29 de setembro de 2008
Homens compraram 30 mil exemplares do jornal para evitar divulgação de reportagem sobre gazeta de candidatos
O Ministério Público Eleitoral investigará a compra de mais de 30 mil exemplares do Jornal "Extra" por grupos armados, na madrugada de ontem, para evitar a divulgação da reportagem sobre a gazeta de deputados estaduais candidatos a prefeito em campanha. Segundo o procurador regional eleitoral, Rogério Nascimento, há indícios de crime eleitoral no episódio e o caso representa uma ameaça à democracia.
A segunda edição de domingo do jornal "Extra", com a manchete "Deputados em campanha mentem para garantir salário de R$13 mil", não chegou à maioria das bancas da Baixada Fluminense. Um grupo de homens, alguns armados, comprou os exemplares antecipadamente no centro de distribuição de Belford Roxo, impedindo que os jornais chegassem aos leitores. O mesmo grupo percorreu bancas de São João de Meriti e de municípios vizinhos para checar se havia algum exemplar do "Extra" disponível.
Jornaleiros que se negaram a vender jornais acabaram cedendo, depois de sofrerem intimidação de homens armados. Temendo represálias, os jornaleiros não registraram ocorrência na delegacia. Por volta das 2h de domingo, homens num Vectra e num caminhão estiveram na sede do jornal, na Rua Irineu Marinho, com o mesmo objetivo: comprar antecipadamente exemplares do "Extra". O chefe do grupo, que se identificou como coronel do Corpo de Bombeiros, disse que o objetivo era adquirir dez mil exemplares, mas acabaram levando apenas 850, comprados com distribuidores na porta do jornal.
A reportagem relacionada à manchete denunciou que os candidatos Marcelo Simão (PHS), Rodrigo Neves (PT) e Alessandro Calazans (PMN), todos deputados, faltaram a sessões da Alerj e inventaram compromissos para ter as faltas abonadas e garantir o salário integral de R$13 mil. Marcelo Simão é candidato a prefeito em Meriti; Rodrigo Neves, em Niterói; e Alessandro Calazans, em Nilópolis. O procurador regional eleitoral, Rogério Nascimento, reprovou a ação:
- Isso não pode ser tolerado porque fere um princípio da democracia: o da liberdade de imprensa. O eleitor se alimenta de informações. Sem uma imprensa livre, não há democracia.
Presidente do TRE diz que ação é golpe eleitoral
Corregedor do Corpo de Bombeiros, o coronel Marcos Tadeu investigará o caso:
- Vamos tomar providências para identificar quais oficiais são ligados a esses candidatos.
Segundo Rogério Nascimento, esses parlamentares podem ter a candidatura anulada ou, se eleitos, o mandato como prefeito cassado. O presidente em exercício do Tribunal Regional Eleitoral, Alberto Motta Moraes, emitiu uma nota oficial classificando a ação como um golpe eleitoral: "O TRE repudia com veemência essa ação, que nos parece claramente um golpe de natureza eleitoral. A compra de grande quantidade de exemplares numa mesma região tem todos os indícios de uma tentativa de impedir que informações chegassem a uma parcela do eleitorado. Igualmente graves são as denúncias de que jornaleiros foram coagidos a vender todo o estoque, o que só fortalece a hipótese de se negar à população informações que lhe ajudasse a decidir o voto de forma livre e consciente".
O método usado para que 30 mil exemplares do "Extra" não chegassem aos leitores foi considerado uma afronta à liberdade de informação por associações de jornais e jornalistas do Brasil. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, condenou o fato de grupos ainda usarem o poder econômico para privar eleitores de informações.
O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade, observou que, embora a atitude do grupo não configure crime judicial, pode ser considerada prática criminosa contra a sociedade, pois impede eleitores de terem informações sobre candidatos. Segundo ele, essa postura aumenta ainda mais a falta de credibilidade da população em relação aos políticos:
- Esse é um tipo de prática que deve ficar no passado.
A notícia da privação de informações deixou perplexo a presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio, Suzana Blass. Para ela, foi violado o direito dos leitores de terem acesso às informações, o que é inconstitucional:
- É um ato de coronelismo. Um retrocesso no processo democrático.
Candidato diz que não conseguiu comprar jornal
Um dos candidatos a prefeitura de São João de Meriti, o deputado Marcelo Simão (PHS) garante ter certeza de que a falta de exemplares do "Extra" no município foi uma estratégia do candidato Sandro Matos (PR) para ganhar a eleição:
- Quando a campanha começou, eu estava com 3% e ele com mais de 60% das intenções de voto. Hoje, a disputa está embolada. Ele está desesperado.
Já Sandro atribuiu a falta de exemplares à reportagem que ele classificou de comprometedora. O candidato diz que não conseguiu comprar o jornal:
- Um amigo, Rodrigo, procurou na cidade e em Nilópolis. Também não encontrou. Por isso, foi até a sede do "Extra", comprou cerca de 200 exemplares e distribuiu no meu evento de campanha.
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