Editorial - O Globo - 2 de dezembro de 2008 - pag.6
Poderia ser enredo de ficção política, pois não é sempre que um governo gasta dinheiro do contribuinte a favor de um outro Estado, para que este contrarie interesses do país. É o que o governo Lula fez, conforme revelou O GLOBO, ao ceder ao Equador a funcionária da Receita Federal Maria Lúcia Fatorelli, para que ela ajudasse numa auditoria na dívida externa, de que resultaria o calote de quase meio bilhão de dólares dado no BNDES.
À custa do contribuinte, o governo permitiu que o presidente equatoriano, Rafael Correa, buscasse alguma fundamentação “técnica” para dar um calote no Brasil, cuja conta cairá também sobre o Erário.
É mais uma das inúmeras ambigüidades do governo Lula ditadas por desvios ideológicos. Ora, a tal “auditoria” na dívida externa é bandeira antiga desfraldada no PT por correntes partidárias mais radicalmente anticapitalistas e autoritárias.
Tanto que, por pressão desses grupos, o assunto foi incluído na Constituição de 88, indo fazer parte de um entulho de artigos inexeqüíveis e, por isso, jamais regulamentados.
Como o do tabelamento dos juros.
Tendo os espaços reduzidos para agir depois que o PT chegou ao poder em Brasília e precisou engavetar propostas irreais para o país, alguns defensores da tese migraram para legendas mais à esquerda, como o PSOL. E, descobre-se agora, graças à reportagem, que essa militância passou a atuar na assessoria de governos como o de Correa, contra interesses do Brasil, e, mais grave, com apoio do próprio governo brasileiro, como ocorreu com a funcionária da Receita Federal, e também ex-presidente da Unafisco, sindicato dos auditores fiscais, filiado à CUT Outro aspecto do caso é a cada vez mais visível estratégia de confrontação com o Brasil seguida por Equador, Bolívia e Paraguai, tendo por trás o “bolivariano” Hugo Chávez, que enxerga em Lula uma liderança concorrente. Por isso, Chávez tem funcionado sempre como um incentivador de ações contra o Brasil nesses países. Daí a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), em que Chávez e Fidel dão as cartas, ter emitido nota a favor do calote dado por Correa no Brasil, um gesto de agressão.
Brasília acertou ao elevar o tom de voz com o Equador e chamar de volta o embaixador para “consultas”, um estágio anterior ao rompimento de relações, como estabelecem os rituais da diplomacia. Mas, por causa da diplomacia de afinidades ideológicas, perdeu muito tempo, e hoje há o risco de o país sofrer um calote de até US$ 5 bilhões, e por parte de quem foi incensado por Lula como líderes que mudariam a história latino-americana.
Até poderá ser, mas para pior.
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