Estado e União pagam até R$ 100 mil por imóveis em comunidades com obras do PAC
Ruben Berta (O Globo, 2/12/2008, pag. 8)
Os primeiros números das indenizações pagas pelo estado e pela União aos moradores de imóveis afetados pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em favelas cariocas dão uma idéia de como o mercado imobiliário pode ser rentável nessas comunidades.
No Complexo do Alemão, por exemplo, o dono de uma residência de 160 metros quadrados recebeu R$ 62 mil. Na Rocinha, foram desembolsados R$ 56,7 mil dos cofres públicos por uma casa de três pavimentos, onde estava em pleno andamento o acréscimo de mais um andar.
Os imóveis estão sendo desapropriados para dar lugar a obras de benfeitorias previstas no PAC. Aos proprietários, são oferecidas três opções: a indenização, a compra de um outro imóvel com auxílio do estado ou uma nova residência a ser construída pelo poder público na própria comunidade. Quem escolhe a última opção tem uma ajuda de custo para pagamento de aluguel até as obras serem concluídas. O valor mensal varia de R$ 250 a R$ 375. Já os inquilinos de imóveis desapropriados recebem R$ 250 por três meses.
Com as indenizações do PAC, existem até casos de pessoas que trocam a favela por um imóvel no asfalto. No Morro do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, por exemplo, um morador, que pediu para não ser identificado, recebeu cerca de R$ 100 mil por um prédio que tinha há mais de 20 anos. Pela residência onde morava, de 98 metros quadrados, ganhou R$ 53 mil.
Atualmente, ele está morando de aluguel num prédio na Zona Norte e estuda onde vai comprar um apartamento: — Se eu morasse sozinho, não me importaria de continuar na comunidade, mas tenho esposa e um filho adolescente. Por isso, preferi sair.
Morava numa casa grande, com dois quartos. Agora, se quiser continuar em Copacabana, vou ter que me mudar para um “apertamento” para morar no asfalto.
Morador trocou favela por asfalto
O ex-morador do Pavão-Pavãozinho admite que passou boa parte da sua vida na comunidade por causa de vantagens de que não poderia usufruir no asfalto: — Lá, eu não pagava IPTU, nem condomínio, só as taxas mínimas de água e energia. E ainda tinha o aluguel que recebia de outras quatro pessoas no prédio. Mas estou me adaptando e estamos conseguindo pagar as contas no prédio em que estamos morando.
No complexo de favelas que reúne o Pavão-Pavãozinho e o Morro do Cantagalo, em Ipanema, até agora a maioria dos moradores optou por continuar na comunidade, nos prédios que estão sendo construídos em parceria entre estado e União. Dos 110 proprietários, 73 (66%) escolheram esta opção. Outros 36 optaram pela indenização, enquanto apenas um realizou a compra assistida.
O quadro, no entanto, varia de acordo com a comunidade. Na Rocinha, por exemplo, 90% optaram pela indenização. No Alemão, 36,7% escolheram o ressarcimento. A compra assistida veio em seguida, com 29,3%. Já em Manguinhos, a realocação para uma unidade a ser construída na própria favela encabeça as preferências, com 82,6%.
No Pavão-Pavãozinho, a coordenação das obras está a cargo da Companhia Estadual de Habitação (Cehab).
Eduardo Mendes, diretor de Operações Imobiliárias da empresa pública, contou que as negociações em torno do valor do imóvel são intensas. Em 50% a 60% dos casos, os proprietários pedem uma reavaliação.
— Nesses casos, convidamos o morador e discutimos o valor. Se as razões forem plausíveis, mandamos os técnicos a campo para verificar questões de metragem e benfeitorias.
Não somos perfeitos. Às vezes, temos que admitir que o valor que demos estava errado — disse Mendes.
Para a avaliação, o estado obedece a um decreto publicado em janeiro com a tabela de uma série de benfeitorias, como telhados, lajes e padrão de acabamento. Se há casos de imóveis que passam de R$ 60 mil, também há outros de valor baixo, como um cômodo de madeira de oito metros quadrados na Rocinha, usado como garagem, de R$ 400.
O vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Rubem Vasconcelos, disse que, apesar de alguns valores altos de indenização, o poder público está acertando ao tomar a atitude de fazer intervenções nas favelas.
— É preciso tomar a decisão e fazer — comentou Rubem, acrescentando que, com R$ 60 mil, seria possível comprar um imóvel em área regular em regiões mais distantes, como a Zona Oeste e a Baixada Fluminense.
Luiz Cesar de Queiroz, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ, afirma que, do ponto de vista formal, é um contra-senso o estado pagar por um imóvel que está numa área irregular. Mas ele acrescenta que é preciso levar em conta o fator social: — Essa realidade, mesmo ilegal, tem uma legitimidade social que obriga o estado a agir com essa ambigüidade.
Pode ser ilegal, mas é socialmente legítimo.
COLABOROU: Cláudio Motta
Nenhum comentário:
Postar um comentário