que o presidente venezuelano Hugo Chávez assumiu o poder, em 1998, a taxa de homicídios do país subiu 67%.

Caracas é seguida, segundo o artigo, pela Cidade do Cabo, na África do Sul (62 homicídios por cada 100 mil habitantes); Nova Orleans, nos Estados Unidos (as estatísticas variam de 67 a 95 por 100 mil habitantes); Port Moresby, em Papua Nova Guiné (54 por 100 mil habitantes); e Moscou, na Rússia (9,6 por 100 mil habitantes).

Rio de Janeiro não é citado pela revista O Rio de Janeiro não aparece no artigo da “Foreign Policy”. No entanto, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apresentados pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), organização com sede no Rio de Janeiro, a capital fluminense registrou 37,2 homicídios por cada cem mil habitantes em 2007. Em relação a 1998, a taxa apresenta uma queda de 1,85%.

Londres, Paris, Roma e Madri registraram em 2006 menos de dois assassinatos por cada cem mil habitantes.

“A capital do país de Chávez se tornou nos últimos anos muito mais perigosa do que qualquer cidade sul americana, superando até a notória Bogotá”, diz o texto.

A revista critica ainda as autoridades por não “categorizar” os crimes apropriadamente e diz que as estatísticas oficiais omitem parte dos homicídios. Por exemplo, não são levadas em conta as mortes de pessoas que “resistem à prisão”, o que, segundo a publicação, indica que “os policiais de Caracas, famosos por sua brutalidade contra estudantes em protestos, acomodam as cifras”.

Estimativas não oficiais citadas pela publicação dão conta de 160 homicídios na cidade por cada cem mil habitantes.

Traficantes disputam menos usuários em Nova Orleans O texto diz ainda que muitos no país atribuem o aumento da violência ao presidente Chávez, cujo governo fracassou em combater as taxas de criminalidade.

Em Nova Orleans, cidade tradicionalmente violenta dos Estados Unidos, a Foreign Policy diz que o resultado apresenta influência do furacão Katrina, que devastou o local em 2005. Segundo a publicação, “traficantes de drogas vêm disputando um grupo menor de usuários, levando a muitas mortes”.

Em Moscou, de acordo com a revista, as taxas não são comparáveis a Caracas, mas tampouco se aproximam dos níveis apresentados por cidades européias. Na capital russa, muitos dos assassinatos têm origem étnica e são perpetrados por grupos ultra-nacionalistas, diz o texto.

Do valor de artigos exóticos

Demétrio Magnoli
O Globo
2 de outubro de 2008


Quando Tarso Genro ordenou a captura e deportação dos pugilistas cubanos, nos Jogos Pan-Americanos de 2007, converteu-se em herdeiro político legítimo de Alfredo Buzaid, seu antecessor no Ministério da Justiça nos tempos de Garrastazu Médici. Não há surpresa na sua iniciativa de suprimir do projeto de lei destinado a frear a farra dos grampos uma cláusula que protegia o direito jornalístico de divulgar o conteúdo de escutas vazadas de investigações policiais. Nem na sua negativa em admitir a intenção do governo de restringir a liberdade de informar. Afinal, ninguém esqueceu que o ministro do Arbítrio substituiu, ex post facto, o termo de deportação dos pugilistas por um documento de repatriamento.

Genro não está só na ofensiva liberticida. O ministro Nelson Jobim defendeu em depoimento ao Congresso a criminalização da divulgação de escutas pela imprensa e articulou com seu colega Franklin Martins, o ministro da Verdade Oficial, a retirada da cláusula de proteção do trabalho jornalístico. Os três alinham-se com o presidente da República, que explicou: “Liberdade de imprensa não pode pressupor que alguém possa roubar informações, e elas possam ser divulgadas sem que a pessoa que tenha roubado seja punida.”

A frase de Lula só aparentemente carece de sentido. Um dos deveres clássicos da imprensa é precisamente “roubar informações” de interesse público e divulgá-las, mas o presidente sabe que, no caso, não há nenhum “roubo”: são os autores de escutas — legais ou ilegais — que as vazam, e nem sempre primariamente para jornalistas. Atrás da esperteza presidencial, esconde-se uma doutrina sobre a função da imprensa. Referindo-se ao episódio do grampo no presidente do STF, Gilmar Mendes, Lula descerrou o véu: “Era fácil encontrar quem fez o grampo, se o jornalista que fez a matéria dissesse quem é o cara.”

