Por Odilon Rios, Ag. O Globo
Segunda cidade mais pobre do país sofre com desvios de verba cometidos por prefeito e vice
MACEIÓ. Com o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, Traipu já foi alvo de quatro operações da Polícia Federal, todas para prender o prefeito, a vice, a primeira-dama e secretários, acusados de corrupção e pistolagem. Pelo menos R$16 milhões foram desviados nos últimos quatro anos, boa parte em fraudes com a verba da merenda escolar. Desde 2009, 28 pessoas foram assassinadas, e a Polícia Civil jamais indicou os mandantes. Na segunda cidade mais pobre do Brasil, medo e silêncio tomam as ruas.
Jornalistas são proibidos de entrar na cidade, a não ser com escolta policial. Na terça-feira, 27, O GLOBO recebeu o aviso de policiais:
- Pode entrar na cidade, mas só se for um carro da polícia com vocês. Ninguém garante a vida de ninguém. Nem com escolta.
O prefeito Marcos Santos (PTB) e a primeira-dama, Juliana Kummer, escaparam do cerco da Operação Tabanga, da Polícia Federal, no último dia 20, fugindo pelo São Francisco em direção a uma das centenas de ilhas do rio.
Numa das casas do prefeito, a PF encontrou um impressionante sistema de videomonitoramento, com câmeras espalhadas por toda a cidade, além de rádiotransmissores. Ano passado, os policiais viram uma cena impressionante: uma corrente na porta da cidade e dois policiais "tomando conta" da entrada. Eles avisavam, por rádio, ao prefeito, quem entrava em Traipu, e só ficava quem tivesse "autorização" de Santos. A corrente foi arrancada e está na Justiça Federal - é uma das centenas de provas contra o prefeito.
De dez pessoas em Traipu, sete não sabem ler. Até o ano passado, não havia telefone celular. Era comum um carro de som passar alardeando o bordão: "O eterno prefeito Marcos Santos disse isso..." ou "o eterno prefeito Marcos Santos disse aquilo...". Os três provedores de internet foram liberados, e moradores criaram a comunidade "100% corrupção em Traipu", com uma foto de Santos de chapéu branco e as mãos algemadas.
Um deles contou como Santos movimentava o comércio da região:
- O povo ficava na porta da casa dele. Ganhava R$5, R$10. E fazia a feira com o dinheiro.
Na operação do dia 20, a PF desarticulou fraude de R$8,2 milhões com verbas do Fundeb e do Transporte Escolar. Incluindo outras ações - Carranca, Caetés, Mascotch - sobre o mau uso de verbas públicas, o prejuízo é de R$16 milhões.
Os alunos só viram carne de boi e de frango, pela primeira vez, este ano. Comiam bolacha com suco na hora do recreio. O dinheiro da merenda, segundo as investigações da PF, abastecia as despensas do prefeito, que pagava a feira de sua casa com os recursos do Fundeb. No Sindicato dos Trabalhadores da Educação (Sinteal), a presidente, Simone dos Santos, não quer falar. Diretores de escolas e professores fogem do assunto.
Nomeada há 20 dias para a Promotoria de Traipu, Karla Padilha iniciou o trabalho com uma visita surpresa à maternidade Nossa Senhora do Ó, cujo nome foi trocado para homenagear Maria Eulina dos Santos, mãe do prefeito. Constatou falta de médicos e armazenamento irregular de remédios. Pediu reforço ao Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gecoc), do MP:
- O volume de trabalho é imenso. O prefeito ficou oito anos à frente de Traipu. Como não podia mais se reeleger, colocou o sobrinho, virou secretário especial e continuou prefeito de fato, mas não de direito. Depois do sobrinho, candidatou-se e ganhou a eleição, da cadeia. Ano que vem tem eleições, e, se não houver condenação em segunda instância contra ele por causa da Lei da Ficha Limpa, Santos poderá se candidatar de novo.
A Justiça Federal determinou o afastamento do prefeito. No lugar dele, assumiu a vice, Juliana Machado, nora de Santos, presa em maio, com a primeira-dama de Traipu. Ambas são acusadas de desviar verba da merenda escolar para comprar uísque e uma boneca e pagar despesas pessoais.