sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Nossos governantes

Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil
28 de agosto de 2008


Desafio o governo Lula e seus sessenta intelectuaizinhos de estimação, os partidos de esquerda, o dr. Baltasar Garzón e todos os camelôs de direitos humanos a provar que qualquer das afirmações seguintes não corresponde aos fatos:

1. Todos os militantes de esquerda mortos pela repressão à guerrilha eram pessoas envolvidas de algum modo na luta armada. Entre as vítimas do terrorismo, ao contrário, houve civis inocentes, que nada tinham a ver com a encrenca.

2. Mesmo depois de subir na vida e tomar o governo, tornando-se poderosos e não raro milionários, os terroristas jamais esboçaram um pedido de perdão aos familiares dessas vítimas, muito menos tentaram lhes dar alguma compensação moral ou material. Nada, absolutamente nada, sugere que algum dia tenham sequer pensado nessas pessoas como seres humanos; no máximo, como detalhes irrisórios da grande epopéia revolucionária. Em contrapartida, querem que a opinião pública se comova até às lágrimas com o mal sobrevindo a eles próprios em retaliação pelos seus crimes, como se a violência sofrida em resposta à violência fosse coisa mais absurda e chocante do que a morte vinda do nada, sem motivo nem razão.

3. Bradam diariamente contra o crime de tortura, como se não soubessem que aprisionar à força um não-combatente e mantê-lo em cárcere privado sob constante ameaça de morte é um ato de tortura, ainda mais grave, pelo terror inesperado com que surpreende a vítima, do que cobrir de pancadas um combatente preso que ao menos sabe por que está apanhando. Contrariando a lógica, o senso comum, os Dez Mandamentos e toda a jurisprudência universal, acham que explodir pessoas a esmo é menos criminoso do que maltratar quem as explodiu.

4. Mesmo sabendo que mataram dezenas de inocentes, jamais se arrependeram de seus crimes. O máximo de nobreza que alcançam é admitir que a época não está propícia para cometê-los de novo – e esperam que esta confissão de oportunismo tático seja aceita como prova de seus sentimentos pacíficos e humanitários.

5. Consideram-se heróis, mas nunca explicaram o que pode haver de especialmente heróico em ocultar uma bomba-relógio sob um banco de aeroporto, em aterrorizar funcionárias de banco esfregando-lhes uma metralhadora na cara, em armar tocaia para matar um homem desarmado diante da mulher e do filho ou em esmigalhar a coronhadas a cabeça de um prisioneiro amarrado – sendo estes somente alguns dos seus feitos presumidamente gloriosos.

6. Dizem que lutavam pela democracia, mas nunca explicaram como poderiam criá-la com a ajuda da ditadura mais sangrenta do continente, nem por que essa ditadura estaria tão ansiosa em dar aos habitantes de uma terra estrangeira a liberdade que ela negava tão completamente aos cidadãos do seu próprio país.

7. Sabem perfeitamente que, para cada um dos seus que morria nas mãos da polícia brasileira, pelo menos trezentos eram mortos no mesmo instante pela ditadura que armava e financiava a sua maldita guerrilha. Mas nunca mostraram uma só gota de sentimento de culpa ante o preço que sua pretensa luta pela liberdade custou aos prisioneiros políticos cubanos.

Desses sete fatos decorrem algumas conclusões incontornáveis. Esses homens têm uma idéia errada, tanto dos seus próprios méritos quanto da insignificância alheia. Acham que surrar assassinos é crime hediondo, mas matar transeuntes é inócuo acidente de percurso (e recusam-se, é claro, a aplicar o mesmo atenuante às mortes de civis em tempo de guerra, se as bombas são americanas). São hipersensíveis às suas próprias dores, mesmo quando desejaram o risco de sofrê-las, e indiferentes à dor de quem jamais a procurou nem mereceu. Procedem, em suma, como se tivessem o monopólio não só da dignidade humana, mas do direito à compaixão. Qualquer tratado de psiquiatria forense lhes mostrará que esse modo de sentir é característico de criminosos sociopatas, ególatras e sem consciência moral. Não tenham ilusões. É esse tipo de gente que governa o Brasil de hoje.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Obama fará discurso de nomeação em clima de espetáculo

Acostumado a reunir milhares em seus comícios pelo país, o candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama fará seu mais importante discurso em uma noite programada para ser um grande espetáculo.

Em vez do Pepsi Center, local que abrigou a Convenção Democrata nos últimos três dias, o discurso de aceitação da nomeação democrata, oficializada nesta quarta-feira por aclamação, será no estádio Inviesco Field.

Queremos abrir a convenção para garantir que todos que quiserem possam vir se juntar à festa", explicou Obama, em uma aparição surpresa nesta quarta-feira. O estádio, do time de futebol americano local, comporta 75 mil pessoas e deve lotar de partidários e apoiadores do senador por Illinois.