Pouco importa, aqui, que nem sempre o jornalista sabe “quem é o cara”. Lula está dizendo que, em nome do bem público, a imprensa deve estabelecer uma parceria com o Estado. É precisamente esta doutrina que fundamenta a criminalização da divulgação de escutas. A tríade de ministros em revolta anticonstitucional almeja transformar a imprensa em linha auxiliar da polícia, impondo aos jornalistas, sob as penas da lei, a missão de ocultar informações “sensíveis”. Nem o presidente, nem seus auxiliares parecem interessados no fato óbvio de que a ruptura do sigilo da escuta não se dá na hora da publicação de seu conteúdo mas antes, quando arapongas a serviço de interesses criminosos colocam os grampos em circulação numa rede mais ou menos ampla. Entretanto, ao tentarem manietar a imprensa, eles prestam um favor inestimável à indústria da chantagem, assegurando que as informações com as quais opera transitarão numa esfera restrita, fora do conhecimento do grande público.

O fascínio pela arapongagem atingiu um ápice histórico, algo que diz volumes sobre a putrefação das instituições. São, no Brasil, 407 mil escutas legais, numa orgia patrocinada pela perigosa associação entre juízes e policiais. Quantas são as escutas clandestinas, mas conduzidas por agentes públicos? Entre os cidadãos, muitos crêem ingenuamente que a destruição em massa da privacidade serve à finalidade de combater a corrupção. Mas o aterrador é constatar a difusão da leniência — ou, no limite, de uma nítida fé liberticida — entre os que, por dever de ofício, deveriam saber mais.

O historiador Boris Fausto escreveu em “O Estado de S. Paulo” que “os fins não justificam os meios”, mesmo porque estão entrelaçados, mas abriu uma janela de tolerância em nome do imperativo de “combater o mundo submerso”. Os colunistas Fernando de Barros e Silva e Marcelo Coelho, da “Folha de S.Paulo”, preferiram atirar naqueles que recordam o valor de artigos exóticos como as liberdades individuais. O primeiro, em linguagem reminiscente das ditaduras salvacionistas, sugeriu que os princípios democráticos servem “para preservar privilégios e perpetuar a impunidade”. O segundo, num exercício de delinqüência intelectual, decretou que “uma autoridade grampeada é uma autoridade mais transparente, mais submetida ao controle da sociedade”. Os católicos buscam a salvação pelas obras, e os protestantes, pela fé. Coelho propõe a salvação pela polícia, que parece figurar na sua mente como o equivalente da “sociedade”.

Os agentes que escutam nas fímbrias das linhas telefônicas não são, jamais, os ouvidos da “sociedade” — e, no Brasil de hoje, nem sequer podemos ter a certeza pouco tranqüilizadora de que são os ouvidos do Estado. O “mundo submerso”, esquecese com freqüência, não é um universo apartado do mundo oficial, nem do subconjunto dele que é o mundo policial. Mas como é possível esquecer disso quando a guerra empresarial pelo controle do setor de telefonia vinca os altos círculos da elite política e se refrata indiretamente numa polícia federal em vias de balcanização?

“Quem não deve, não teme”, diz o ditado de quem não teme pois não sabe o que deve temer. O sigilo telefônico, como o bancário, não nasceu para proteger criminosos mas para restringir o poder de um “mundo submerso” imbricado no mundo oficial. O seu sentido de fundo é garantir aos cidadãos, e inclusive a autoridades, a possibilidade de desafiarem os governantes, mesmo quando têm segredos profissionais ou pessoais valiosos — e até se cometeram ilegalidades.

A liberdade de informar tem um sentido paralelo. O chão sobre o qual se ergue é formado pela desconfiança na sabedoria do governo — isto é, de qualquer governo. O paradigma de Lula, e de seu cortejo de ministros, é o inverso. Eles desconfiam da sabedoria dos cidadãos e preconizam a salvação pelo Estado. A liberdade do araponga e a censura à imprensa formam as faces complementares de sua teoria da comunicação social. Não seria tempo de incorporar uma Primeira Emenda à nossa Constituição?

Minc critica modelo de reforma agrária adotado no país

Catarina Alencastro
O Globo
2 de outubro de 2008

RIO - O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, disse na quarta-feira que o modelo de reforma agrária do Incra está superado. Depois de admitir que o Ibama poderá rever a lista com os maiores desmatadores da Amazônia , entre eles assentamentos do Incra, Minc criticou o modelo adotado atualmente para distribuir terras aos assentados que, segundo ele, transforma os assentamentos em tabuleiro de xadrez.

