Ao contrário de muros como os de Berlim, os concebidos para separar favelas de áreas verdes não restringem direito de ir e vir
Carla Rocha e Fábio Vasconcellos
O muro e sua simbologia estão no centro de um debate apaixonado. Sem entrar no mérito técnico ou fazer juízo de valor sobre a solução encontrada pelo estado para conter a expansão de 11 favelas do Rio e proteger a Mata Atlântica, as opiniões se dividem entre argumentos com viés ideológico — o escritor português José Saramago chegou a lembrar o Muro de Berlim — e outros que defendem uma análise mais fria, admitindo que a construção pode até ser adotada em alguns casos, desde que exaustivamente discutida com os moradores.
Para alguns estudiosos, as comparações com o Muro de Berlim — que restringia o ir e vir entre as Alemanhas Oriental e Ocidental — e o de Israel, que separa judeus de palestinos, fogem da questão central, uma vez que, nas favelas do Rio, o muro não fechará acessos, não dividirá comunidades nem impedirá a entrada e saída de moradores — quem limita a circulação é o tráfico de drogas.
— É um exagero. Está se radicalizando um pouco, são imagens, figuras de linguagem, metáforas. Eu não acho que é um Muro de Berlim. É claro que o muro isoladamente, aparecendo como solução, é no mínimo um equívoco. O que não quer dizer que, em alguns casos, barreiras não possam ser usadas para proteger a Mata Atlântica ou as pessoas que moram no lugar. O importante é manter o diálogo com os moradores — diz o antropólogo Gilberto Velho, para logo emendar o que acredita ser mesmo o cerne do problema. — A política de habitação tem que ser séria, contínua, e deve privilegiar o transporte de massa.
O professor Ricardo Ismael, do Departamento de Sociologia e Política da PUC, diz que não sabe se o muro é bom ou ruim como solução, mas lembra que não se pode perder o foco:
— Há no Rio um conflito social que já é antigo e está presente na cidade desde os anos 50. Discordo da comparação com o Muro de Berlim, que era uma coisa drástica, as pessoas não podiam passar, se passassem, morriam. Havia a iminência de um terceiro conflito mundial, de um lado os socialistas e do outro os capitalistas, e ali cabia a discussão ideológica. Agora não. Mas o muro, por outro lado, pode ser um reconhecimento do poder público de que não consegue dialogar com estes setores sociais. Neste caso, também é ruim.
Ressaltando que se tratava de uma opinião pessoal, o secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, não fugiu do assunto ontem:
— Se esse processo do muro for acompanhado de programas sociais do estado nas comunidades, isso não segrega. Se fosse classe alta, ou altíssima, também seria preciso medidas radicais para evitar que as mansões e as casas subissem os morros e tomassem conta da natureza.
O governador Sérgio Cabral afirmou que as manifestações de algumas lideranças comunitárias contra o muro é resultado da influência do tráfico. Ele classificou de “bobagem” a tese de que o muro segrega a cidade: — Quem dá palpite sobre o muro, vive com o muro do clube, da propriedade, dos condomínios. Agora o muro virou sinônimo de arbitrariedade? Isso é uma bobagem. Existem muros no dia-a-dia servindo de proteção das pessoas. Queremos dar ao morador da favela a mesma condição que o sujeito do asfalto tem. Estamos acabando com a idéia de cidade partida.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, tem outra visão.
— Sinceramente não conheço o projeto do Rio. Agora, todos os muros que foram erguidos na história da modernidade não deram certo. O muro de Berlim, o muro que separa o México dos Estados Unidos. Creio que se a comunidade impugnar, certamente o governador vai revisar.
Vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Armando Mendes concorda com o ministro e afirma que, independentemente de não inviabilizar a circulação dos moradores, o muro pode sim ter uma conotação negativa.
— O discurso está completamente fora de contexto brasileiro. A gente resolve o problema da favela com integração, inclusive econômica. Se ele (o muro) for um delimitador agressivo, vai ser segregador. O simbolismo é grave. A gente também tem que cuidar do simbolismo no Brasil. É impossível aceitar uma coisa dessas.