O cenário também foi pensado para ser digno do próximo presidente dos Estados Unidos. Com colunas brancas, o palco foi montado para lembrar um templo grego, de acordo com o comunicado da equipe que organiza o evento. Coincidentemente, parece também com as colunas em frente à Casa Branca, sede oficial da Presidência americana.

O palco onde Obama discursará nesta quinta-feira tem ainda uma estrutura similar a grandes shows de rock. Ele pode ser erguido do chão - uma imagem forte para os milhões de americanos que acompanharão o evento pela televisão.

O local é também mais uma das comparações entre Obama e o popular ex-presidente John Kennedy que, em 1960, aceitou sua nomeação em um discurso para 80 mil pessoas no Coliseu de Los Angeles.

Segundo a programação para o discurso, assim que Obama acabar seu discurso, confete cairá sobre ele e fogos de artifício serão lançados ao redor do estádio.

Música
Para preparar o público para o grande discurso de Obama, a equipe democrata convidou algumas celebridades da música americana para participar do evento que deve durar seis horas.

O hino nacional --um dos momentos mais importantes em um país onde o patriotismo é muito valorizado - será cantado pela atriz vencedora do Oscar e cantora Jennifer Hudson. Além de negra e bem sucedida, ela é de Chicago, Estado por onde Obama é senador.

Ela foi convidada a cantar "The Star Spangled Banner" (título do hino nacional) na convenção a pedido do próprio senador.

A quarta noite da Convenção Nacional Democrata contará ainda com performances ao vivo de Will.i.am, vocalista do grupo Black Eyed Peas.

A estrela do hip hop foi autor de vários clipes de apoio a Obama que fizeram sucesso na Internet. Will.i.am ganhou até um "Webby Awards", considerado o Oscar da internet, pelo vídeo "Yes we can" ("Sim nós podemos") no qual demonstra seu apoio a Obama, visto por 17 milhões de internautas somente em fevereiro.

Outra grande estrela da música americana que deve comparecer ao Inviesco Field para prestigiar Obama é Stevie Wonder.

Em maio deste ano, ele fez um dos shows mais disputados do 39.º Festival de Jazz de Nova Orleans e aproveitou o evento para declarar seu entusiasmo com a candidatura histórica de Obama, o primeiro negro a conquistar a nomeação de um grande partido nos EUA.

"Estou bastante animado com Barack Obama. Espero que nós façamos a coisa certa para este país e para o mundo", disse o músico que deve repetir a declaração na noite desta quinta-feira.

História
Embora conte com grandes nomes da música, a grande atração desta noite deve ser mesmo Obama que aceita sua nomeação com um discurso de mudança - seu principal tema de campanha - e uma homenagem ao líder do movimento pelos direitos civis Martin Luther King.

No dia em que os EUA comemoram 45 anos do histórico discurso "Eu Tenho um Sonho", de King, Obama deve demonstrar mais uma vez sua renomada retórica que causou ovações de cerca de 200 mil pessoas em Berlim.

"Obama vai comunicar a urgência do momento, destacar as lutas que os americanos enfrentam para se unir e mudar o rumo de nossa nação", antecipou o Comitê da Convenção Nacional Democrata, em comunicado.

Os democratas aproveitam a data para fazer uma homenagem a King com a presença de seus dois filhos, Bernice e Martin Luther King 3º.

Com o tema "Mudança na qual podemos acreditar", um slogan emprestado da bem sucedida campanha de Obama pela nomeação, alguns grandes nomes do Partido Democrata devem discursar esta noite.

Entre eles, o ex-vice-presidente Al Gore que ficou popular pela sua defesa do ambiente.Também deve falar ao público o governador Bill Richardson do Novo México, que foi um dos pré-candidatos democratas, e o governador Tim Kaine, da Virgínia, que estava na lista de possíveis candidatos a vice de Obama.

Notas de um velório

Carlos Diegues
O Globo, 28/8/2005

De vez em quando, o cinema brasileiro “morre”. Tem sido assim através dos 110 anos de sua existência. É como se a nação não pudesse (ou não quisesse) acreditar que tem capacidade para produzir filmes. Quando eles são feitos e fazem algum sucesso, preferimos imaginar que se trata de uma ilusão passageira, uma exceção à regra de nossa impotência cinematográfica. O cinema é o nosso certificado de subdesenvolvimento, da nossa falta de vocação para a modernidade.

É verdade que nosso cinema sempre viveu de ciclos que se abrem com euforia e se encerram com brevidade. Uma crise econômica internacional, provocada pela guerra de 1914, acabou com o primeiro desses ciclos. O golpe de 1964, com o do Cinema Novo. Collor, com o da Embrafilme. E assim por diante. Nenhum desses fatores letais foi de exclusiva responsabilidade dos cineastas da época; mas a lenda que se registra é a da incompetência deles.

Em 94, graças a uma modesta e insuficiente Lei do Audiovisual, recuperouse a viabilidade de se produzir filmes no país. Seguiu-se à lei uma produção anual que cresceu de meia dúzia a cerca de 90 em 2007. Veteranos voltaram a filmar e mais de 200 diretores estrearam. Sucessivas safras de cineastas talentosos foram colhidas. Muitos de seus filmes continuam a receber prêmios importantes em festivais como Cannes, Veneza, Berlim, Sundance e Montreal, além de sucessivas indicações ao Oscar.