Minc disse que transformar uma grande área em pequenos módulos de terra, a serem explorados separadamente por cada família, não favorece nem a produtividade agrícola nem a formação de corredores ecológicos.

- Esse modelo de tabuleiro de xadrez acho que é superado. Então a gente tem que realmente pensar nisso. Estamos querendo encontrar soluções conjuntas com o Incra - disse o ministro, que ainda se recupera do mal-estar causado no governo pela divulgação da lista que coloca o Incra no topo do desmatamento da Amazônia . ( Veja a lista completa dos cem maiores desmatadores )

Minc explicou que a divisão do assentamento em pequenos lotes não permite que se faça uma produção coletiva, de forma a aumentar a produtividade, e também não permite que o governo faça um corredor florestal para dar sustentação à fauna e flora dentro do assentamento.

- Quando você levanta que está tendo problema de sustentabilidade, não é para jogar para baixo, é para corrigir e para dar um salto adiante. Eu quero uma reforma agrária lógica. Acho que a melhor defesa da reforma agrária não é fingir que ela não tem problemas na Amazônia. A melhor defesa é aumentar a sustentabilidade ambiental da reforma agrária - disse.

Sobre as contestações que o Incra faz das vultosas multas que deve ao Ibama pelo desmatamento de 223,3 mil hectares em floresta amazônica no Mato Grosso, Minc disse que recebeu um relatório preliminar e admitiu que algumas delas têm cabimento, como por exemplo, o fato de as coordenadas de um assentamento estarem erradas. Ele voltou a dizer, no entanto, que os dados comprovam que houve desmatamento superior ao permitido pela legislação ambiental em várias dessas áreas.

Classificando a si mesmo como autonomista, o ministro disse que, da próxima vez, lerá os levantamentos antes.

- Daqui para frente, eu verei a lista. Acho que houve um excesso, mas eu tenho esse espírito meio autonomista.

Minc não quis comprar briga com sua antecessora, a senadora Marina Silva (PT-AC), que terça-feira contestou algumas ações que ele vinha divulgando como novas . Em tom de desculpa, ele disse que sua gestão é de continuidade à de Marina, mas que, como a senadora "saiu atritada" com o presidente Lula, ele conseguiu desemperrar algumas questões que estavam paradas, como o Fundo de Mudança Climática.

- Muitas vezes existem trabalhos sendo feitos, mas, em determinado momento, é necessário um plus concentrado - afirmou.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

MP investigará ação de grupo contra o "Extra"

O Globo
29 de setembro de 2008

Homens compraram 30 mil exemplares do jornal para evitar divulgação de reportagem sobre gazeta de candidatos

O Ministério Público Eleitoral investigará a compra de mais de 30 mil exemplares do Jornal "Extra" por grupos armados, na madrugada de ontem, para evitar a divulgação da reportagem sobre a gazeta de deputados estaduais candidatos a prefeito em campanha. Segundo o procurador regional eleitoral, Rogério Nascimento, há indícios de crime eleitoral no episódio e o caso representa uma ameaça à democracia.

A segunda edição de domingo do jornal "Extra", com a manchete "Deputados em campanha mentem para garantir salário de R$13 mil", não chegou à maioria das bancas da Baixada Fluminense. Um grupo de homens, alguns armados, comprou os exemplares antecipadamente no centro de distribuição de Belford Roxo, impedindo que os jornais chegassem aos leitores. O mesmo grupo percorreu bancas de São João de Meriti e de municípios vizinhos para checar se havia algum exemplar do "Extra" disponível.

Jornaleiros que se negaram a vender jornais acabaram cedendo, depois de sofrerem intimidação de homens armados. Temendo represálias, os jornaleiros não registraram ocorrência na delegacia. Por volta das 2h de domingo, homens num Vectra e num caminhão estiveram na sede do jornal, na Rua Irineu Marinho, com o mesmo objetivo: comprar antecipadamente exemplares do "Extra". O chefe do grupo, que se identificou como coronel do Corpo de Bombeiros, disse que o objetivo era adquirir dez mil exemplares, mas acabaram levando apenas 850, comprados com distribuidores na porta do jornal.

A reportagem relacionada à manchete denunciou que os candidatos Marcelo Simão (PHS), Rodrigo Neves (PT) e Alessandro Calazans (PMN), todos deputados, faltaram a sessões da Alerj e inventaram compromissos para ter as faltas abonadas e garantir o salário integral de R$13 mil. Marcelo Simão é candidato a prefeito em Meriti; Rodrigo Neves, em Niterói; e Alessandro Calazans, em Nilópolis. O procurador regional eleitoral, Rogério Nascimento, reprovou a ação:

- Isso não pode ser tolerado porque fere um princípio da democracia: o da liberdade de imprensa. O eleitor se alimenta de informações. Sem uma imprensa livre, não há democracia.

Presidente do TRE diz que ação é golpe eleitoral

Corregedor do Corpo de Bombeiros, o coronel Marcos Tadeu investigará o caso:

- Vamos tomar providências para identificar quais oficiais são ligados a esses candidatos.

Segundo Rogério Nascimento, esses parlamentares podem ter a candidatura anulada ou, se eleitos, o mandato como prefeito cassado. O presidente em exercício do Tribunal Regional Eleitoral, Alberto Motta Moraes, emitiu uma nota oficial classificando a ação como um golpe eleitoral: "O TRE repudia com veemência essa ação, que nos parece claramente um golpe de natureza eleitoral. A compra de grande quantidade de exemplares numa mesma região tem todos os indícios de uma tentativa de impedir que informações chegassem a uma parcela do eleitorado. Igualmente graves são as denúncias de que jornaleiros foram coagidos a vender todo o estoque, o que só fortalece a hipótese de se negar à população informações que lhe ajudasse a decidir o voto de forma livre e consciente".

O método usado para que 30 mil exemplares do "Extra" não chegassem aos leitores foi considerado uma afronta à liberdade de informação por associações de jornais e jornalistas do Brasil. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, condenou o fato de grupos ainda usarem o poder econômico para privar eleitores de informações.

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade, observou que, embora a atitude do grupo não configure crime judicial, pode ser considerada prática criminosa contra a sociedade, pois impede eleitores de terem informações sobre candidatos. Segundo ele, essa postura aumenta ainda mais a falta de credibilidade da população em relação aos políticos:

- Esse é um tipo de prática que deve ficar no passado.

A notícia da privação de informações deixou perplexo a presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio, Suzana Blass. Para ela, foi violado o direito dos leitores de terem acesso às informações, o que é inconstitucional:

- É um ato de coronelismo. Um retrocesso no processo democrático.

Candidato diz que não conseguiu comprar jornal

Um dos candidatos a prefeitura de São João de Meriti, o deputado Marcelo Simão (PHS) garante ter certeza de que a falta de exemplares do "Extra" no município foi uma estratégia do candidato Sandro Matos (PR) para ganhar a eleição:

- Quando a campanha começou, eu estava com 3% e ele com mais de 60% das intenções de voto. Hoje, a disputa está embolada. Ele está desesperado.

Já Sandro atribuiu a falta de exemplares à reportagem que ele classificou de comprometedora. O candidato diz que não conseguiu comprar o jornal:

- Um amigo, Rodrigo, procurou na cidade e em Nilópolis. Também não encontrou. Por isso, foi até a sede do "Extra", comprou cerca de 200 exemplares e distribuiu no meu evento de campanha.

Equador aprova nova Carta

O Globo
29 de setembro de 2008

Constituição dá superpoderes a Correa e aumenta intervenção do Estado na economia

O presidente do Equador, Rafael Correa, obteve ontem a maior vitória política desde que foi eleito, com a aprovação em referendo da nova Constituição. A nova Carta dá superpoderes a Correa e aumenta a intervenção do Estado na economia, principalmente em setores estratégicos, como petróleo e telecomunicações. Pesquisas de boca-de-urna, cujos resultados foram reconhecidos por governo e oposição, indicam que o "sim" ganhou com cerca de 70% dos votos enquanto o "não" teve 25%. O presidente, que acompanhou a votação na cidade opositora de Guayaquil, disse que os resultados marcam uma reforma no Equador.

- Este foi um dia histórico para o povo do Equador. Todas as pesquisas, encomendadas por governo e oposição, apontam para uma vitória com ampla margem. Poderemos agora implementar as reformas que são tão importantes para o desenvolvimento do nosso país - disse o presidente, em meio a uma festa feita por partidários do "sim" para comemorar a vitória.

A nova Carta é um projeto pessoal do presidente, que foi o principal cabo eleitoral do "sim" durante a campanha do referendo. Ela aumenta os poderes de intervenção e participação do Estado em setores vitais da economia - petróleo, mineração e telecomunicações -, dá ao presidente superpoderes para gerenciar a política monetária e regulamenta a reeleição. Pelas novas leis, Correa pode dissolver o Parlamento, convocar novas eleições gerais, candidatar-se e ter direito a mais uma reeleição, o que faz com que possa permanecer no poder até 2017. Com a vitória, Correa consegue o que seu principal aliado, o presidente venezuelano Hugo Chávez, tentou primeiro, mas sem sucesso. Chávez teve seu projeto de uma nova Constituição derrotado em referendo no ano passado.

Ex-aliados se reconciliam com presidente

O dia de votação foi tranqüilo em todo o país, apesar de a maior parte das urnas só ter começado seus trabalhos com quase uma hora de atraso. A campanha para o referendo foi suspensa na quinta-feira, quando a lei seca foi instaurada no país. Desde então, mais de mil pessoas foram presas por desrespeitarem as leis eleitorais. Segundo observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), não ocorreram incidentes que comprometam os resultados. Mas o clima político no Equador virou o principal alvo de preocupação da missão.

- Apesar da organização da votação, o que observamos no país é um clima crescente de polarização, que pode se tornar ainda mais intenso daqui para frente. O que peço é que governo e opositores sentem-se à mesa para respeitar os resultados e também para chegar a um acordo nacional que beneficie a todos - disse o chefe dos observadores da OEA, o chileno Enrique Correa.

O presidente, que chegou a perder parte de sua base política durante os trabalhos da Assembléia Constituinte e temeu pelo não cumprimento do prazo para o término dos trabalhos, saiu revigorado politicamente do pleito. Com respaldo popular, conseguiu novamente atrair antigos aliados, importantes para sua coalizão, e que nos últimos meses haviam se afastado. O principal deles é Alberto Acosta, ex-presidente da Constituinte e considerado um dos principais articuladores políticos do governo. Três semanas antes do fim dos trabalhos de redação do texto constitucional, Acosta renunciou ao cargo e se afastou de Correa, despertando temores de divisão entre os principais governistas. Ontem, votou ao lado do presidente.

- Renovo meu compromisso de trabalhar pelo país e digo que a vitória no referendo é de extrema importância para todo o povo - disse ele que, segundo a imprensa, deve voltar a ocupar um cargo no governo.

Já a oposição, que contava com a derrota mas não esperava um resultado tão negativo, sai do referendo desgastada politicamente e temerosa de que a nova Constituição resulte em prejuízos para vários setores empresariais do país.

- O governo vai implementar reformas que só vão resultar em atraso e estagnação econômica. Tudo isso que estão fazendo é um retrocesso - disse Jaime Nebot, prefeito de Guayaquil, a maior cidade do país.

A nova Constituição precisava de 50% dos votos mais um para ser aprovada. Os dados oficiais da contagem de votos só devem ser divulgados em três semanas.

Esta será a 20ª Constituição da História do Equador, que tem uma nova Carta a cada nove anos, em média. O país é um dos menores e mais instáveis da América do Sul, mas com importância estratégica por causa do petróleo. Os 130 constituintes responsáveis pela nova Carta, a maioria governista, trabalharam por quase um ano em sua elaboração.

Vítimas

Denis Lerrer Rosenfeld - O Globo (29 de setembro de 2008)

A questão indígena tem sido envolta numa tão espessa névoa ideológica que se torna, muitas vezes, difícil descortinar o que está realmente em questão. Os protagonistas se confundem, agentes históricos de atrocidades se eximem de suas responsabilidades e novas vítimas surgem. Pegue-se, por exemplo, uma publicação intitulada Outros 500. Construindo uma nova história, do Conselho Indigenista Brasileiro - Cimi/CNBB.

Nela, em sua apresentação, dom Pedro Casaldáliga considera toda a história brasileira como uma história de usurpação, carregando inclusive nos termos ao assinalar que se trata de uma história “etnocida, genocida, suicida”. Ora, o grande problema, como o próprio livro, aliás, assinala em várias partes, consiste em que essa história é de responsabilidade da Igreja e do Estado brasileiro. Os missionários exterminaram culturalmente os indígenas, destruindo as suas diferentes cosmogonias, a sua religião e a sua cultura em geral, por meio de conversões forçadas ao cristianismo. Foram também partícipes de massacres e de reclusões em missões, quando não diretamente de escravidão. Assinale-se, porém, que esses mesmos atores também lutaram pela proteção dos índios, integrando-os à nova civilização, contra as próprias políticas do Estado brasileiro.

