Catarina Alencastro - Publicada em 10/03/2010 às 23h39m
BRASÍLIA - As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma agência de notícias internacional, comparando o dissidente cubano que morreu após 85 dias de greve de fome, Orlando Zapata Tamayo, a bandidos comuns foram desastrosas e minam o prestígio que o presidente e o país acumularam nos últimos anos. Esta é a avaliação do professor titular de Relações Internacionais da UnB Eduardo Viola.
Como o senhor avalia o posicionamento do presidente Lula com relação ao dissidente morto em Cuba?
EDUARDO VIOLA: É terrivelmente negativa a declaração de Lula. Erode o capital de prestígio ganho pelo Brasil e por Lula nestes últimos anos. Não é apenas um descuido, mostra uma atitude muito preocupante em relação à insensibilidade ao desrespeito pelos direitos humanos. Cuba é uma ditadura clara há 50 anos, com características dinásticas de reter o poder na mesma família.
E a comparação que o presidente fez entre o dissidente cubano e bandidos comuns de São Paulo?
VIOLA: É vergonhoso comparar um bandido comum a um prisioneiro de consciência. Um bandido comum é alguém que se supõe ter feito muito mal à sociedade, que é o oposto do prisioneiro de consciência, que está justamente lutando para melhorar a sociedade em que vive.
Preocupa essa declaração do presidente?
VIOLA: Isso mostra que nos últimos tempos Lula tem retomado um discurso mais autoritário, que era típico do PT antes de assumir o poder, em 2003. O Plano Nacional dos Direitos Humanos, as críticas frequentes à mídia são outros exemplos. Há um componente autoritário em Lula. Ele está testando a reação da sociedade brasileira. O apoio que o Brasil dá à ditadura cubana, essa comparação foi um desastre.
O senhor acha que o presidente Lula pode estar querendo passar um recado?
VIOLA: Esse movimento procura captar os setores mais radicais para que votem em Dilma. Por um lado, setores extremistas que talvez cogitassem votar em branco podem gostar disso. Mas esses são setores minoritários. É um cálculo arriscado de Lula.
O senhor vê um componente eleitoral nesse posicionamento, então?
VIOLA: Lula tem em seu interior um componente autoritário em sua personalidade. Quando se tem alta popularidade isso é perigoso. O próprio uso da máquina pública para eleger Dilma é uma demonstração de autoritarismo. Ele está usando a máquina estatal maciçamente para eleger uma pessoa totalmente subordinada a ele, com o objetivo de voltar depois (ao poder). Isso é preocupante.
A posição do líder brasileiro pode reforçar a perseguição ao regime cubano naquele país?
VIOLA: Isso causa muita decepção, embora tenha muito pouco impacto sobre os dissidentes cubanos. A ditadura cubana funciona independentemente do resto do mundo. Eles são muito insensíveis ao que acontece fora da ilha.
Na entrevista à agência AP, Lula diz que é preciso respeitar a Justiça cubana. Como essa chancela é recebida internacionalmente?
VIOLA: O Brasil é a única grande democracia do mundo que legitima a ditadura cubana. O mesmo aconteceu quando Lula decidiu apoiar o Irã. Mina o prestígio conquistado pelo Brasil.
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