A ocupação de nosso próprio mercado por nossos filmes não se deu com a velocidade e a intensidade que desejávamos; mas ela também não está muito longe do que acontece em outros países, sobretudo latino-americanos. E isso não significa morte próxima. Já chegamos, em 2003, a cerca de 22% de participação no mercado, índice que nos colocava perto de países europeus com bom desempenho. Nada impede que sonhemos voltar, em breve, a essa marca, e mesmo superá-la. Para isso, precisamos, em primeiríssimo lugar, tomar consciência de que a natureza de nossa atividade está sendo modificada radical e rapidamente.

As novas tecnologias geraram novas formas de captação e difusão de imagens e sons, a arte e o negócio cinematográficos não são mais os mesmos. Este é um sentimento definitivo, uma convicção em todo o mundo cinematográfico — dos grandes estúdios de Hollywood (que estão financiando a digitalização do circuito exibidor americano e comprando redes de TV) a artistas independentes e fundamentais. Tanto do ponto de vista da criação como da comercialização, o filme não é mais o produto de poucos anos atrás; e, daqui a pouco, também não será mais o que é hoje. Não podemos ficar a reboque dos problemas de ontem, enquanto este amanhã está sendo construído sem nossa participação.

Da França à Coréia do Sul, da Romênia à Tailândia, cada país está se inserindo neste novo mundo de modo particular, preparando suas cinematografias para enfrentar a poderosa concorrência hegemônica, sem temer a cosmopolitização indispensável à atividade. No limite, toda cinematografia depende, em primeiro lugar, do talento de seus cineastas. Mas o Estado e a sociedade precisam provê-los de mecanismos adequados às bases institucionais, articulados com as economias locais, atentos aos projetos da população.

Temos que encontrar os nossos, o mais urgentemente possível. Para início de conversa, é preciso pensar no consumidor. Mas não apenas desse modo banal de fazer contas de botequim para saber se um filme foi ou não sucesso de bilheteria. O cinema é uma manifestação do imaginário humano, e a contabilidade dele não é tão simples assim. Precisamos fazer filmes para todas as telas e todos os públicos, mas é preciso também que essas telas e esses públicos existam de fato.

Como atingir o público se ele não está ao nosso alcance? Seria como instalar a indústria automobilística num país sem ruas e sem estradas. Para nos prepararmos para o futuro anunciado, precisamos enfrentar logo as nossas muitas ausências. A ausência de salas populares de exibição, que condena nossos filmes a um circuito de elite, que tem um dos piores desempenhos do mundo na relação entre número de salas e tamanho da população. A ausência de uma sólida relação de produção e difusão entre cinema e TV, sabendo-se que, no ano passado, só a Globo e a TV Cultura exibiram filmes brasileiros. A ausência deles na televisão paga, onde se encontram murados no gueto do Canal Brasil. A ausência de uma política realista de produtores e distribuidores para o vídeo doméstico, seja ele o DVD em decadência ou os emergentes VOD e Blue Ray. A ausência de compreensão de que a pirataria, tão maléfica, não é uma questão policial, e sim social, resultado do impulso de consumidores que não têm acesso ao produto audiovisual que desejam consumir. A ausência de um mecanismo de promoção e exportação de nossos filmes no mercado internacional, que representa hoje 65% da renda de um filme americano. E, sobretudo, a ausência de uma visão de mundo cinematográfica que contemple fenômenos como o da internet, da televisão móvel e similares, com suas conseqüências na transformação radical de nossa atividade.

Mas a ausência que mais nos prejudicará será sempre a da tolerância em relação à nossa diversidade. O cinema é hoje o espaço de uma grande arte, no qual se exprimem artistas originais que nos proporcionam encantamento e êxtase. Mas não podemos nunca nos esquecer de sua igual vocação para a arte popular, aquela que o cinema vem construindo desde sua origem. No Brasil, como em muito poucos países, temos a oportunidade real de fazer conviver essas duas grandes tendências. Não podemos deixar que a intolerância nos impeça de dar essa grande contribuição civilizatória à Humanidade do século XXI.

Para que esses últimos anos não se transformem em mais um ciclo, para que eles representem o início da consolidação do cinema como atividade permanente, é preciso nos dispormos a dar um salto por cima de tudo que não resolvemos no passado, para cair direto no século XXI, encarando as notáveis, fascinantes e tão ricas questões do audiovisual deste tempo. E essa não é uma tarefa apenas dos cineastas, mas também dos espectadores, dos cinéfilos, das autoridades, da imprensa, da academia, de toda a sociedade.

