quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Governo renova, por MP, títulos de filantropia de empresas envolvidas em fraude

Leila Suwwan
O Globo


BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou uma medida provisória que concede uma espécie de anistia para entidades filantrópicas que estavam ameaçadas de perder os benefícios de isenção fiscal. Com uma canetada, foram renovados automaticamente os certificados de pelo menos 2.274 entidades beneficentes, inclusive as que estão sob suspeita de fraudar o governo federal para obter ou renovar o título de filantropia.

Parte das entidades beneficiadas pela medida provisória foi alvo da Polícia Federal em março, na Operação Fariseu, por participação num esquema de pagamento de propina para obter ou renovar certificados. O Ministério Público Federal estima que a MP deverá garantir uma isenção de R$ 2,144 bilhões às filantrópicas.

Mas esse número pode ser ainda maior porque existem outros 8,3 mil processos que estavam sendo analisados no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de entidades que também podem ser beneficiadas pela decisão do governo. Órgão do Ministério do Desenvolvimento Social, o CNAS é responsável pela concessão e renovação dos Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).

Esse certificado dá direito a isenção. Quem perde o certificado por alguma irregularidade é obrigado a devolver o dinheiro dos impostos que deixou de recolher aos cofres públicos por causa da isenção.

A edição da MP impedirá, portanto, que a Receita Federal recupere as dívidas fiscais que seriam cobradas das entidades. Parte dos débitos começará a prescrever em dezembro. No governo, ninguém sabe precisamente o impacto financeiro dessa anistia.

PF prendeu seis envolvidos na fraude

A Operação Fariseu desbaratou um esquema de concessão fraudulenta de certificados dentro do CNAS. Após quatro anos de investigação, foram reunidas provas, inclusive gravações telefônicas, que resultaram em denúncia do Ministério Público Federal contra o ex-presidente do conselho, Silvio Iung, e três ex-conselheiros, Misael Barreto, Ademar Marques e Euclides Machado.

Eles são acusados de crimes de advocacia administrativa fazendária, corrupção ativa e passiva, e formação de quadrilha. O esquema conseguia, em troca de propina, concessões e renovações de Cebas para entidades que não se enquadravam nas exigências legais. Ainda estão sob sigilo outros desdobramentos da Fariseu, que podem resultar em novas denúncias contra outras entidades filantrópicas.

- Entidades investigadas podem se beneficiar da isenção - disse o procurador da República Pedro Machado, responsável pela denúncia contra os ex-conselheiros.

Segundo ele, além da anistia concedida, há preocupação sobre as novas regras de concessão dos Cebas, já que os ministérios não estão equipados para fazer a análise técnica e contábil.

Hoje, existem 5.630 entidades certificadas atuando nas áreas de assistência social, saúde e educação. Elas são isentas de pagamento da contribuição previdênciária patronal (20% da folha de pagamento), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS e Cofins. Essa isenção gerou uma renúncia de R$ 4,4 bilhões em 2007 e R$ 3,6 bilhões de janeiro a setembro deste ano.

No final deste ano, começa a vencer o prazo de cinco anos para a Receita cobrar dívidas de empresas que têm 1.654 recursos administrativos parados no Ministério da Previdência ou no CNAS. O governo sustenta que não há tempo hábil ou estrutura para fazer a análise dos processos, muitos dos quais abertos a partir de questionamentos feitos pela própria Receita, que detectou irregularidades.

MP considera recursos em tramitação extintos

A MP 446, assinada na última sexta e publicada na segunda no Diário Oficial da União, considera extintos os recursos em tramitação e decide sempre a favor das entidades. Todas as filantrópicas que pediram renovação da isenção fiscal serão atendidas automaticamente. Até aquelas que já tiveram seus pedidos de renovação negados, mas entraram com algum recurso, também conseguirão um novo certificado, sem maior análise. E ficam extintos os recursos que questionam os certificados de parte das entidades.

- É um equívoco dizer que a medida provisória concede uma anistia. Os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso fizeram isenções semelhantes, com a diferença de que não solucionaram o problema. Nós estamos acabando com o cartório que o CNAS é hoje. Os processos estão parados, os novos conselheiros têm medo de ações civis públicas - disse Arlete Sampaio, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, referindo-se à Operação Fariseu.

Além de renovar certificados sob questionamento, a MP muda responsabilidades. Pelo texto, caberá agora a três ministérios a concessão do título de filantropia: Desenvolvimento Social, Saúde e Educação.

- Caberá aos ministérios fazer essa preparação. Os recursos que estão aí serão extintos e as entidades ficarão com seus certificados, mas os casos voltarão para certificação em cada pasta e serão reavaliados. Depois, a Receita ou a Fazenda poderão recorrer novamente. Não há nada consolidado ad infinitum. Todos estão olhando essa anistia e estão esquecendo que estamos resolvendo o problema num sistema que estava todo errado. Era preciso zerar o jogo - disse Arlete.

Porém, ela não soube precisar quanto tempo isso vai demorar nem qual será o impacto da transição, já que não é possível cobrar dívidas de irregularidades ocorridas há mais de cinco anos, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). As equipes dos ministérios ainda terão de ser montadas.

O governo alegou pressa para editar a MP 446 justamente por causa do vencimento dos prazos para cobrar as dívidas. Em nota, o Ministério da Previdência, que antes sediava o CNAS, informou que "o julgamento destes processos em tão curto prazo de tempo poderia comprometer a análise, com impacto na prestação de serviço à população".

- Antes era quase sem controle, agora vai ficar ainda mais solto, poderão entrar mais fatores políticos nas análises. E a anistia é absolutamente inadequada, pois vai perdoar o ninho de pilantragem que existe - disse Ovídio Palmeira Filho, dirigente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

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