segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

'Devíamos ter saído dos territórios em 1967'

Historiador polêmico em Israel, Benny Morris defende ataque a Gaza, mas diz que manter ocupação foi erro

ENTREVISTA Benny Morris

JERUSALÉM. Um dos mais controversos historiadores de Israel, Benny Morris, da Universidade Ben Gurion, transformou-se numa figura com quem ninguém quer falar. Os israelenses acusam-no de odiar o país, e os árabes de ser parcial e contar apenas os capítulos da História que lhe convêm.

Mesmo autores considerados “revisionistas”, como Ilan Pappé, criticaram sua última obra — “1948, a história da primeira guerra árabe-israelense”. Aos 60 anos, Morris parece não se incomodar com críticas e deixa escapar paixão e intensidade pouco vistas no meio acadêmico quando o assunto é o conflito árabe-israelense. Morris nasceu num kibutz e foi ativista de movimentos juvenis de esquerda, recusando-se a prestar serviço militar nos territórios palestinos. Os paradoxos o acompanham e suas opiniões podem confundir um leitor desatento. Ele defende os bombardeios a Gaza e chama o Hamas de “anormal”. Segundo Morris, a paz só será possível noutra geração e o estabelecimento de dois Estados para dois povos é o único caminho para o fim do conflito.

Renata Malkes Especial para
O GLOBO

GLOBO: Numa provocação, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, afirmou que Israel não aprendeu nenhuma lição da guerra no Líbano e que os bombardeios aéreos a Gaza serão inúteis. Que rumos essa ofensiva vai tomar?

BENNY MORRIS: Nasrallah está certo. Nesta guerra privada entre Israel e o Hamas, não vejo soluções. Os bombardeios eram necessários, já que nenhum país pode ser atacado diariamente com mísseis sem reagir. Os bombardeios têm que continuar. É preciso dar um tapa forte no grupo.

GLOBO: Mas o preço é a destruição, a morte de civis e mais uma mancha na imagem de Israel no cenário internacional...

MORRIS: Não há alternativa. Infelizmente civis morrem em guerras. O Hamas prega a destruição de Israel e a única linguagem que compreende é a da força. Eles gostariam de ter o poderio militar israelense e eliminar o país do mapa. Se fossem uma instituição normal pelos conceitos ocidentais, talvez houvesse outra maneira. O Hamas é anormal. São fanáticos e religiosos que querem eliminar quem pensa diferente. O Hamas é o mal.

GLOBO: A conquista da Faixa de Gaza, em 1967, na Guerra dos Seis Dias, pode ser considerada um dos maiores erros estratégicos da História de Israel?

MORRIS: Hoje vê-se que as conseqüências foram desastrosas, mas, na época, Israel não teve alternativa. Quando o Egito pôs um Exército hostil no Deserto do Sinai e fez alianças com Síria e Jordânia, Israel foi obrigado a defender-se mais uma vez. No entanto, não tenho dúvidas de que deveríamos ter saído de Gaza e da Cisjordânia logo após o fim do conflito, mesmo que unilateralmente. Outra chance foi perdida em 78. Quando foi assinado o acordo de paz com o Egito, Israel deveria ter obrigado o presidente Anwar Sadat a controlar a Faixa de Gaza, mas os egípcios não se apressaram em ficar com a soberania de Gaza.

GLOBO: Por quê? Mesmo hoje o presidente Hosni Mubarak fecha as fronteiras e nega qualquer ajuda aos palestinos de Gaza...

MORRIS: A Faixa de Gaza sempre foi um celeiro de confusão.
Todos os que administraram a região antes mesmo de 1967 enfrentaram problemas. É um antro de gente pobre, desgostosa e hostil, que nunca aceitou a intervenção de “estrangeiros” em seu território, sejam eles egípcios ou israelenses. Para os egípcios, Gaza forte significa Hamas forte. O Hamas é uma organização dissidente da Irmandade Muçulmana, que é forte na oposição ao governo egípcio e sonha transformar o Egito num país fundamentalista.

GLOBO: O senhor pesquisou durante anos um dos lados obscuros do sionismo, como a expulsão de milhares de árabes de suas casas e as atrocidades cometidas para a criação do Estado de Israel em 1948. Hoje, 60 anos e diversas guerras depois, o senhor justifica tudo isso?

MORRIS: Foi uma decisão internacional criar um Estado judeu na Palestina. Houve 24 massacres, sendo o da aldeia de Deir Yassin, perto de Jerusalém, o mais famoso. Eu pesquisei um tema doloroso que muitos israelenses preferiram ignorar. É claro que não posso justificar ou me identificar com violência, mortes e estupros, mas compreendo que os judeus não tiveram alternativa em 1948. Foram os árabes que começaram uma guerra após a proclamação do Estado e obrigaram os israelenses a reagir. Era uma questão de sobrevivência. O premier David Ben Gurion sabia que era preciso remover as comunidades árabes para que o Estado judeu existisse.

GLOBO: Então o primeiro premier israelense, Ben Gurion, um trabalhista, era a favor da transferência dos árabes, uma visão tradicionalmente da direita?

MORRIS: Claro, desde abril de 48 ele planejou a idéia de transferência. Não há ordens explícitas por escrito e tampouco havia esse conceito, mas esse era o clima geral no país. Era uma coisa subentendida. O Estado judeu não existiria com uma minoria árabe em seu território. E Ben Gurion estava certo, não condeno suas atitudes. O condenável é que, depois dos massacres, Ben Gurion calou-se. E os culpados não foram punidos.

GLOBO: Alguns analistas crêem que o fracasso em alcançar a paz pode levar os palestinos a mudar de estratégia, exigindo ser incorporados a Israel, que se transformaria num Estado binacional. Essa possibilidade existe?

MORRIS: Sim. É um dos maiores perigos enfrentados por Israel. Se a ocupação na Cisjordânia for mantida, demograficamente não seremos mais um Estado judeu. Mas não acredito que os palestinos se transformariam em israelenses, eles viveriam aqui, mas sem cidadania. Sou um defensor da idéia de dois Estados para dois povos, pois é a única alternativa para a expulsão dos israelenses, dos palestinos ou a destruição total. Infelizmente nesta geração pelo menos de 30% a 40% do público dos dois lados não aceitam esta solução. Sempre depois de uma pequena trégua, o terror e o conflito voltarão. Estamos condenados a viver sob a espada.

GLOBO: Para um intelectual de esquerda, o senhor soa um tanto direitista e até mesmo pessimista...

MORRIS: Estou tentando ser realista. Sei que não é politicamente correto, mas tudo que é politicamente correto envenena a História e impede nossa capacidade de enxergar a verdade. Eu me identifico com o filósofo Albert Camus. Ele era esquerdista e muito ético, mas, quando se referia ao problema da Argélia, mudava de tom. Preservar seu povo era mais importante que valores universais de moral e ética. Há um choque de civilizações em curso no mundo. O Islã e sua atitude bárbara com relação à liberdade, à democracia e à vida humana luta contra o mundo ocidental. O conflito israelensepalestino é somente uma vertente dessa guerra.

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