Se o pior acontecer, não se preocupem — repito que o cinema brasileiro não morrerá nunca. Estará sobrevivendo, como uma necessidade e como for possível, em experiências isoladas e aventuras inesperadas, como já aconteceu, entre um ciclo e outro. Talvez na produção universitária de tantas escolas espalhadas pelo Brasil. Ou na coragem e no empenho dos jovens cineastas de periferias urbanas. No esforço e na paixão dos que amam o cinema e não sabem viver sem ele. Mas seria muito melhor se, em vez de nas catacumbas da resistência, o cinema brasileiro se fizesse à luz do sol, para deleite e orgulho de toda a população.

A crise dos 6,9%

Especialistas discutem o que fazer para que o cinema nacional volte a ter público
Por Mauro Ventura
O Globo, 28/8/2008

Em 2003, os filmes brasileiros dominaram quase um quarto do mercado — 22%. Este ano, até agora, o número baixou para inquietantes 6,9%. O sinal de alerta foi aceso pelo produtor Luiz Carlos Barreto, o Barretão, no Prêmio Contigo de Cinema, quando disse que era “absolutamente ridículo continuar a aceitar essa taxa”. Os cineastas buscam entender por que o público não tem comparecido, já que os filmes têm sido feitos, a cada semana há novos lançamentos, e nunca a imagem do cinema nacional esteve tão boa.

— Este ano vai ser ruim para o cinema no Brasil e, mais ainda, para o cinema brasileiro. É bom aprendermos a conviver com essa crise nos próximos anos — diz Paulo Sérgio Almeida, da Filme B, empresa de análise do mercado. E razões para o problema não faltam. — Os grandes vilões são o preço do ingresso e a concorrência estrangeira — diz Renato Aragão, que lançou “O guerreiro Didi e a ninja Lili” e alcançou apenas 257 mil espectadores. — Saí de dezembro para julho porque a concorrência era grande. Foi pior. Nunca tinha estreado com oito concorrentes, que tomaram 3.300 salas. Fiquei espremido com 130 cópias, na periferia.

Carlos Reichenbach, que viu seu “Falsa loura” ter pouco mais de nove mil espectadores, mesmo com Cauã Reymond e Rosane Mulholland no elenco, lamenta que os filmes médios, independentes, só entrem em salas de arte. — O que me deprime particularmente é que não consigo chegar a meus protagonistas: operárias, proletárias. O tipo de público que era fiel aos filmes brasileiros sempre foi o das classes C e D. E cinema virou diversão de elite. O produtor Diler Trindade concorda:

— Não há cinema em 92% dos municípios brasileiros. As salas são concentradas nos municípios de renda mais abastada. E a tendência é abrir mais e mais salas VIPs (como as que o Cinemark inaugurou em São Paulo, com preços entre R$ 35 e R$ 46). Procuram cada vez mais quem tem poder de compra, que é quem mais tem preconceito contra o cinema brasileiro.Quem aprecia o cinema nacional é justamente o povo. É ele que gosta de sua esquina.

Ele diz que é preciso criar o vale-cultura.

— O governo fomentou a produção, a distribuição e até a exibição, mas nunca fomentou o espectador. A exemplo do vale-transporte e do tíquete-refeição, a empresa poderia dar o vale, que seria dedutível do Imposto de Renda, para se assistir à cultura nacional.

Barretão diz que há dois anos se luta pela instituição do vale-cultura.

— São de 30 milhões a 35 milhões de trabalhadores de baixa renda que iriam se inserir no mercado cultural.

Diler tem outra proposta, mais polêmica: ingressos diferenciados.

— Afinal, as produções nacionais custam em média US$ 2 milhões, contra US$ 100 milhões das americanas. Reichenbach pensa parecido: — É uma solução de emergência, mas utópica: qualquer filme brasileiro deveria entrar ao preço de uma passagem de ônibus. Nos anos 60, eu deixava de comprar um maço de cigarros para ver dois filmes.

Não é por falta de produção que o cinema brasileiro tem atraído pouco público. Segundo Paulo Sérgio Almeida, estão sendo produzidos 300 filmes no país. Outros 300 estão em processo de captação. Há 14 sendo rodados, 69 em fase de montagem, 34 prontos que devem estrear este ano e 75 sem data de lançamento. — Mas estamos no modelo certo? Não sei — diz Almeida. — Ele é altamente democrático, mas não tem objetivo definido de fazer bilheteria.

Críticas à forma como estatais investem

Entre os mecanismos que financiam o cinema brasileiro estão os artigos 1º e 1º A da Lei do Audiovisual — que concedem isenção fiscal às empresas patrocinadoras — e o artigo 3º — que permite às majors (distribuidoras estrangeiras) deduzir um percentual de suas remessas se investirem em filmes brasileiros.

As principais empresas patrocinadoras são a Petrobras e o BNDES, que selecionam os projetos em suas comissões. Bruno Wainer, da Downtown, única distribuidora privada dedicada exclusivamente ao cinema brasileiro, lamenta que não haja preocupação em ser competitivo.

