José Casado – O Globo – 7 de março de 2010.
Avenida Vieira Souto, 206. Este será o endereço da família Obiang no Rio, se concretizada a compra de um apartamento triplex em prédio de cinco andares projetado por Oscar Niemeyer há meio século: são dois mil metros quadrados de área útil, com rampa entre a sala de 720 metros e o pátio da cobertura, em ângulo com o magnético mar de Ipanema.
Os Obiang costumam se destacar nas listas das famílias mais ricas do planeta, como as da revista “Forbes”.
Há três décadas detêm a hegemonia do poder e dos negócios na Guiné Equatorial, país do tamanho de Alagoas, onde 520 mil pessoas vivem em cima de um oceano de petróleo espraiado pelo Golfo da Guiné —o braço do Atlântico que invade a África, na região conhecida como coração geográfico da Terra, porque ali se cruzam as linhas do Equador (0º de latitude) e do meridiano de Greenwich (0º de longitude).
O negócio imobiliário no Rio, estimado em US$ 10 milhões, é apenas reflexo das prósperas relações do clã Obiang com o governo, a Petrobras e empreiteiras brasileiras. A Petrobras tem 50% de um campo petrolífero em exploração. Já a Andrade Gutierrez — dona do apartamento em Ipanema — soma US$ 500 milhões em contratos. Outra construtora mineira, a ARG, obtém naquele país 40% da sua receita anual (US$ 155 milhões em 2008).
O comércio entre o Brasil e a Guiné Equatorial aumentou cem vezes nos últimos seis anos: saltou de US$ 3 milhões em 2003 para US$ 300 milhões em 2009. Nos últimos seis meses, dois ministros brasileiros (o chanceler Celso Amorim e Miguel Jorge, da Indústria e Comércio) viajaram à capital, Malabo, para negociar uma dezena de novos acordos.
Governantes ricos, população miserável
A Guiné Equatorial é um fenômeno africano. Por causa do bilhão de barris de petróleo extraído anualmente, exibe uma das maiores rendas per capita do mundo (US$ 28 mil por habitante) — quase quatro vezes maior que a do Brasil, superior à de Israel e Coreia do Sul, informa o Banco Mundial. Essa riqueza contrasta com o real padrão de vida da população: quase oito de cada dez habitantes sobrevivem com renda pouco acima de US$ 1 por dia, apenas 44% da população têm acesso à água potável, e a desnutrição impera entre 39% das crianças com menos de 5 anos.
Há quatro semanas, o Senado dos EUA encerrou uma investigação sobre o destino da riqueza da Guiné Equatorial.
No relatório final, com 330 páginas, o clã Obiang emerge como uma vigorosa cleptocracia, elevada à categoria de “caso de estudo” sobre práticas de corrupção governamental.
A comissão, coordenada pelos senadores Carl Levin (democrata) e Tom Corbun (republicano), considera “muito suspeito” o processo de “acumulação de riqueza substancial” dos Obiang, ressaltando evidências de “atos de corrupção”. Mostra em detalhes como “a família real de um país flagelado pela corrupção” (Guiné Equatorial) subtrai o Tesouro local em sucessivas operações de lavagem de dinheiro, com a colaboração de empresas petrolíferas dos EUA (responsáveis por 75% da extração de petróleo), bancos americanos, europeus e latinos.
O chefe do clã é o ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.
Entre 1998 e 2004, ele e a família acumularam US$ 700 milhões em apenas uma (Riggs Bank) das nove instituições financeiras dos EUA investigadas pelo Senado. Isso representa quatro vezes e meia o valor estimado do patrimônio imobiliário da rainha Elizabeth II, da Inglaterra.
Obiang é um militar de 68 anos, educado em quartéis da Espanha franquista, cuja rotina se divide entre o tratamento de um câncer de próstata e a atenção à luta fratricida pela sucessão no trono do “Supremo”.
Ironia da História: a última disputa na família acabou em 1979, quando Obiang liderou um golpe, prendeu e mandou fuzilar o tio, o ditador Francisco Macías Nguema. Primeiro presidente pós-independência da Espanha, Macías foi um déspota tão delirante quanto violento: atribuiu-se o título de Milagre Único, proibiu a pronúncia e a impressão da palavra “intelectual” e comandou o assassinato de pelo menos 50 mil pessoas (um sexto da população na época).
O tio nunca admitiu eleições. O sobrinho Obiang já investiu em cinco — declarou-se vencedor em todas, com pelo menos 95% dos votos válidos. Sobreviventes da oposição estão no presídio de Praia Negra, na capital, onde a tortura é tão endêmica quanto as parasitoses, relatam a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.
Até agora, o favorito na sucessão é Teodorín, filho mais velho de Obiang.
Aos 39 anos de idade, é um caso singular de playboy milionário que vagueia por aeroportos com passaporte diplomático de ministro da Agricultura e Florestas da Guiné Equatorial.
O Brasil tem sido um de seus destinos frequentes, a bordo de um jatinho Gulfstream 487, de 16 lugares, pelo qual pagou US$ 38,5 milhões “com dinheiro de origem suspeita”, ressalta o Senado americano.
Teodorín é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro nos EUA, França e Espanha. Entre 2004 e 2008, ele movimentou “mais de US$ 110 milhões em fundos suspeitos nos EUA”, segundo o Senado.
A folia de gastos do playboy-ministro contrasta com a miséria exuberante de seu país, onde diarreia, sarampo e pneumonia ainda levam à morte 55% das crianças com menos de 5 anos de vida.
Teodorín tem como fonte de renda oficial um modesto salário ministerial de US$ 5 mil mensais, mas pagou à vista US$ 30 milhões por uma mansão californiana frente ao mar de Malibu (3620 Sweetwater, Mesa Road), na vizinhança do ator Mel Gibson, da cantora Britney Spears e do cineasta James Cameron (“Titanic” e “Avatar”).
O imóvel tem 48,5 mil metros quadrados — área equivalente a 15% de Ipanema. A decoração custou US$ 4 milhões. A despesa com a manutenção do tanque de carpas imperiais é de US$ 7.400 ao mês. Ele se tornou um tipo inesquecível para o corretor Neal Baddin, de Hollywood Hills: pagou uma comissão de US$ 615 mil, e ainda comprou os recibos.
Fez um seguro de US$ 9,5 milhões para a frota de 32 veículos, entre eles sete Ferrari, cinco Bentley, quatro Rolls Royce, duas Lamborghini, dois Maybach, duas Mercedes, dois Porsche, um AstonMartin, e um Bugatti.
Mais tarde, levou seu advogado, Michael Berger, para comemorar na Mansão Playboy: “Tive momentos maravilhosos. Eu conheci muitas mulheres bonitas, e tenho as fotos, e-mails e telefones” — escreveulhe Berger, agradecido, em um dos e-mails confiscados pela comissão de investigação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário