Especialistas discutem o que fazer para que o cinema nacional volte a ter público
Por Mauro Ventura
O Globo, 28/8/2008
Em 2003, os filmes brasileiros dominaram quase um quarto do mercado — 22%. Este ano, até agora, o número baixou para inquietantes 6,9%. O sinal de alerta foi aceso pelo produtor Luiz Carlos Barreto, o Barretão, no Prêmio Contigo de Cinema, quando disse que era “absolutamente ridículo continuar a aceitar essa taxa”. Os cineastas buscam entender por que o público não tem comparecido, já que os filmes têm sido feitos, a cada semana há novos lançamentos, e nunca a imagem do cinema nacional esteve tão boa.
— Este ano vai ser ruim para o cinema no Brasil e, mais ainda, para o cinema brasileiro. É bom aprendermos a conviver com essa crise nos próximos anos — diz Paulo Sérgio Almeida, da Filme B, empresa de análise do mercado. E razões para o problema não faltam. — Os grandes vilões são o preço do ingresso e a concorrência estrangeira — diz Renato Aragão, que lançou “O guerreiro Didi e a ninja Lili” e alcançou apenas 257 mil espectadores. — Saí de dezembro para julho porque a concorrência era grande. Foi pior. Nunca tinha estreado com oito concorrentes, que tomaram 3.300 salas. Fiquei espremido com 130 cópias, na periferia.
Carlos Reichenbach, que viu seu “Falsa loura” ter pouco mais de nove mil espectadores, mesmo com Cauã Reymond e Rosane Mulholland no elenco, lamenta que os filmes médios, independentes, só entrem em salas de arte. — O que me deprime particularmente é que não consigo chegar a meus protagonistas: operárias, proletárias. O tipo de público que era fiel aos filmes brasileiros sempre foi o das classes C e D. E cinema virou diversão de elite. O produtor Diler Trindade concorda:
— Não há cinema em 92% dos municípios brasileiros. As salas são concentradas nos municípios de renda mais abastada. E a tendência é abrir mais e mais salas VIPs (como as que o Cinemark inaugurou em São Paulo, com preços entre R$ 35 e R$ 46). Procuram cada vez mais quem tem poder de compra, que é quem mais tem preconceito contra o cinema brasileiro.Quem aprecia o cinema nacional é justamente o povo. É ele que gosta de sua esquina.
Ele diz que é preciso criar o vale-cultura.
— O governo fomentou a produção, a distribuição e até a exibição, mas nunca fomentou o espectador. A exemplo do vale-transporte e do tíquete-refeição, a empresa poderia dar o vale, que seria dedutível do Imposto de Renda, para se assistir à cultura nacional.
Barretão diz que há dois anos se luta pela instituição do vale-cultura.
— São de 30 milhões a 35 milhões de trabalhadores de baixa renda que iriam se inserir no mercado cultural.
Diler tem outra proposta, mais polêmica: ingressos diferenciados.
— Afinal, as produções nacionais custam em média US$ 2 milhões, contra US$ 100 milhões das americanas. Reichenbach pensa parecido: — É uma solução de emergência, mas utópica: qualquer filme brasileiro deveria entrar ao preço de uma passagem de ônibus. Nos anos 60, eu deixava de comprar um maço de cigarros para ver dois filmes.
Não é por falta de produção que o cinema brasileiro tem atraído pouco público. Segundo Paulo Sérgio Almeida, estão sendo produzidos 300 filmes no país. Outros 300 estão em processo de captação. Há 14 sendo rodados, 69 em fase de montagem, 34 prontos que devem estrear este ano e 75 sem data de lançamento. — Mas estamos no modelo certo? Não sei — diz Almeida. — Ele é altamente democrático, mas não tem objetivo definido de fazer bilheteria.
Críticas à forma como estatais investem
Entre os mecanismos que financiam o cinema brasileiro estão os artigos 1º e 1º A da Lei do Audiovisual — que concedem isenção fiscal às empresas patrocinadoras — e o artigo 3º — que permite às majors (distribuidoras estrangeiras) deduzir um percentual de suas remessas se investirem em filmes brasileiros.
As principais empresas patrocinadoras são a Petrobras e o BNDES, que selecionam os projetos em suas comissões. Bruno Wainer, da Downtown, única distribuidora privada dedicada exclusivamente ao cinema brasileiro, lamenta que não haja preocupação em ser competitivo.
— É escandalosa a forma como aplicam a verba. Beira a irresponsabilidade a maneira como as estatais investem esse caminhão de dinheiro no cinema brasileiro — diz ele, que apresentou em São Paulo a palestra “Por que o cinema brasileiro diminuiu a taxa de ocupação enquanto houve enorme aumento de títulos?”.
Ele diz que, dos 38 filmes brasileiros lançados este ano, apenas sete são de mercado: “Meu nome não é Johnny”, “Sexo com amor”, “Era uma vez”, “O guerreiro Didi e a ninja Lili”, “Xuxa em sonho de menina”, “Polaróides urbanas” e “Chega de saudade”. E, dos cerca de 500 filmes brasileiros produzidos e distribuídos de 1994 a 2007, 140 venderam 91,5% dos ingressos.
— Esses são os que tiveram investimento pesado das distribuidoras na produção, os que o distribuidor olhou e falou: vou apostar nele porque é cavalo vencedor. Produz-se muito no Brasil, mas muito poucos se enquadram na categoria competitivos. Se você separasse esses 140 dos demais, a performance do cinema brasileiro seria uma das melhores do mundo. Para Almeida, também falta investir em filmes ambiciosos.
— Participei de várias comissões de seleção e ouvia dizerem: “Esse filme não precisa de dinheiro, porque já tem artigo 3º .
Vamos dar para esse pobre coitado.” Procurava-se bombardear esses filmes, independentemente do mérito. O resultado é que se criou um monte de filmes pequenos. Por que não se separa edital para filme comercial? Barretão também faz críticas.
— Nunca se investiu tanto em produção quanto no governo Lula. Só que os critérios foram muito orientados numa política de fazer cinema-cabeça, de experimentação, de renovação de linguagem. Tem que ter, mas não ser a maioria. Cheguei a ouvir: “Agora vamos fazer uma substituição de geração”. Foram feitas comissões absurdas, numa política orientada pelo MinC. A ponto de Nelson Pereira dos Santos estar lutando para fazer um documentário sobre Tom Jobim e não conseguir captar. As estatais vêm corrigindo essa política equivocada, mas até dar resultado vai demorar.
Investimento pode chegar a US$ 250 milhões em 2008
Sérgio Sá Leitão, diretor da Ancine, garante que a agência está “extremamente preocupada” com a situação.
— O modelo chegou ao esgotamento. Temos que favorecer o desenvolvimento do mercado, valorizar a meritocracia, a performance anterior, o fato de o filme já ter distribuidora. O Breno Silveira fez “2 filhos de Francisco”, que gerou emprego e satisfez o público. Quando terminou, foi para o fim da fila. É como se ter feito um sucesso contribuísse muito pouco para o que vai acontecer depois — critica.
e diz que o volume investido pelo Estado este ano no audiovisual vai ficar entre US$ 200 milhões e US$ 250 milhões.
— Mas investe-se muito em produção e pouco em distribuição, exibição/comercialização e infra-estrutura. E boa parte do dinheiro em produção é injetado por critérios que não o de desempenho de mercado.
Ele diz que os três únicos mecanismos que funcionam segundo uma lógica de mercado são o artigo 3º , os funcines — fundos de financiamento — e o prêmio adicional de renda, que toma como referência as bilheterias.
— Precisamos aumentar o peso desses três mecanismos. É vamos ter um quarto, o Fundo Setorial do Audiovisual, que será o grande investimento para uma política efetiva de desenvolvimento de mercado. O fundo, prometido para outubro, vai contemplar todos os elos da cadeia produtiva, da produção à construção de salas. A idéia também é estimular a feitura de filmes competitivos.
— Leva dinheiro e tem mais vantagens quem já demonstrou que obtém resultado econômico — diz Sá Leitão.
Para Carla Camurati, falta no Brasil formação de platéia. Essa foi uma das razões que a levaram a criar o Festival Internacional de Cinema Infantil, que começa amanhã sua sexta edição.
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