— É escandalosa a forma como aplicam a verba. Beira a irresponsabilidade a maneira como as estatais investem esse caminhão de dinheiro no cinema brasileiro — diz ele, que apresentou em São Paulo a palestra “Por que o cinema brasileiro diminuiu a taxa de ocupação enquanto houve enorme aumento de títulos?”.

Ele diz que, dos 38 filmes brasileiros lançados este ano, apenas sete são de mercado: “Meu nome não é Johnny”, “Sexo com amor”, “Era uma vez”, “O guerreiro Didi e a ninja Lili”, “Xuxa em sonho de menina”, “Polaróides urbanas” e “Chega de saudade”. E, dos cerca de 500 filmes brasileiros produzidos e distribuídos de 1994 a 2007, 140 venderam 91,5% dos ingressos.

— Esses são os que tiveram investimento pesado das distribuidoras na produção, os que o distribuidor olhou e falou: vou apostar nele porque é cavalo vencedor. Produz-se muito no Brasil, mas muito poucos se enquadram na categoria competitivos. Se você separasse esses 140 dos demais, a performance do cinema brasileiro seria uma das melhores do mundo. Para Almeida, também falta investir em filmes ambiciosos.

— Participei de várias comissões de seleção e ouvia dizerem: “Esse filme não precisa de dinheiro, porque já tem artigo 3º .

Vamos dar para esse pobre coitado.” Procurava-se bombardear esses filmes, independentemente do mérito. O resultado é que se criou um monte de filmes pequenos. Por que não se separa edital para filme comercial? Barretão também faz críticas.

— Nunca se investiu tanto em produção quanto no governo Lula. Só que os critérios foram muito orientados numa política de fazer cinema-cabeça, de experimentação, de renovação de linguagem. Tem que ter, mas não ser a maioria. Cheguei a ouvir: “Agora vamos fazer uma substituição de geração”. Foram feitas comissões absurdas, numa política orientada pelo MinC. A ponto de Nelson Pereira dos Santos estar lutando para fazer um documentário sobre Tom Jobim e não conseguir captar. As estatais vêm corrigindo essa política equivocada, mas até dar resultado vai demorar.

Investimento pode chegar a US$ 250 milhões em 2008


Sérgio Sá Leitão, diretor da Ancine, garante que a agência está “extremamente preocupada” com a situação.

— O modelo chegou ao esgotamento. Temos que favorecer o desenvolvimento do mercado, valorizar a meritocracia, a performance anterior, o fato de o filme já ter distribuidora. O Breno Silveira fez “2 filhos de Francisco”, que gerou emprego e satisfez o público. Quando terminou, foi para o fim da fila. É como se ter feito um sucesso contribuísse muito pouco para o que vai acontecer depois — critica.

e diz que o volume investido pelo Estado este ano no audiovisual vai ficar entre US$ 200 milhões e US$ 250 milhões.

— Mas investe-se muito em produção e pouco em distribuição, exibição/comercialização e infra-estrutura. E boa parte do dinheiro em produção é injetado por critérios que não o de desempenho de mercado.

Ele diz que os três únicos mecanismos que funcionam segundo uma lógica de mercado são o artigo 3º , os funcines — fundos de financiamento — e o prêmio adicional de renda, que toma como referência as bilheterias.

— Precisamos aumentar o peso desses três mecanismos. É vamos ter um quarto, o Fundo Setorial do Audiovisual, que será o grande investimento para uma política efetiva de desenvolvimento de mercado. O fundo, prometido para outubro, vai contemplar todos os elos da cadeia produtiva, da produção à construção de salas. A idéia também é estimular a feitura de filmes competitivos.

— Leva dinheiro e tem mais vantagens quem já demonstrou que obtém resultado econômico — diz Sá Leitão.

Para Carla Camurati, falta no Brasil formação de platéia. Essa foi uma das razões que a levaram a criar o Festival Internacional de Cinema Infantil, que começa amanhã sua sexta edição.

— As pessoas que assistem hoje a filmes são as que tiveram esse hábito desde a infância.

Perigosa recaída

Editorial
O Globo
28 de agosto de 2008


A política externa brasileira segue dando indicações erráticas desde que, com a posse de Lula, em 2003, abandonou o curso internacionalista para retomar a superada visão de um mundo "injusto", dividido entre o Norte - rico e poderoso - e o Sul - pobre e explorado. Esse maniqueísmo convém à tendência de Brasília de prestigiar os companheiros ideológicos da América do Sul - principalmente Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa -, mesmo que isso não coincida com a proteção dos interesses nacionais. Foi o caso, por exemplo, da candura de Lula diante das iniciativas nacionalizantes de Morales, que se mostraram daninhas às necessidades do Brasil como comprador do gás boliviano e aos negócios da Petrobras.

Rumos foram corrigidos e a candura substituída por mais realismo. Isso ficou evidente no fechamento da Rodada de Doha, em Genebra, quando o chanceler Celso Amorim aceitou a proposta de acordo do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, o que significava alinhar o país aos EUA e à União Européia e distanciar-se do Grupo dos 20 (países emergentes) e, mesmo, da Argentina, principal parceiro no Mercosul.

Com o fracasso da negociação multilateral, cresceu o papel dos blocos comerciais e dos acordos bilaterais. O Mercosul vive um momento delicado com o pleito da Venezuela para se tornar membro pleno, questão pendente de aprovação nos Congressos de Brasil e Paraguai.

Sob o regime bolivariano de Chávez, a Venezuela imobilizará o Mercosul, pois o próprio Chávez já disse que não aceita negociar com os EUA - que são o principal país das Américas e continuarão a ser durante muito tempo a maior economia do mundo. Mesmo assim, o chanceler Celso Amorim incluiu o ingresso pleno da Venezuela como uma das principais metas do Brasil, atualmente na presidência rotativa do bloco.

Trata-se de uma recaída na política externa do companheirismo ideológico, bem embrulhada por Amorim na afirmação de que "um Mercosul que se estenda do Caribe à Terra do Fogo terá grande peso nas relações internacionais". Cresce, portanto, a responsabilidade do Congresso Nacional, uma vez que a entrada venezuelana significaria o isolamento internacional do bloco e, por extensão, do Brasil.

O potássio é nosso

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 28 de agosto de 2008


Se é interesse estratégico do Brasil aumentar a produção local de potássio e fertilizantes, a ministra Dilma Roussef é culpada por agir contra esse objetivo nacional.

Foi assim: durante mais de dez anos, a Petrobras ficou sentada em uma mina de silvinita na Amazônia. Dali se pode extrair o cloreto de potássio, insumo da indústria de fertilizantes, hoje quase totalmente importado pelo Brasil. Portanto, na visão do governo Lula, a Petrobras também estava agindo contra o interesse nacional, pois, não explorando a mina, contribuía para manter a dependência externa.

Pior do que isso, sempre na visão do governo, a Petrobras vendeu os direitos de exploração da mina para uma companhia de capital estrangeiro, Falcon Metais, de origem canadense. Entregou o potássio aos bandidos.

Por isso, a ministra mandou cancelar o negócio - o que a Petrobras fez, alegando "razões estratégicas" e levando prejuízo - e determinou que a estatal tomasse providências para explorar o minério.

Parece simples. Mas convém observar a realidade sem o filtro ideológico.

A Petrobras de fato detinha os direitos de exploração da mina - sabe-se lá por que - mas não era negócio adequado para uma estatal de petróleo e gás. Calcula-se que são necessários investimentos de R$3 bilhões para a primeira fase do processo de extração do cloreto de potássio. Ora, a Petrobras tem diante de si imensos investimentos para, por exemplo, explorar o petróleo do Pré-Sal que, aliás, dá muito mais lucro que potássio.

Por isso, a estatal tomou a decisão correta de vender a mina da Amazônia. Teve dificuldades, pois o preço da tonelada de potássio estava muito baixo. Em resumo, não era rentável gastar todo aquele dinheiro numa mina no interior da Amazônia. Mais barato era importar.

Entretanto, a sorte ajudou. Como ocorreu com todas as commodities, o preço do potássio disparou. Foi a US$800 - e aí a Petrobras encontrou compradores. Fez uma licitação e quem levou foi a Falcon Metais, por R$150 milhões.

Aparentemente, não se trata de uma companhia aventureira. Tem outros negócios no Brasil, entre os quais duas minas, uma de ouro outra de vanádio, e sua intenção era simplesmente produzir potássio, conforme disse seu presidente, Helio Diniz, em entrevista à CBN.

Por um simples motivo: a US$ 800, vale a pena produzir na Amazônia. Diniz calcula que o produto local pode chegar à indústria de fertilizantes US$150 mais barato que o importado. Ou seja, bom negócio para a empresa. E também para o país, pois reduz a dependência externa e ainda barateia o custo do insumo.

Perfeito, não é mesmo?

Não, pensou a ministra, apoiada por vários colegas de governo. Como é que a Petrobras entrega um insumo estratégico a uma multinacional?

De onde se conclui que o governo não quer apenas o potássio, mas um potássio verde-e-amarelo, mesmo que custe mais caro e que desvie investimentos preciosos da Petrobras. Com essa atitude, o governo está simplesmente mandando embora algo de que o país mais precisa para garantir seu crescimento: novos investimentos.

Só haveria uma razão a justificar a ordem da ministra Dilma. A convicção ou a desconfiança fundada de que os gringos estavam comprando a mina para congelá-la e obrigar o Brasil a continuar importando do Canadá.

Multinacionais não costumam rasgar dinheiro. A Falcon acredita que vai ganhar uma nota com essa mina e só por isso promete colocar recursos lá.

Mas suponhamos que seja mentira. Não tem problema.

Todo o minério do subsolo pertence à União. As empresas compram concessões e direitos de mineração. Se não os exercem, ou seja, se não retiram o minério, perdem a concessão.

Como fica o caso? Os agricultores cobram do governo investimentos pesados na tal mina. A Petrobras está obviamente constrangida por ter de desviar dinheiro, que não sobra, para algo que não é do seu ramo. Periga a silvinita ficar lá mesmo.

