segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Filme reacende polêmica em torno do aborto

Documentário, com depoimentos defendendo a descriminalização da prática, recebeu R$ 80 mil da Fiocruz

Bernardo Mello Franco - O Globo

BRASÍLIA. A polêmica sobre a legalização do aborto, que opõe o Ministério da Saúde à Igreja e à bancada evangélica no Congresso, vai ganhar um novo capítulo nas telas. A Fundação Oswaldo Cruz, vinculada à pasta, liberou R$ 80 mil para a filmagem do documentário “O fim do silêncio”, uma coleção de depoimentos de mulheres que interromperam a gravidez e defendem a descriminalização da prática. Em fevereiro, o órgão vai distribuir gratuitamente duas mil cópias em DVD para escolas e entidades feministas.

O projeto venceu 35 concorrentes e foi o único documentário de média-metragem selecionado no primeiro edital de vídeo da Fiocruz, referência em pesquisa e produção de vacinas.

Também receberam patrocínio filmes de ficção que abordam temas de saúde.

Documentário é “claramente a favor do aborto”, diz diretora A diretora Thereza Jessouroun diz ter idealizado o roteiro ao ouvir declarações do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a favor da descriminalização do aborto. De acordo com ela, o projeto se materializou após a abertura do edital da Fiocruz, cuja direção é nomeada pelo ministro.

— Assim que tomou posse, o ministro Temporão disse que o aborto é uma questão de saúde pública. Achei a declaração corajosa e comecei a pesquisar o tema, até sair o edital da Fiocruz — conta.

Thereza nega que seu documentário seja uma peça de propaganda, mas admite que o filme só dá espaço a um dos lados da discussão.

— Documentário não é como jornalismo, que tem a obrigação de ser imparcial. Tem que ter posição marcada, e este é claramente a favor do aborto — afirma.

A cineasta diz que chegou a entrevistar especialistas contrários e favoráveis à prática, como previa o projeto original, mas optou por manter apenas a participação das mulheres. A pedido da direção da Fiocruz, o material descartado será incluído nos extras do DVD.

— Ficava muito fraco. Editei de mil maneiras e não ficava bom — diz ela, sobre a versão prevista originalmente.

Antes do lançamento, filme já desperta crítica de religiosos Há um mês no YouTube, o trailer de “O fim do silêncio” já recebeu mais de 2,5 mil visitas e tem provocado um debate caloroso entre os espectadores.

O filme mostra os rostos das entrevistadas, que são identificadas com nomes e profissões. Na montagem, os depoimentos foram encadeados por estimativas segundo as quais 200 mulheres morrem em cerca de um milhão de abortos realizados a cada ano no país. A fita entregue à Fiocruz tem 52 minutos, mas a diretora pretende reaproveitar o material numa versão estendida para a tela grande.

Mesmo antes do lançamento, o filme já desperta críticas de religiosos. Dom Antonio Augusto Dias Duarte, bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio e integrante da Comissão de Vida e Família da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), critica o patrocínio da Fiocruz:

— Não me parece correto, do ponto de vista ético, financiar com dinheiro público um filme que defende posições pessoais do ministro.

Diretor da Fiocruz diz que debate é bem-vindo. Um relatório sobre a concorrência, disponível no site da fundação, informa que, “como critério principal, ficou estipulado que os projetos a serem selecionados devem estar de acordo com o ideário da Fiocruz”.

O diretor do selo Fiocruz Vídeo, Umberto Trigueiros, diz que o documentário foi selecionado por uma comissão integrada por críticos e não sofreu interferências do órgão, além do pedido para incluir argumentos pró e contra o aborto nos extras do DVD. Ele afirma que o debate é bem-vindo: — A Fiocruz é uma instituição acadêmica, tem que estar aberta à polêmica.

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