sábado, 13 de dezembro de 2008

POBRE MENINO RICO

Renato Maurício Prado - O Globo (trecho)

Quanto vale um sonho? Há fantasias impossíveis, por custos ou questões intangíveis: as amorosas, por exemplo — a bela tenista Maria Sharapova nunca me deu bola! Mas, falando sério, mesmo vivendo num mundo cada vez mais capitalista, ainda há coisas que o dinheiro não compra — como lembra aquela ótima propaganda, antes de arrematar: “para as outras existe cartão de crédito”..

O preâmbulo, claro, é para discutir a questão de Ronaldo Fenômeno e sua opção pelo Corinthians.

Escolha válida, sob o ponto de vista estritamente profissional — embora com deslizes éticos e, acima de tudo, de educação. Mas isso é outra história, que abordarei mais adiante.

Voltemos à questão do sonho. Desde menino, Ronaldo Nazário acalentava o desejo de jogar no Flamengo — time do seu coração.

Quis o destino que do São Cristóvão (onde começou, como amador) se transferisse para o Cruzeiro e de lá para a Europa, onde acumulou fortuna e fama.

Agora, eis que, no apagar das luzes de sua gloriosa carreira, surge enfim a oportunidade de realizar o sonho de menino.

Multimilionário (com mais de 100 milhões de euros na conta, conforme ele próprio gosta de contar) e em recuperação de nova e complicada cirurgia no joelho, que lugar poderia acolhê-lo com mais carinho? Pois foi, justamente, na Gávea, sede do Flamengo, que Ronaldo iniciou o trabalho de recuperação e reencontro com a bola.

Lá, também, logo no primeiro dia, ouviu do presidente Márcio Braga as boas vindas e a garantia de que, quando resolvesse voltar a jogar o rubro-negro moveria céus e terras para atender aos seus anseios e contratálo por salário à altura de seu valor no mercado.

— É só dizer quando você se sentir em condições e a gente discute e dá um jeito! A bola está contigo. Até lá, o clube é seu. Use e abuse — disse Márcio Braga.

— Jogar no Flamengo sempre foi o meu sonho. Ele é o favorito. Está na “pole position” (para acertar a contratação) e eu quero estar muito bem (fisicamente) para merecer vestir a camisa rubro-negra. Decido em janeiro! — anunciou Ronaldo, no “Bem, Amigos”, no Sportv, após três meses de treinos.

De lá pra cá, entretanto, o Fenômeno, curiosamente, desapareceu da Gávea.

A mim, explicou que sofrera uma contusão leve, que o impedia de treinar e, por isso, passara a fazer fisioterapia em sua própria clínica.

No Flamengo, as versões foram outras: houve quem falasse em crise familiar (sua mulher estaria querendo voltar a morar em Paris), houve quem desconfiasse que o problema era mais sério — e a possibilidade de encerramento da carreira ganhou força quando, após se arrastar em campo, por apenas 15 minutos, no amistoso beneficente entre seus amigos e os de Zidane, realizado no mês passado, no Marrocos, o próprio Ronaldo (bem acima do peso) se disse em dúvidas sobre o futuro.

Futuro resolvido esta semana, meio de sopetão e sem que o jogador nem sequer tivesse retomado os treinamentos ou a conversa com os dirigentes do Fla.

Detalhe: o dinheiro que Ronaldo vai ganhar no Parque São Jorge (e que dificilmente será assim tão maior do que o Flamengo poderia lhe pagar, com ações de marketing do mesmo teor) não mudará em nada a sua vida — em aplicações banais, com o que já possui, ele fatura, por mês, mais de 1 milhão de euros.

Isto, fora os três contratos de publicidade que ainda tem em vigor e independem de onde jogará (TIM, Nike e Ambev).

Resumo da ópera: por maior que seja o sucesso dos planos corintianos, o resultado final representará uma ninharia perto do patrimônio Fenomenal.

Aí, volto a questão básica.

Quanto vale um sonho? Há quem trabalhe a vida inteira para juntar dinheiro e realizar o seu. E o Fenômeno ainda iria ganhar (algo semelhante ao que lhe pagarão agora) para isso.

Mas mesmo não precisando de nem mais um tostão para realizar até as fantasias de suas gerações futuras, Ronaldo abriu mão daquele que dizia ser um dos seus maiores sonhos.
Pobre menino rico! Não conseguiu entender a propaganda: cartão de crédito ele já tem de sobra...

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