Publicada em 05/10/2009 às 23h31m
Selma Schmidt
RIO - O arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, professor da UFRJ, defende mudanças no projeto da Rio 2016. Para ele, a maioria dos equipamentos, inclusive as vilas olímpica e de imprensa, deveriam ficar na Zona Portuária e não na Barra da Tijuca. Com isso, acredita ele, a cidade como um todo, inclusive os bairros mais carentes do subúrbio, seriam beneficiados. Sérgio Magalhães acha indispensável a transformação dos trens suburbanos em metrô. E diz que as alterações no planejamento original seriam facilitadas pelo acordo assinado entre os três níveis de governo sobre os terrenos da área portuária.
Pelo projeto Rio 2016, a Barra concentrará a maior parte dos equipamentos esportivos e a própria Vila Olímpica. Isso pode significar que o restante da cidade, especialmente os bairros do subúrbio, onde estão os maiores problemas de infraestrutura, poderão continuar como os grandes esquecidos pelo poder público, apesar das Olimpíadas?
MAGALHÃES: Os recursos serão muito importantes. Mas, se forem dirigidos prioritariamente para a Barra, a cidade vai sofrer muito. E a grande mudança que uma Olimpíada pode trazer vai ser minimizada porque o conjunto da população terá menos oportunidades do que teria, por exemplo, se os Jogos Olímpicos se concentrassem na área portuária. O porto, agora, está disponível. Quando as Olimpíadas foram programadas, não havia o acordo entre os três níveis de governo. Os terrenos do porto estavam impossíveis. Isso mudou.
O que poderia ser construído na área portuária? A Vila Olímpica?
MAGALHÃES: A Vila Olímpica e um grande número de equipamentos. A própria vila de imprensa. O prefeito Eduardo Paes disse que a construção da vila de imprensa deveria ser antecipada para poder ser útil durante a Copa de 2014. A Copa será no Maracanã. Se a Vila de Imprensa for na Barra, ficará mal localizada. Já, se ficar no porto, seria perfeito.
Ainda há tempo de mudar, mesmo o projeto já tendo sido apresentado ao COI?
MAGALHÃES: Claro. Inclusive porque vamos economizar tempo e dinheiro. O aproveitamento do porto é mais barato. A área é central e haverá a valorização de toda a Região Metropolitana, porque o sistema de transportes melhora. A construção da Vila Olímpica também vai estimular a habitação e novos edifícios de serviços e escritórios no Centro. O que Barcelona fez foi pegar a área degradada e investir. A cidade toda se beneficiou. Nós pegamos a área que o setor imobiliário está querendo (Barra) e, neste caso, os investimentos ficarão só lá.
Por que os subúrbios e a Zona Norte como um todo seriam beneficiados se o porto fosse o local com mais equipamentos olímpicos?
MAGALHÃES: Os subúrbios e a Zona Norte têm equipamentos que serão usados. O Maracanã fica na Zona Norte. O Engenhão, no Engenho de Dentro. E tem Deodoro. Em todo esse corredor, o trem tem de virar metrô de qualidade (de superfície). Essa conexão passa a ser mais privilegiada, do que a da Zona Sul para a Barra. O metrô para a Barra vai ter pouca gente e muita obra. É do interesse da construtora e não da população. Ao passo que o metrô nas linhas do subúrbio é a redenção da Zona Norte.
Então, se tivéssemos a maioria dos equipamentos no porto em vez de na Barra, a melhoria da infraestrutura seria irradiada para a Zona Norte?
MAGALHÃES: Além de ser muito mais barato e efetivo no tempo para resolver tudo. Ganha a cidade como um todo, em termos de investimento. Vamos ter a Olimpíada que transformará para melhor o conjunto da cidade. E não tem nenhuma contradição em relação ao que foi proposto ao COI, porque, na ocasião em que o projeto foi apresentado, isso não seria viável. Seria difícil prever que haveria um acordo tão efetivo entre os governo federal, estadual e municipal. A tal ponto que o prefeito Eduardo Paes, o governador Cabral e o presidente Lula já assinaram um acordo em relação as terras da área portuária. No porto tem terreno suficiente para tudo o que se quiser. Deixamos alguns equipamentos na Barra, porque já estão construídos. Mas não se constrói mais. O núcleo fica na área portuária. Mas tem ainda o gasômetro, um terreno enorme junto à antiga Leopoldina e a área do complexo penitenciário da Frei Caneca.
Como ficaria o projeto de levar o metrô até a Barra?
MAGALHÃES: É um investimento sem pé nem cabeça em termos de prioridade, por causa do custo-benefício. Será um investimento para obra. Não é para passageiros. Depois, a Linha 4 foi licitada para ser concessão. Não faz sentido botar dinheiro público naquilo que foi licitado para ser concessão.
Na área de transportes, além de transformar o trem suburbano em metrô de superfície, o que mais deveria ser feito e ficar de legado das Olimpíadas?
MAGALHÃES: Transformar o trem em metrô deve ser a grande prioridade. As outras coisas que forem feitas, ótimo. Se tivermos as duas linhas de metrô existentes articuladas com as três linhas de trem, transformadas em metrô, toda a parte olímpica fica com excelente padrão de qualidade de transporte. A Vila Olímpica fica no vértice de dois vetores. Uma linha é Centro, Aterro, Copacabana e Lagoa, onde estão previstas competições. A outra linha é Centro, Maracanã, Engenhão e Deodoro. As vilas olímpica e de imprensa nesse vértice, voltadas para o mar, serão show de bola.
E, na área ambiental, que legados não podem deixar de ficar para a cidade?
MAGALHÃES: A despoluição da Baía de Guanabara é vital. Depois, é melhorar muito o saneamento. Temos ainda que continuar com a urbanização das favelas. Se oferecermos um transporte de qualidade para o subúrbio, chegando até a Baixada Fluminense, aliviaremos a pressão em relação à moradia e permitiremos que novas construções sejam feitas com um bom sistema de transporte coletivo. Isso vai enfraquecer a pressão sobre as favelas. Hoje, pelo que está programado, a área a ser beneficiada é exageradamente grande. Do Centro à Barra são 40 quilômetros. Não tem nenhuma cidade olímpica do mundo que tenha chegado a esse exagero. Barcelona, por exemplo, é uma área que cabe no Centro e na Zona Sul.
O prefeito Eduardo Paes já tinha dito que a Zona Norte seria prioritária para 2016...
MAGALHÃES: Quando ele fez o plano de desenvolvimento da área portuária ele estava em acordo com essa nova perspectiva. Porque, no governo anterior não tinha nenhuma perspectiva. Agora, tem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário