Publicada em 10/03/2010 às 23h32m
Ângela Góes, Christine Lages, Eliane Oliveira, Luisa Guedes e Mariana Timóteo
RIO e BRASÍLIA - Dissidentes do regime cubano e entidades de defesa dos direitos humanos reagiram com espanto e revolta às declarações dadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira defendendo o sistema judicial cubano e comparando presos políticos a bandidos comuns . Em entrevista à agência de notícias AP, Lula defendeu a soberania do governo e criticou os presos políticos que entraram em greve de fome no país, um dos quais acabou morrendo.
- Nenhum outro estadista da América Latina nem da Europa foi capaz de fazer declarações como essas. Logo Lula, um ex-líder operário, um ex-perseguido político, que visita constantemente nosso país - disse por telefone ao GLOBO o porta-voz da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), Elizardo Sanchez.
Ele se disse surpreso com o grau de cumplicidade ao qual o presidente do Brasil chegou com o regime totalitário dos irmãos Castro, ao ponto de "faltar com o respeito e ofender o movimento de direitos humanos e pró-democracia de Cuba".
Manuel Cuesta Morúa, da organização Arco Progressista, disse que declarações como as do presidente só deixam os dissidentes cubanos mais isolados. Segundo ele, como chefe de Estado, Lula cumpre o seu papel de manter boas relações com o governo de Cuba.
- Mas ele poderia ouvir os dois lados, para ter uma ideia melhor do que acontece aqui. Chamamos Lula para o diálogo, enviamos cartas para ele, e ele nos ignora, acho isso uma atitude equivocada e que não condiz com seu papel de principal líder da América Latina. Um grande líder não vira as costas para violações aos direitos humanos como as que sofremos atualmente em Cuba.
O dissidente cubano Guillermo "Coco" Fariñas, que iniciou uma greve de fome no dia 24 de fevereiro para protestar contra a morte de Orlando Zapata, não pôde comentar as declarações de Lula.
- Guillermo está a par das declarações do líder brasileiro, mas está muito fraco para dar entrevistas. - disse ao site do GLOBO, por telefone, Liset Zamora, porta-voz do psicólogo e jornalista.
Segundo ela, depois de 13 dias sem se alimentar, Fariñas está desidratado e com taquicardia.
- Não nos causa estranhamento que Lula compare presos políticos a bandidos comuns. Ele é um presidente que responde aos interesses do governo cubano - afirmou Liset. - Lula é cúmplice de Raúl e Fidel Castro.
Entidades preocupadas
Decepção e preocupação. Assim Nik Steinberg, pesquisador do Human Rights Watch, traduziu o sentimento da ONG americana que faz pesquisa e advoga no campo dos direitos humanos após as declarações polêmicas do presidente Lula. Em entrevista por telefone ao site do GLOBO, ele foi além e disse que o brasileiro perdeu uma excelente oportunidade de exercer influência na região.
- É muito decepcionante que o presidente Lula tenha comparado esses presos políticos a bandidos. Nós estamos falando de pessoas que foram impedidas de exercer seus direitos básicos de expressar suas opiniões - disse ele, que passou duas semanas em Cuba no ano passado realizando entrevistas para elaborar um relatório, publicado pela organização em novembro.
Segundo o documento, o tratamento recebido pelos presos em Cuba é "cruel, desumano e degradante".
- Os presos políticos têm rotineiramente acesso negado a tratamento de saúde como punição por suas atividades anteriores fora da prisão ou por expressar sua opinião do lado de dentro - acrescentou.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, foi duro e classificou as declarações de Lula como "uma comparação despropositada".
"A comparação é despropositada, pois tenta banalizar um recurso extremo que é, ao mesmo tempo, um símbolo de resistência a um regime autoritário que não admite contestações", afirmou Ophir, em nota, acrescentando que "mais razoável seria se o governo brasileiro se preocupasse com as péssimas condições carcerárias a que estão submetidos" os presos brasileiros.
Javier Zuniga, diretor da Anistia Internacional para a América Latina, entidade de defesa dos direitos humanos, comentou que a afirmação de Lula pode ter sido feito por desconhecimento do presidente acerca da situação carcerária em Cuba.
- Acompanhamos a situação dos dissidentes em Cuba há anos. Acreditamos que o presidente Lula tem informações equivocadas e estamos prontos para informá-lo sobre os prisioneiros. Temos alguns documentos que mostram o motivo pelo qual essas pessoas estão presas, e o que acreditamos ser prisioneiros de consciência - disse.
A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecilia Coimbra, classificou a posição de Lula como "extremamente infeliz", e afirmou que o presidente se contradiz ao defender o governo cubano ao mesmo tempo em que prega a política de não intervenção e respeito às decisões de outros países.
- Quando ele critica a greve de fome (como instrumento político) e defende as decisões do governo cubano sobre o assunto ele está, sim, se metendo. Está defendendo um país que está longe de ser uma democracia e um governo que precisa ser questionado - afirmou, lembrando que, durante a ditadura brasileira, os desaparecidos políticos também eram chamados de bandidos.
O fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Krischke, afirmou que comportamento de Lula em relação aos direitos humanos ao longo de seu governo foi desastroso e criticou a posição do presidente.
- Lula, ou quem o assessora, não teve cautela. É uma declaração absurda. Não há nenhuma razão de Estado forte o suficiente para justificar qualquer tipo de violação aos direitos humanos - disse Krischke. - Ditadura é ditadura, não importa se de esquerda ou direita. Temos o dever de denunciar. E no caso de Lula, ele não só não denunciou, como tentou justificar o injustificável - declarou.
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