domingo, 30 de novembro de 2008

Uma ameaça de US$ 5 bilhões

Além do Equador, Brasil sofre risco de calote de Venezuela, Bolívia e Paraguai
José Casado
O Globo - 30 de novembro de 2008.


A decisão dos governos de Venezuela, Bolívia e Paraguai de realizar auditorias em suas dívidas externas, a exemplo do Equador, deixa o Brasil em uma situação singular — a de alvo político e financeiro preferencial na América do Sul.

Isso porque o país adotou na última década uma política agressiva de financiamento estatal às exportações de bens e de serviços de engenharia.

Em conseqüência, o crédito com aval do Tesouro brasileiro se tornou uma das mais importante fontes de recursos para os governos da região.

O BNDES, por exemplo, acumula mais de US$ 5 bilhões em empréstimos concedidos principalmente ao Equador, Venezuela, Bolívia e Paraguai.

Depois de uma auditoria nos contratos com o Brasil, o governo equatoriano anunciou o calote na dívida com o BNDES. Se concretizado, a conta será debitada no Tesouro, em Brasília — ou seja, vai ser paga pela sociedade brasileira.

Na sexta-feira, a Venezuela anunciou uma comissão de auditoria. O Paraguai fez outra, com foco na bilionária dívida assumida com o Brasil pela construção da usina hidrelétrica de Itaipu. “Isso tudo tem cheiro de desastre”, comentou um assessor da Presidência da República.

A linha de confronto aberta pelo Equador foi saudada como exemplar pelos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, na última quarta-feira.

Em nota, subscrita também por alguns governos da América Central, acenaram com “respostas concertadas” a quem agir “contra a vontade do Equador de impugnar os créditos que tenham lesionado a economia do país e seu estado de direito”.

O governo brasileiro sabia há mais de um ano que Correa preparava o anúncio de um calote na dívida externa.

E sabia, também, que no alvo estavam US$ 554 milhões em débitos do Equador com o Brasil. A maior parte (US$ 462 milhões) corresponde a financiamentos do BNDES para obras de infra-estrutura executadas pela empreiteira Odebrecht.

As evidências de preparação do calote ficaram visíveis em Quito 15 meses atrás. Numa terça-feira, 10 de julho de 2007, o Itamaraty recebeu um despacho confirmando a criação da comissão de auditoria da dívida.

Funcionária da Receita foi cedida

Correa cumpria, assim, uma das suas principais promessas feitas na campanha eleitoral de 2006. Economista de formação e político forjado no conservadorismo católico, vencera nas urnas a oligarquia local com o mantra político da “mudança”.

Ela começava no repúdio à dívida externa “ilegal” e “ilegítima”, ele , repetia quase diariamente.

Pelo decreto, foi criada uma comissão com o propósito de questionar “a legitimidade, legalidade, transparência, qualidade, eficácia e eficiência” de todos os contratos de endividamento público assinados nas últimas três décadas — ou seja, de 1976 até a véspera da posse de Correa, em janeiro de 2007. Eles representavam uma “permanente ameaça à soberania nacional”, justificou o presidente. O Estado equatoriano, acrescentou, submetia-se à “dependência cada vez mais rígida de governos estrangeiros e de instituições financeiras internacionais”.

O Equador devia US$ 1,3 bilhão a governos estrangeiros. O Brasil era o maior credor, dono de 40,3% do total de dívidas bilaterais, em 15 contratos avalizados pelo Tesouro.

Correa entregou o comando da comissão de auditoria ao Ministério da Economia e Finanças e nomeou 15 pessoas, sete funcionários equatorianos e seis “representantes internacionais”.

Entre esses destacava-se uma servidora pública federal do Brasil, Maria Lúcia Fatorelli Carneiro.

— Quando soube, meu nome já estava no decreto — ela conta.

Auditora da Receita Federal, ela presidira o influente Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Desde os anos 90, era voluntária em organizações não-governamentais dedicadas ao estudo da dívida externa brasileira. Escreveu um livro sobre o assunto e criou uma entidade em Brasília, a Dívida Cidadã, na qual militam simpatizantes do PT, do PSOL e do PSTU.

Em março deste ano, o governo Correa requisitou oficialmente os serviços da auditora da Receita:

— O ministro da Coordenação Política de lá pediu ao ministro (Guido) Mantega. Ele mobilizou a Receita.

Na edição de 9 de abril, o Diário Oficial da União estampou um despacho do então secretário da Receita, Jorge Rachid, cedendo ao Equador a auditora, com salários garantidos pelos cinco meses (de abril a setembro) de trabalho na comissão, em Quito. O governo brasileiro emprestou mão-de-obra, pagou o custo e, assim, ajudou o Equador a preparar o calote em uma dívida com o BNDES, avalizada pelo Tesouro Nacional.

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