O livro oferece vários exemplos. Na região amazônica, entre os séculos 17 e 18, “a corrupção era prática corrente nos resgates oficiais e envolvia desde funcionários encarregados da fiscalização até governadores, como Francisco Coelho de Carvalho, que exportava escravos do Pará para o restante do país e até para as Antilhas. Missionários entregavam índios para serem escravos, cedendo às ameaças das tropas ou favorecendo seus próprios interesses”. Ou ainda: “Os religiosos costumavam participar das tropas de resgate como capelães, para evitar abusos. Mas existiam também outros que ajudavam na escravidão.”

Observe-se, numa outra perspectiva, que os índios viviam em guerra constante entre si, não se podendo caracterizar o seu modo de vida como sendo o de um idílico estado de natureza a la Rousseau ou o do comunismo primitivo no sentido de Marx e Engels. Não se pode compreender a colonização portuguesa senão sob o prisma de uma disputa entre povos indígenas, que se digladiavam até a morte. Da mesma maneira, na fase das bandeiras, no século 17, havia sempre o envolvimento de indígenas contra indígenas, como no caso dos tupis aliados aos bandeirantes contra os guaranis. E se os portugueses conseguiram se estabelecer nessas terras foi porque índios colaboraram com eles, combatendo outros índios. Trata-se de um grande equívoco histórico considerar a existência de uma concórdia indígena originária, quando a realidade é bem outra.

Logo, a questão diz respeito à responsabilidade da Igreja naquilo que o Cimi chama de “genocídio”. A Igreja, conforme a orientação esquerdizante do livro, teria seguido essa política até 1972, quando o próprio Cimi foi criado, tentando, via conversão ao marxismo e à Teologia da Libertação, reverter ideologicamente esse quadro. A partir desta data, o Cimi/CNBB, graças a essa “conversão”, passa a pregar, ao arrepio dos fatos, a volta a um estágio primitivo, dito de natureza, como se este tivesse alguma vez existido. Desconsidera a história brasileira, feita de miscigenação racial e étnica, baseada na integração de culturas. Estamos diante de uma reviravolta da Igreja em relação à sua própria história, como se estivesse expiando um incontornável sentimento de culpa.

O problema se torna mais paradoxal pelo fato de o Cimi, em vez de assumir a sua própria responsabilidade, com o Estado brasileiro, transferir essa responsabilidade para os produtores rurais, que, hoje, nada têm que ver com o acontecido. Compraram as suas terras, tendo títulos de propriedade perfeitamente estabelecidos, registrados em cartório. Não cometeram nenhuma violência. Ora, são essas pessoas que se tornam alvos do Cimi/CNBB, como se fossem os responsáveis pelo que foi feito pela própria Igreja e pelo poder público. Ambos, na verdade, pretendem devolver a “terra roubada” por meio de um outro roubo, o cometido contra os produtores rurais.

A transferência de responsabilidades se faz mediante o recurso a Rousseau e Marx. O marxismo serve de instrumento de sua luta contra a propriedade privada. E Rousseau comparece como aquele que, além de denunciar a propriedade privada, teria estabelecido uma comunidade originária de homens intrinsecamente bons. A volta a Rousseau significa um ocultamento da Igreja e do Estado brasileiro, via Funai, de suas respectivas histórias. Num toque de mágica, o direito de propriedade e os produtores rurais passam a ser considerados os responsáveis por todos os malefícios da história brasileira.

Cria-se, então, uma situação inusitada: para reparar uma injustiça, comete-se outra. O trágico desta situação consiste em que os indígenas sofreram uma grande injustiça, cometida por diferentes atores históricos, dentre os quais se destacam a Igreja e o Estado brasileiro, em suas diferentes fases de constituição, em particular a relativa à escravidão. Os produtores rurais, por sua vez, são igualmente vítimas dessa situação, pois não são responsáveis pela conversão forçada das tribos indígenas pelos missionários nem pelas atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro. Acontece, porém, que o Cimi e a Funai procuram reparar uma injustiça histórica com uma outra injustiça, que afeta pessoas inocentes. Tanto a Igreja quanto o Estado brasileiro não assumem as suas respectivas responsabilidades e as transferem a um terceiro, no caso os proprietários rurais. Pregam justiça com recursos alheios.

Se a justiça fosse o eixo de suas ações, deveriam comprar terras pelo valor de mercado e distribuí-las. E não expropriar terceiras pessoas que não responsáveis por essa história