Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 28 de agosto de 2008
Se é interesse estratégico do Brasil aumentar a produção local de potássio e fertilizantes, a ministra Dilma Roussef é culpada por agir contra esse objetivo nacional.
Foi assim: durante mais de dez anos, a Petrobras ficou sentada em uma mina de silvinita na Amazônia. Dali se pode extrair o cloreto de potássio, insumo da indústria de fertilizantes, hoje quase totalmente importado pelo Brasil. Portanto, na visão do governo Lula, a Petrobras também estava agindo contra o interesse nacional, pois, não explorando a mina, contribuía para manter a dependência externa.
Pior do que isso, sempre na visão do governo, a Petrobras vendeu os direitos de exploração da mina para uma companhia de capital estrangeiro, Falcon Metais, de origem canadense. Entregou o potássio aos bandidos.
Por isso, a ministra mandou cancelar o negócio - o que a Petrobras fez, alegando "razões estratégicas" e levando prejuízo - e determinou que a estatal tomasse providências para explorar o minério.
Parece simples. Mas convém observar a realidade sem o filtro ideológico.
A Petrobras de fato detinha os direitos de exploração da mina - sabe-se lá por que - mas não era negócio adequado para uma estatal de petróleo e gás. Calcula-se que são necessários investimentos de R$3 bilhões para a primeira fase do processo de extração do cloreto de potássio. Ora, a Petrobras tem diante de si imensos investimentos para, por exemplo, explorar o petróleo do Pré-Sal que, aliás, dá muito mais lucro que potássio.
Por isso, a estatal tomou a decisão correta de vender a mina da Amazônia. Teve dificuldades, pois o preço da tonelada de potássio estava muito baixo. Em resumo, não era rentável gastar todo aquele dinheiro numa mina no interior da Amazônia. Mais barato era importar.
Entretanto, a sorte ajudou. Como ocorreu com todas as commodities, o preço do potássio disparou. Foi a US$800 - e aí a Petrobras encontrou compradores. Fez uma licitação e quem levou foi a Falcon Metais, por R$150 milhões.
Aparentemente, não se trata de uma companhia aventureira. Tem outros negócios no Brasil, entre os quais duas minas, uma de ouro outra de vanádio, e sua intenção era simplesmente produzir potássio, conforme disse seu presidente, Helio Diniz, em entrevista à CBN.
Por um simples motivo: a US$ 800, vale a pena produzir na Amazônia. Diniz calcula que o produto local pode chegar à indústria de fertilizantes US$150 mais barato que o importado. Ou seja, bom negócio para a empresa. E também para o país, pois reduz a dependência externa e ainda barateia o custo do insumo.
Perfeito, não é mesmo?
Não, pensou a ministra, apoiada por vários colegas de governo. Como é que a Petrobras entrega um insumo estratégico a uma multinacional?
De onde se conclui que o governo não quer apenas o potássio, mas um potássio verde-e-amarelo, mesmo que custe mais caro e que desvie investimentos preciosos da Petrobras. Com essa atitude, o governo está simplesmente mandando embora algo de que o país mais precisa para garantir seu crescimento: novos investimentos.
Só haveria uma razão a justificar a ordem da ministra Dilma. A convicção ou a desconfiança fundada de que os gringos estavam comprando a mina para congelá-la e obrigar o Brasil a continuar importando do Canadá.
Multinacionais não costumam rasgar dinheiro. A Falcon acredita que vai ganhar uma nota com essa mina e só por isso promete colocar recursos lá.
Mas suponhamos que seja mentira. Não tem problema.
Todo o minério do subsolo pertence à União. As empresas compram concessões e direitos de mineração. Se não os exercem, ou seja, se não retiram o minério, perdem a concessão.
Como fica o caso? Os agricultores cobram do governo investimentos pesados na tal mina. A Petrobras está obviamente constrangida por ter de desviar dinheiro, que não sobra, para algo que não é do seu ramo. Periga a silvinita ficar lá mesmo.
A sorte é que a Falcon está disposta a demonstrar ao governo que entrou nisso de boa fé.
De todo modo, episódio ilustra uma mentalidade de hostilidade ao capital privado, especialmente estrangeiro, e que prejudica o ambiente de negócios. Transmite a idéia de que o estratégico tem que ser estatal, mesmo para ficar embaixo da terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário