terça-feira, 27 de outubro de 2009

Excesso ou regra?

Denis Lerrer Rosenfeld - O Globo - 26/10/2009

É de estarrecer a reação de nossas autoridades frente à destruição operada pelo MST quando da invasão do laranjal da Cutrale. Aparentemente, as nossas autoridades condenaram o ocorrido, utilizando expressões do seguinte tipo: “Não vou admitir vandalismos”, “excessos” são condenados, “a lei” deve ser respeitada. Alguns defensores mais afoitos chegaram a dizer que o MST jamais utiliza “violência” em suas ações. É como se tudo estivesse normal, tratando-se de um acidente de percurso. É como se o rio tivesse saído momentaneamente de seu curso, tendo, depois, voltado ao seu normal. Na verdade, vivenciamos um inacreditável surto de hipocrisia.

Esse movimento dito social, na verdade uma organização política de corte leninista, teve de recuar, dada a repercussão midiática de seus atos, transmitida pelo “Jornal Nacional” da Rede Globo. Ficaram imobilizados pela condenação recebida. Procuraram, então, responsabilizar a “direita”, o “governo estadual” (leia-se Serra), os “meios de comunicação”, os “ruralistas”, os “policiais” e assim por diante. Chegaram a falar de indivíduos infiltrados. Só faltou inventar uma invasão de marcianos tendo como objetivo “criminalizar os movimentos sociais”.

A questão central reside em que se trata do modo de atuação “normal” do MST. Ele não cometeu nenhum excesso, fez meramente aquilo que sempre faz. Essa é a regra mesma de sua atuação. A única diferença consiste na filmagem, no eco imediato e em uma opinião pública que já não mais compactua com invasões. As invasões estão mostrando a sua verdadeira cara, que é não pacífica.

Refresquemos a nossa memória ou tomemos conhecimento de alguns fatos, embora tardiamente.

O importante, em todo caso, é que comecemos a ver o que se escancara diante de nossos olhos.

A Fazenda Coqueiros, no Rio Grande do Sul, altamente produtiva, tendo sido esse fato reconhecido pelo próprio Incra e pela Ouvidoria Agrária Nacional, de 2004 a 2008, foi objeto de ataques sistemáticos.

Para se ter uma ideia do que lá aconteceu, apresento uma lista dos danos causados: dois caminhões incendiados, 200 bovinos abatidos a tiros, cem desaparecidos, uma serraria totalmente queimada e destruída, uma usina hidrelétrica, no valor de 1 milhão de reais, completamente depredada, 11 casas incendiadas, 150 hectares de soja queimados, 50 hectares de milho queimados, plantadoras depredadas, dois tratores danificados com dinamite, máquinas colheitadeiras sabotadas com espigões de ferro, 1.200.000 de cercas depredadas, funcionários ameaçados, pontilhões queimados. Não há uma semelhança com a Cutrale? Trata-se, certamente, de uma amostra de “invasões pacíficas” do MST! Dá vontade de rir, não fosse trágico.

Segundo documento do Ministério Público do Rio Grande do Sul, em abril de 2008, a Fazenda Southall, em São Gabriel, foi invadida por 850 integrantes do MST. Eis o resultado de mais uma ação “pacífica” dessa organização política em nome da “reforma agrária”: cercas arrancadas, corte de mata nativa, a área invadida foi cercada com lanças infectadas de fezes humanas (uso, portanto, de uma tática de guerrilha), trincheiras, destruição da sede. Continuo: os bretes da propriedade foram inutilizados, impedindo o banho e a vacinação dos animais, morte de 46 bovinos de aprimoramento genético, crueldade com animais, privando-os de alimentos e água.

Foram apreendidos os seguintes “objetos”: nove coquetéis Molotov, 81 foices, 16 facões, 32 facas, 20 estilingues, quatro machados, 70 bastões de madeira, 28 taquaras “tipo lanças” e 15 foguetes.

Claro que se trata, segundo o MST, de “instrumentos” de trabalho! A pergunta é: de qual tipo de trabalho? O das invasões? O Horto da Aracruz, em Barra do Ribeiro (RS), foi invadido em 2006, tendo obtido ampla repercussão — e condenação — nacional. As invasoras foram 2 mil mulheres encapuzadas, apresentandose como militantes da Via Campesina, braço internacional do MST. Encapuzadas como bandidos que agem fora da lei. Também se falava de “vandalismo”, embora, como sempre, o MST tenha “justificado” sua ação em supostos termos “ambientais” e “sociais”. Relembremos a “regra” das invasões: 1 milhão de mudas prontas para o plantio de eucaliptos foram destruídas, 20 anos de pesquisas prejudicados, um laboratório foi depredado, empregados foram ameaçados, instalações destruídas, material genético perdido. Isto é chamado, na língua emessista, “ocupação pacífica”! E há quem acredite! Agora mesmo, mulheres do MST e da Via Campesina, dos dias 18 a 25 de outubro, estão reunidas em Buenos Aires, no Congresso Mundial de Florestas, tendo como objetivo a “repulsa à expansão de projetos de monoculturas de árvores, celulose e papel”. É novamente esse setor que se torna alvo dessas organizações políticas, procurando fazer passar a mensagem do politicamente correto com o intuito de estabelecer seus propósitos “socialistas”, de “solidariedade humana”, esse novo nome que serve como máscara de seus verdadeiros fins. O capitalismo é o alvo: “Em nome do lucro, esse tipo de desenvolvimento mantido pelo sistema capitalista patriarcal destrói a vida de homens e mulheres, assim como a vida dos demais seres.” Novas invasões já estão sendo, portanto, anunciadas. Não deu certo midiaticamente com a Cutrale? Tentemos novamente com o setor de florestas plantadas, papel e celulose! Parece que não aprendem. Ou melhor, não querem aprender, pois o seu objetivo consiste em inviabilizar o agronegócio e, de modo mais abrangente, o estado de direito. A lei, para esse tipo de organização política, nada vale, sendo apenas um instrumento descartável. A democracia apenas lhes convém, porque lhes permite um amplo leque de ações. Contam com a leniência das autoridades e com a impunidade para continuarem o seu caminho de abolição de uma sociedade baseada nas liberdades e na igualdade de oportunidades. Em boa hora foi aprovada, pelo Congresso, a CPI do MST.

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