A sorte é que a Falcon está disposta a demonstrar ao governo que entrou nisso de boa fé.

De todo modo, episódio ilustra uma mentalidade de hostilidade ao capital privado, especialmente estrangeiro, e que prejudica o ambiente de negócios. Transmite a idéia de que o estratégico tem que ser estatal, mesmo para ficar embaixo da terra.

Se é com esse tipo de mentalidade que o governo pretende comandar o petróleo do Pré-Sal...

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

As reformas de Hugo Morales da Silva

Elio Gaspari - O Globo (27/08/2008)

Estão a caminho do Congresso dois projetos do comissariado petista que desfigurarão o sistema político brasileiro, fortalecendo burocracias sindicais e partidárias, à custa do voto e do bolso dos cidadãos.

O primeiro é a substituição do imposto sindical por um negócio chamado de "contribuição sindical". O segundo é o reaparecimento da proposta do voto em lista fechada para a Câmara dos Deputados.

Caso essas mudanças aconteçam, o comissariado petista (com a ajuda de alguns grão-tucanos, no caso do voto de lista) terá imposto mudanças dignas da jurisprudência dos companheiros Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, com suas filosofagens sobre novas cla$$$e$dirigentes.

Atualmente cada trabalhador do mercado formal entrega pelo menos um dia de seu suor à maquina sindical. Algo como 0,26% de sua renda anual. Em 2007 isso significou um monte de R$1,3 bilhão, noves fora os penduricalhos que os sindicatos cobram. A CUT de Nosso Guia ficou com R$55 milhões e a Força Sindical do inigualável Paulinho terá R$ 15 milhões.

Com a mudança, a tunga crescerá. A CUT já disse que aceita um teto de 1%. Aquilo que a ditadura protofascista de Getúlio Vargas fixou em um dia de trabalho para financiar a atividade de sindicatos apelegados virará algo entre três e quatro dias de trabalho. A mordida, aprovada em assembléias, irá direto ao contracheque, sem levar em conta se o trabalhador se filiou ao sindicato ou sequer sabe onde fica sua sede.

Esse ervanário público equipará financeiramente as centrais como fontes de manipulação política. (Por exemplo: no ano passado meia dúzia de sindicalistas pararam o metrô de São Paulo em nome de uma arcana discussão tributária.)

Caberá ao Congresso decidir o tamanho e a forma da mordida. Pode-se decidir que qualquer coisa além dos 0,26% do imposto sindical deva ser cobrada só a quem queira pagar. Se o povo pode eleger seu presidente, deve ter também o direito de escolher, individualmente, o tamanho de sua contribuição ao sindicato.

A segunda reforma destinada a degenerar o sistema político brasileiro é a reapresentação da proposta do voto de lista para as eleições à Câmara dos Deputados. Hoje o cidadão pode votar numa pessoa (Delfim Netto, em São Paulo, por exemplo), mas como a votação dele ficou abaixo do quociente de seu partido, os votos dados a Delfim acabaram na conta de outro deputado, que ficou mais bem colocado (Michel Temer, no caso). Pode-se dizer que o eleitor de um acabou elegendo outro, mas é indiscutível que quem quis votar em Delfim, em Delfim votou, mesmo não conseguindo elegê-lo.

O voto de lista acaba com essa trabalheira. O partido enumera os seus candidatos, de acordo com a preferência da máquina, a choldra vota no partido e as cadeiras são preenchidas na ordem decrescente da lista.

Juntando-se as duas reformas numa só, consegue-se o seguinte:

Hugo Morales da Silva é sindicalista numa categoria com cinco mil trabalhadores, dos quais só mil são sindicalizados. Numa eleição a que compareceram 500 colegas, ele se tornou presidente da guilda, com 300 votos. No congresso da central a que seu sindicato está filiado ele foi indicado para a tesouraria do conglomerado. Cortejado por um partido, Hugo foi para o terceiro lugar na lista de candidatos a deputado. Veio a eleição e ele faturou o mandato, com 300 votos.

Nas quatro próximas quartas-feiras o signatário ficará em silêncio, de férias.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Marketing político, bom e mau

Ali Kamel
O Globo
26 de agosto de 2008

Muitos vêem o marketing político como o conjunto de técnicas de comunicação que ajudam a levar um candidato à vitória. Alguns políticos se acham especialistas nesse tipo de marketing, e se orgulham disso. Entre essas técnicas, porém, estão a dissimulação, o logro e a esperteza.

Quando as usam, esses políticos podem conseguir vitórias expressivas, mas, no longo prazo, acabam tendo um fim de carreira melancólico: amorfos, sem idéias claras, com uma base de apoio às vezes ampla, mas fragmentada em inúmeros campos, muitas vezes antagônicos.

Visão bem diferente daqueles que consideram o marketing eleitoral como um conjunto de técnicas que ajudam um candidato a tornar mais clara a sua mensagem. Se a mensagem, ao ser entendida, for aceita por parcelas majoritárias da população, o sucesso do candidato será enorme. Pode ser que seja eleito, mas pode ser que apenas se mantenha como uma força política, expressiva ou não. Políticos que vêem o marketing assim sempre se manterão íntegros, com idéias claras e coerentes, com uma base de apoio coesa. Com alguma persistência, podem acabar tornando-se majoritários.

Por exemplo, hoje há quem pense que aqueles que defendem a remoção de favelas jamais terão o voto dos favelados. O marketing político bem feito de um candidato sincero, porém, pode, um dia, mostrar aos favelados que os primeiros beneficiários serão eles, que deixarão de morar em condições subumanas, mudando-se para bairros com transporte rápido e barato.

Neste período eleitoral, vale a pena refletir sobre isso. Alguns políticos, Brasil afora, elegem-se como defensores da lei e da ordem, mas, no meio do caminho, ambicionando novos postos, acabam por agregar a essa mensagem o seu oposto: deixam que as vans ilegais proliferem, fazem vista grossa ao comércio ambulante, passam a ver o crescimento de favelas como um dado natural e, talvez, bem-vindo. Querem falar a todos os públicos, numa linguagem que acaba esquizofrênica.

A coisa geralmente acontece assim: elegem-se prometendo ordem e obtêm êxito, uma grande parte do eleitorado lhe dá apoio, mas não todo, não há unanimidade. Num segundo momento, ao tentar um posto acima, é derrotado, porque, na crença dele, faltam-lhe os votos das áreas mais pobres, aquelas que ele acredita que não querem a lei e a ordem porque são pobres, uma suposição abjeta.

Num terceiro momento, olhando para o mapa eleitoral, e ainda com vôos mais altos na cabeça, passam a prometer coisas antagônicas para diferentes partes do eleitorado. A suposição é de que isso fará dele um campeão de votos. E, na primeira tentativa, pode até fazer. Mas o fracasso estará ali adiante. Incapaz de servir a demandas tão díspares, as críticas começam a surgir de todos os lados, o desgaste é enorme e o que antes era um político forte passa a se comportar como um político amargurado. Tudo isso apesar de todo o conhecimento que achava que tinha das técnicas de marketing eleitoral.

Há também o caso de políticos que praticam a vida inteira o marketing correto, com êxito, transformando-se numa força eleitoral potente, mas sem obter a vitória tão esperada. Em dado momento, flexibilizam o discurso, aparentando acolher sinceramente pontos programáticos que antes rejeitavam como anátema. Com o recuo, obtêm êxito eleitoral, mas, ao chegar ao poder, verifica-se que não houve recuo algum, mas apenas a adesão ao mau marketing político. Se antes defendiam a moralidade como se tivessem o monopólio dela, ao chegar ao poder vêem-se rodeados de escândalos e, diante deles, saem-se com a desculpa de que todo mundo erra. Condenam a vida inteira alianças espúrias, mas, no governo, aliam-se, sem constrangimento aparente, aos que antes abominavam. Também neste caso, o futuro nunca é acolhedor: apesar de uma popularidade persistente quando estão no poder, fora dele a História costuma julgá-los com rigor. Porque a democracia nunca falha, e os erros deixam marcas e rastros. Sei, essa frase pode parecer otimista, e haverá sempre quem diga que é justamente a democracia que permite que fenômenos como esses aconteçam.

É uma visão equivocada. Quando há democracia, ela não falha, e este é o nosso caso: figuras assim, aqui, acabam despidas. Sei que há aqueles que citam sempre Hitler como prova de que a democracia, às vezes, falha e cria monstros. Não cria. Hitler chegou ao poder não porque tenha vencido uma eleição (em nenhum pleito o Partido Nazista recebeu a maioria absoluta dos votos), mas em decorrência de conchavos entre líderes políticos que se achavam mais espertos do que ele. No primeiro gabinete que chefiou, além de Hitler, só havia mais dois ministros nazistas. Menos de um mês depois, houve o incêndio do Reichstag (forjado, ao que tudo indica, pelos próprios nazistas), e Hitler arrancou do presidente Hindenburg um decreto lhe dando poderes ditatoriais. Em seguida, fez o Congresso aprovar uma lei que dava a ele todos os poderes legislativos.

Ora, aí está o “x” da questão.

Uma democracia que dá ao presidente o poder de baixar um decreto como aquele e ao Congresso a possibilidade de abdicar de suas próprias obrigações em favor do Executivo pode ser chamada de democracia? Não pode, este é o ponto.

Uma democracia verdadeira contém em si todos os elementos para salvaguardá-la. A democracia não é o sistema político em que todas as tendências políticas disputam; a democracia é aquele sistema em que têm licença para disputar apenas aqueles que não pretendem suprimi-la.

O marketing político entendido como o conjunto de técnicas que ajudam a ganhar eleições, numa democracia de fachada, pode levar a situações funestas, como o nazismo. Numa democracia como a nossa, acaba levando apenas à desmoralização daqueles que o praticam. Basta esperar.